Vitor Abdala – Repórter da Agência Brasil
Em 2002, São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do estado do Amazonas, tornou-se o primeiro município brasileiro a alçar línguas indígenas ao mesmo status do português. Uma lei municipal tornou o tukano, o baniwa e o nheengatu (derivado do tupi antigo e usado como língua franca na Amazônia durante décadas) línguas co-oficiais da cidade.
Segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira são falados 18 idiomas. A Foirn considera o Alto Rio Negro uma das regiões de maior diversidade étnica e linguística da Amazônia.
A lei municipal garante, entre outros pontos, que as repartições públicas tenham atendimento, oral e escrito, nas quatro línguas. Os documentos públicos e as campanhas institucionais da prefeitura também devem ter versões nos três idiomas indígenas.
O vice-prefeito, Domingos Camico Agudelos, diz, no entanto, que está sendo difícil implantar a lei, principalmente pela falta de pessoal capacitado para redigir os documentos públicos na três línguas e para atender às pessoas nas repartições públicas.
“Em algumas instituições até tem essas pessoas, mas é muito difícil manter três pessoas [em cada repartição] para falar as três línguas. Sempre temos pelo menos uma pessoa falando uma das línguas. Também temos um problema com relação a ter pessoal para elaborar ou traduzir documentos em nheengatu, baniwa e tukano para as pessoas. Isso ainda não avançou, mas temos o objetivo de fortalecer [essa política]”, diz Agudelos.
O vice-prefeito diz que o Instituto Federal do Amazonas (Ifam) está implantando um curso de graduação para professores de línguas indígenas em São Gabriel da Cachoeira e isso deve contribuir para formar quadros qualificados. Além disso, está em discussão a criação de uma regra unificada para a escrita desses idiomas.
Mesmo com as dificuldades, Agudelos acredita que a lei teve um efeito simbólico de valorizar as línguas indígenas e incentivar que as pessoas passem a usá-las no dia a dia, mesmo na área urbana do município.
“Hoje quando você chega a São Gabriel da Cachoeira, você pode verificar que todos os indígenas aqui na cidade falam sua língua. Há 15, 20 anos, isso era impossível, porque as pessoas tinham vergonha de falar sua língua materna e preferiam falar o português. Hoje, não. Se você passar 15 minutos andando nas ruas, você vai ouvir quase todas as línguas faladas aqui no município”, diz.
Recentemente, outros municípios seguiram o exemplo. Em 2010, o município de Tacuru (MS) adotou o guarani como língua co-oficial. Em 2012, foi a vez do município de Tocantínia (TO) tornar co-oficial a língua xerente.
O prefeito de Tocantínia, Muniz Araújo, diz que o município ainda está se preparando para colocar em prática a lei aprovada há dois anos. Segundo ele, a rede municipal de ensino planeja oferecer o ensino de xerente para todas as crianças do município, mesmo para os não indígenas.
“Ainda não foi decidido [a duração do curso de xerente nas escolas], mas será o necessário para que as crianças aprendam pelo menos o básico”, diz o prefeito. Segundo ele, os xerentes representam cerca de 40% da população do município de 7 mil habitantes. “[A lei] é uma forma de preservar e fomentar o uso da língua.”