Aquecimento global: nova procrastinação em Lima

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Por que o acordo firmado por 195 governos, sobre mudanças climáticas, é limitado e frágil. Quais os passos até a reunião decisiva de Paris, em 2015

Por Estrella Gutierrez, na Agência IPS | Tradução: Maurício Ayer – Outras Palavras

Após protelarem por 25 horas, os negociadores de 195 países chegaram domingo, em Lima (Peru), a um acordo que define um “mínimo comum necessário” de medidas a serem tomadas para enfrentar as mudanças climáticas. Mas postergaram as grandes decisões sobre um novo tratado para a 21ª Conferência das Partes (COP 21), que acontecerá daqui a um ano, em Paris.

Depois de 13 dias de debates, a COP 20 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (CQNUMC) deixou sem solução assuntos centrais, como a fiscalização dos compromissos da redução de emissões de cada país, o reconhecimento de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas e os planos imediatos, conforme denunciaram à IPS representantes das organizações observadoras.

O documento aprovado, o terceiro a ser debatido, denominado “Apelo de Lima para a Ação Climática”, estabelece que os países apresentarão, antes de outubro de 2015, seus compromissos nacionais de redução das emissões de gases que provocam o aquecimento global.

O texto também “urge” os países industrializados a “prever e mobilizar apoio financeiro para ações ambiciosas de mitigação e adaptação” para as nações afetadas pelas mudanças climáticas e “convida” a que definam este financiamento junto com os compromissos de redução das emissões. A exortação atendeu de maneira frágil às necessidades dos países que são mais vulneráveis ao aumento das temperaturas – e evitou um franco naufrágio.

Mas os observadores lamentaram que no Apelo de Lima se faça pouco para atender as populações mais vulneráveis, como agricultores, comunidades costeiras, indígenas, mulheres e setores mais despossuídos das sociedades.

“Houve uma série de intercâmbios entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e o resto do texto ficou significativamente mais frágil quanto às regras para o próximo ano e sobre como produzir ação e a ambição climática”, disse à IPS o coordenador de Mudanças Climáticas da Care International, Sven Harmeling. “Foi realmente infeliz”, sentenciou.

Isso afetará as negociações de 2015, pois “está se acumulando mais pressão sobre a reunião de Paris. Os grandes temas foram postergados e não tiveram decisão aqui”, disse Harmeling.

O ativista reconheceu o fato de ter sido possível um acordo, mesmo que insuficiente. “Temos algo, mas falta saber o quanto isso será legalmente vinculante”, assegurou Harmeling. Se de fato existe “um espírito de Lima” e não apenas consensos por cansaço, começaremos a saber a partir de fevereiro em Genebra, onde acontecerá o próximo encontro climático, prognosticou.

As nações do Sul deram seu voto a favor do texto, por volta de 1h30 da madrugada do domingo (14/12), mas organizações como a Oxfam, a Rede de Ação Climática e Amigos da Terra Internacional foram muito críticas quanto ao resultado. As negociações de Lima “não fizeram nada para deter a catástrofe climática”, assegurou a última dessas organizações.

Entre 1º e 13 de dezembro, mais de 3 mil delegados buscaram juntos um fim último no complexo processo da CQNUMC: evitar o aquecimento do planeta a níveis que atentem contra a vida na Terra.

O ministro peruano do Meio Ambiente, Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP 20, prolongou o processo para aparar as arestas entre os países industrializados, os grandes emissores de carbono (que queriam menos pressão financeira) e os países em desenvolvimento, que buscavam menor fiscalização de suas próprias reduções.

“Mesmo quando parece que estamos em lados opostos, estamos efetivamente no mesmo, pois só há um planeta: é o lado do planeta”, disse Pulgar-Vidal ao concluir a COP.

A missão específica de Lima era estabelecer o esboço de um novo tratado climático vinculante, que deve amadurecer durante 2015 até sua assinatura em Paris. Discussões metodológicas e grandes debates sobre financiamento, prazos e perdas e danos impediram um consenso mais ambicioso.

“Os países precisam de financiamento climático e ações urgentes a serem tomadas agora, porque nossas emissões devem atingir o seu máximo antes de 2020 e logo começar a redução se quisermos manter um caminho seguro”, disse à IPS a coordenadora climática do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), Tasneem Essop.

A ativista enfatizou que “precisamos proteger os direitos das comunidades impactadas pelas mudanças climáticas”. É precisamente este desamparo dos setores mais vulneráveis do planeta o que torna ainda mais urgente a tomada de medidas.

No entanto, o acordo de Lima faz referências muito escassas aos mecanismos que os países deverão usar para reduzir emissões entre 2015 e 2020, quando deve começar a vigir o novo tratado, em substituição ao Protocolo de Kyoto.

Essas ações têm que começar já, disse Essop, caso contrário as medidas posteriores podem ser inúteis. “O que os governos parecem estar pensando é que poderão fazer tudo no futuro, depois de 2020, quando a ciência foi clara ao afirmar que precisamos chegar a um topo antes disso”, assegurou à IPS.

Por não fazer isso, a cada ano o clima extremo, a seca e a baixa produção agrícola serão mais duras para muitas comunidades, que são as menos responsáveis pelas mudanças climáticas. Essop considera que os governos apostam em negociar em Paris, quando havia decisões que precisavam ser adotadas em Lima.

Entre os fios soltos que deverão ser atados na capital francesa, entre 30 de novembro e 11 de dezembro de 2015, estão: como será o equilíbrio entre mitigação e adaptação no novo acordo climático mundial e de onde sairá o financiamento.

“Se não tivéssemos chegado a esta decisão (do Apelo de Lima), as coisas seriam muito mais difíceis em Paris, mas ainda sabemos que há muitos temas que deverão ser solucionados entre agora e dezembro de 2015”, disse na plenária final Laurent Fabius, ministro de Assuntos Exteriores da França.

Este acordo tem a pretensão de que, até 2100, a elevação da temperatura não supere os dois graus centígrados, para poder preservar a estabilidade do planeta. Nisso, é fundamental reduzir o uso de combustíveis fósseis. Mitigação, adaptação, perdas e danos foram estabelecidos como pilares do novo tratado. Os dois últimos são vitais para países e populações impactadas desproporcionalmente pelo fenômeno, mas esta parte ficou sem força em Lima.

“É desastroso e não atende nossas expectativas de modo algum. Queríamos ver um plano claro surgindo em Lima, que nos permitisse ter um tratado mais ambicioso”, disse Harjeet Singh, diretor internacional de Mudanças Climáticas e Resiliência da organização ActionAid.

“O que vemos é uma contínua recusa dos países desenvolvidos diante de temas que tenham a ver com adaptação e perdas e danos”, afirmou à IPS.

Trata-se de temas espinhosos, porque cumpri-los requer compromissos financeiros dos países ricos. O principal espaço de recepção de dinheiro, o Fundo Verde para o Clima, alcançou apenas 10,2 blhões de dólares neste mês, um décimo do que as nações industrializadas se comprometeram a aportar.

O Apelo de Lima determinou como serão as “contribuições previstas e determinadas em nível nacional” (INDC, em inglês), o formato em que se apresentarão os compromissos de cada país sobre como reduzir suas emissões.

No entanto, este acordo tornou-se frágil ao eliminar o mecanismo para analisar a pertinência e a idoneidade de cada compromisso, presente em esboços anteriores.

Para os negociadores, a soma dessas contribuições nacionais seria suficiente para controlar o aquecimento global, mas os observadores estão preocupados. Temem que a escassa fiscalização impeça um controle adequado de se há avanços na redução de emissões, da maneira que o planeta necessita.

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