Em PE, moradores se dividem entre medo e esperança da transposição

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O município de Cabrobó, situado no Sertão de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco, é a porta de entrada das águas no Eixo Norte da Transposição. Esse canal segue até Cajazeiras (PB), de onde a água é distribuída para as bacias hidrográficas da região. Apesar de contar com o rio próximo, moradores de Cabrobó relatam que parte da zona rural está sendo abastecida apenas com carros-pipa, enquanto setores da cidade se revezam: algumas áreas recebem água e outras estão desabastecidas

João Suassuna – Rema Brasil

Iniciada em 2007, com previsão de conclusão do Eixo Leste em 2010 e do Eixo Norte em 2012, a Transposição só deve ser concluída no próximo ano, com um orçamento que saltou de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões, conforme o Ministério da Integração Nacional (MI). Os canais que saem do São Francisco, juntos, somam 477 quilômetros. Segundo o MI, já foram concluídos 67,5% do total da obra, que pretende levar água a cerca de 12 milhões de pessoas em quatro estados nordestinos (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte).

Moradora da zona rural, a agricultora Maria das Graças Novaes desistiu de plantar este ano. Sem água nas cacimbas, o carro-pipa abastece o sítio onde ela mora, na parte mais afastada do São Francisco. “Meu filho ainda tentou plantar, mas a safra foi muito pequena. A água que chega é só para a gente, para a roça está bem difícil”, lamenta.

A família, que tinha um rebanho de 70 bois e 80 ovelhas e bodes, perdeu a metade. “Eu cuido dos animais durante a semana e, no fim de semana, venho vender roupa aqui na feira. Com o dinheiro, dá para comprar a ração para os bichos, mas é muito cara”, explica a agricultora, que não sabe o que esperar da Transposição. “Ninguém sabe direito como vai ser, se vão deixar a gente pegar água”, complementa.

Morando a cerca de dez quilômetros do Rio São Francisco, o agricultor Gilson Gomes relata vida difícil “nas caatingas”. A primeira filha, Mariana, está para nascer e ele espera um futuro melhor para ela. “A gente vai vendendo os animais para viver, né? A gente coloca muita fé nesse canal, vai dar para tudo com a Transposição. Espero que minha filha não conheça a seca”, diz.

Trabalhando como gerente em um hotel, Elisângela Souza diz que, mesmo perto do rio, a situação de abastecimento não é das mais tranquilas. “A gente não tem água o dia todo. Quando tem em uma parte da cidade, não tem na outra. Na zona rural, só carro-pipa mesmo, não tem condições de plantar. Está péssimo”.

O eletricista Deusdete Gonçalves mora próximo do rio e não vê a hora das obras serem concluídas. “Tem gente que acha que vai secar o São Francisco, mas não tem como isso acontecer, não iam deixar. Esses canais vão ser ótimos, vai mudar a vida de muita gente desse Sertão todo”, acredita.

No entanto, o nível baixo do Rio São Francisco na cidade preocupa a muitos. O comerciante André Lima é defensor da Transposição, mas questiona se a seca enfrentada atualmente estava nos planos. “A Transposição tem que ser tratada com muito carinho. Cabrobó é uma cidade que está na beira do rio e falta água. Eu sou a favor da obra, mas tem que fazer de uma forma que não agrave a situação do rio”, pondera.

O comerciante acredita que se a questão de saneamento das cidades às margens do rio for resolvida, como prometido, e a chuva voltar a alimentar o rio desde sua foz, muitos dos temores tendem a ser aplacados. “Como sertanejo, eu vejo que o Sertão é uma maravilha. O que falta é água, e se a gente conseguir fazer essa distribuição de água, vai ser um céu”, afirma, lembrando que, atualmente, “a realidade do homem do campo, em Cabrobó, mesmo perto do rio, é cruel”.

Preocupação às margens do rio

O agricultor Gentil Batista mora desde 1955 na beira do Rio São Francisco, em Cabrobó. Da casa onde mora, consegue ver o leito do rio, que antes alcançava, praticamente, a cerca de sua casa. “Agora está mais afastado, muito baixo. O povo daqui vive da agricultura. Sem água, como vai ser?”, questiona, acrescentando que tem medo do rio secar.

Acostumado a navegar com uma canoa, o comerciante Pedro Martins conta que é preciso conhecer bem o curso-d’água para não ficar encalhado. “Depois que começaram com essa história de Transposição, está ficando difícil. Eu nasci e me criei andando de barco entre a Bahia e Cabrobó, mas o rio está cada dia mais raso”, reclama.

Especialista em convivência com o semiárido, o engenheiro agrônomo João Suassuna explica que a situação do rio em Cabrobó está ligada à baixa vazão liberada na barragem de Sobradinho, integrante do sistema da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).

Para ele, um pacto das águas, que deixe claro quanto da capacidade hídrica do Rio São Francisco vai para irrigação, abastecimento, indústrias e demais usos, é uma das saídas para que a Transposição não acabe por exaurir o rio. “O controle da torneira do rio não pode ficar na mão de órgãos que possam ter ingerência política. Quem vai demandar essa água é a necessidade do povo. Você acha que em uma seca exacerbada no Nordeste não vão tirar a água necessária e exaurir o rio? É tirar de um rio que já está debilitado hidricamente, cobrir um canto para descobrir o outro”, alerta.

O Ministério da Integração explicou por meio de nota que, quando estiver em pleno funcionamento, a vazão firme a ser bombeada para a Transposição vai ser de 26,4 m³/s, o que representa 1,4% da vazão média do rio. Vazões superiores a essas poderão ser configuradas somente se o reservatório de Sobradinho estiver vertendo em uma reservação superior a 1.850 m³/s, que é a vazão média do projeto.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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