Vitor Abdala – Repórter da Agência Brasil
Em uma área de proteção ambiental, localizada a pouco mais de 50 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, um grupo de cerca de 60 pessoas mantém uma tradição milenar. Nesse lugar, em meio a casas de barro com teto de sapê e construções simples de madeira, o português quase nunca é ouvido.
A Aldeia Mata Verde Bonita, construída no início de 2013, no município de Maricá, abriga cerca de 20 famílias da etnia Guarani Mbyá, originárias de Paraty, no sul fluminense. No local, a língua franca é a variedade mbyá do guarani, um idioma indígena do tronco tupi-guarani, falado por milhares de indígenas (e até não indígenas) no Sul e no Centro-Oeste do Brasil e em países vizinhos, como a Bolívia e o Paraguai.
Das coisas mais simples, como pedir um objeto, às mais elaboradas, como a prática de rituais e festas, tudo é feito por meio do guarani. “A gente só usa o português para fazer contato com o que a gente chama, na linguagem indígena, de juruá ou homens brancos. Usar o guarani é uma maneira que a gente achou de reforçar nossa raiz”, afirma Darcy Tupã, uma das lideranças da aldeia.
Outra liderança da aldeia, Miguel Veramirim, diz que a primeira língua aprendida pelas crianças é o guarani. Apenas quando elas têm 5 anos ou 6 anos, elas começam a aprender o português, seja por causa da televisão seja pelo contato com visitantes.
“A gente está muito perto da cidade. Se a gente estivesse na Amazônia, seria mais fácil [evitar o contato com o português]. Mas aqui perto da cidade, a gente tem que lidar com outra língua. Para quem mora perto da cidade, é importante saber falar a outra língua [o português] também. Mas ao mesmo tempo, é aí que mora o perigo de perder nossa língua”, diz Veramirim, que também aprendeu a língua portuguesa por meio da televisão e do convívio com os juruás.
Além disso, segundo Veramirim, há palavras da língua portuguesa que tiveram que ser incorporadas ao léxico guarani porque não há correspondentes na língua indígena, como geladeira, papel, caneta e banheiro. “A gente tem que usar a língua portuguesa para se referir a palavras como ‘banheiro’. Não adianta a gente inventar uma palavra, porque não existe. A gente não tinha essas coisas antigamente. Para artesanato, por exemplo, eu posso usar ajaka, na nossa própria língua, porque isso já existia [na nossa cultura]”, diz.
Por enquanto, as crianças não frequentam a escola. A ideia dos guaranis é trazer uma escola para dentro da aldeia, mas a unidade terá que ser diferente das demais unidades da rede pública, para se adequar às demandas da comunidade.
Para Tupã, a maior ameaça para a perda da língua e da identidade indígena como um todo é a perda da terra. “O grupo tem que estar estruturado em um lugar onde ele possa ter oportunidade e tranquilidade de preservar e praticar nossa cultura. Se a comunidade indígena não tiver uma área adequada, uma área saudável, acredito que ela não terá essa oportunidade de sempre usar sua língua materna, sua cultura e seus rituais”, diz.
Edição: Lílian Beraldo.