Já publicamos a entrevista de Patrícia Bonilha “Pra quê projetos que destroem a vida?”, questiona Henrique Suruí , Projeto Carbono Suruí: ao invés de direitos, dinheiro, por Michael F. Schmidlehner e Povos da floresta e territórios: serviços ou direitos?, por Cristiane Faustino e Fabrina Furtado. Esta é outra matéria sobre os projetos REDD, também presente na Edição Especial da Revista Porantim sobre ‘economia verde’. Para acessar a edição completa, clique aqui. (Combate).
Lindomar Dias Padilha*, Revista Porantim
Quando falamos em mercado, seja ele de que base for, estamos falando de uma relação produção/consumo que considera os meios entre um e outro. Estes meios, quase sempre são entendidos como regularizadores. Entretanto, não nos propomos aqui a falar do mercado em si e de seus mecanismos. Pretendemos apenas, e introdutivamente, fazer uma leitura política dessa relação considerando os meios intermediários, de regularização, em relação aos bens comuns, também chamados de bens naturais, e ao futuro do planeta e, até mesmo, do próprio mercado.
No último século, com o crescimento populacional, dentre outros fatores (sendo o maior deles a própria sanha capitalista), criou-se a necessidade do aumento da produtividade da indústria mundial. Os donos das indústrias, movidos por essa sanha, tomaram a decisão de produzir e forçar o consumo atacando ferozmente o meio ambiente global. Como consequência, os índices de poluição em nosso planeta cresceram exponencialmente.
O aumento da poluição, portanto, acompanhou o crescimento da indústria mundial, tornando ainda mais agudo o ciclo vicioso entre a produtividade, para cumprir a expectativa gerada para o consumo, e a destruição dos mais variados ecossistemas de nosso planeta.
Ora, se é assim, então, podemos dizer que é o próprio mercado que se “auto regulamenta”? Portanto, é o próprio mercado que decidirá sobre nosso futuro?
Preocupados com os rumos tomados e na tentativa de “regulamentar” os ataques aos bens comuns por parte das indústrias e do mercado capitalista como um todo, foram criados diversos mecanismos, principalmente, voltados para o controle da poluição e das emissões de gases que contribuem com o chamado “efeito estufa”. A esses mecanismos, quando aplicados, passou-se a chamar de “sustentabilidade”. Ou seja, adotando tais mecanismos, o mercado capitalista poderá seguir avançando sobre os bens comuns. Na perspectiva de futuro, portanto, falamos apenas no futuro do próprio mercado capitalista, ainda que isso implique no extermínio de povos e comunidades, tão pouco existe qualquer preocupação com os seus territórios tradicionais.
Um marco para a regulamentação e definição de futuro para o mercado, foi a convenção do Protocolo de Quioto, em 1997, no Japão. A importância desta convenção está no estabelecimento de um mecanismo que visa o incentivo à diminuição da emissão de poluentes por meio dos créditos de carbono. Ou seja, para diminuírem a poluição que as próprias empresas geram, estas deveriam obter daí ainda mais lucros. Assim, a redução das emissões passa a ter valor econômico tanto para as empresas quanto para os países-sede destas empresas. Um mercado aparente de “ganha – ganha”.
A participação no mercado da diminuição de emissão de poluentes é possível, segundo o Protocolo, de duas formas: ou pelos próprios países, comprometidos com a redução, ou ainda pelas empresas e particulares. A característica, no entanto, é a mesma: a geração de créditos para o mercado. Uma vez emitidos, esses créditos seguirão sendo comercializados. Isso quer dizer que um mesmo crédito poderá beneficiar várias empresas ou ainda a mesma empresa várias vezes.
E quem definirá quando e como estes créditos serão negociados? O próprio mercado. E não nos esqueçamos que o consumo é a base do mercado. Sendo assim, esses créditos passam a ser uma espécie de salvo-conduto, uma licença para continuar poluindo. Ainda pior, sendo o mercado o próprio controlador e sendo os créditos comercializáveis nas bolsas de valores e futuro, os bens naturais comuns são, em última análise, a garantia – ou a “sustentabilidade” deste mercado futuro.
Por fim, não podemos olhar para este mercado atual como se ele se bastasse e fechasse em si mesmo. Não. Ele já está se dando em relação ao futuro. As destruições de hoje são, na verdade, os investimentos do futuro para estes países e empresas. Deste modo, só nos será possível fazer o enfrentamento futuro se o fizermos agora, no presente. Nossa ação no presente enfrentará e fará o contraponto no mercado futuro e, queira Deus, garantirá o futuro nosso e de nosso planeta.
*Lindomar Dias Padilha é coordenador da Regional Amazônia Ocidental do Cimi.