Por Federico Larsen* – MST
Começou em Lima a XX Conferência das Partes (COP20) sobre mudanças climáticas promovida pela Organização das Nações Unidas para acordar novos padrões globais de redução dos efeitos da atividade humana sobre o clima.
Mais de 10 mil delegados de 195 países estão discutindo as mudanças a serem feitas na Convenção Marco das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, aprovada em 1994 (e legalmente veiculada desde 1997, com a incorporação do Protocolo de Kyoto), mas nunca respeitada pelas grandes potências industriais.
Espera-se que a Cop21, a ser realizada em Paris em 2015, marque uma nova etapa global sobre o tema. No entanto, em paralelo à Cúpula Oficial, movimentos sociais populares de todo o planeta deram vida a partir de 9 de dezembro à Cúpula dos Povos, para a qual se esperam mais de 8 mil participantes e mais de 200 organizações de todo o mundo, num espaço de discussão e ação que pretende fazer valer suas reivindicações nos debates dos delegados da COP 20 em Lima.
E, de fato, os interesses dos Estados e empresas e os dos camponeses, movimentos indígenas e populares parecem correr em trilhas separadas por vários anos. Com algumas exceções, como a Venezuela, sede da PRECOP Social, aonde os movimentos chegaram ao acordo sobre o documento que será levado pelos delegados da Venezuela para a cúpula, os modelos de desenvolvimento em disputa parecem irremediavelmente distantes.
Enquanto as delegações oficiais parecem querer aprofundar as abordagens do “capitalismo verde” ou o “clima de agricultura inteligente”, os movimentos sociais apontam o fortalecimento da agricultura familiar e da proteção dos direitos dos agricultores para moldar um novo modelo de desenvolvimento humano.
O enfoque está posto sobre a produção alimentar. De acordo com a FAO, a indústria agrícola é responsável por uma média de 70 a 90% do desmatamento global, o que a torna fonte de cerca de 15 a 18% das emissões de gases do efeito estufa.
Se a isso acrescentarmos o uso de pesticidas, processos de manufatura, transporte e armazenamento, esse número aumenta entre 44 % e 57% de todas as emissões de gases de efeito estufa.
Esse sistema, por sua vez, é baseado em uma estrutura economica e politicamente injusta. As próprias Nações Unidas garantiram que mais de 60% da alimentação global é produzida por agricultores em pequenas propriedades.
90% de todas as fazendas do mundo têm em média 2,2 hectares, ou seja, ainda ocupam menos de um quarto das terras aráveis no mundo. O fenômeno da concentração de terra torna-se ainda mais visível na América Latina e região da Ásia -Pacífico.
Em nosso continente, a agricultura familiar, camponesa e indígena representa mais de 80% das produções existentes, mas ocupa apenas 17% das terras agrícolas. Um dos casos mais graves é o do Paraguai, onde 2,6% da população detém mais de 80% das terras aráveis e da Colômbia, onde os pequenos agricultores perderam cerca de metade de suas terras no último 30 anos.
Um processo que move todo o continente e tem um impacto direto na forma de produção de alimentos é o avanço da desnacionalização e monocultura, que dobrou no nosso continente nos últimos 20 anos.
O modelo de produção extensiva e a biotecnológica estão gerando um impacto crescente sobre a relação entre o homem e a natureza, relegando setores sociais mais humildes.
De acordo com um estudo realizado pelo Projeto Munden, 93% das empresas agrícolas, mineradores e madeireiras ocupam terras habitadas por povos indígenas e comunidades locais. Isto levou, especialmente na última década, a uma série de conflitos sociais, resolvidos em muitos casos com desaparecimento, ameaças e assassinatos de camponeses e líderes indígenas.
Enquanto pesquisas oficiais se tornam cada vez mais escassas, podemos dizer, com base em dados de organizações sociais de todo o mundo, que mais de 900 ativistas foram mortos entre 2002 e 2013 por conflitos pela posse da terra ou projetos de mineração.
Essa lista macabra é dominada por países da América Latina como Brasil, Peru, Paraguai, México, Colômbia e Honduras.
A concentração da terra e o assédio das comunidades camponesas são, então, dois dos pilares que os movimentos sociais na América Latina pretendem colocar sobre a mesa em Lima durante a Cúpula dos Povos.
Ambos os fenômenos têm crescido exponencialmente nos últimos 10 anos em nosso continente, e a razão, como indicado, é a imposição do capital na maioria dos países de modelo de exportação agro-mineral com base na produção de mercadorias. Assim, as leis locais devem adequar-se.
Em todo o continente foram aprovados ou estão prestes a serem aprovados novas leis de sementes, como na Argentina. O impacto destas sementes sobre a pequena produção tem sido, como relatado por diversas organizações sociais, nefastos.
Em nosso continente, 87% do mercado de sementes são patenteadas. 77% correspondem a dez empresas, e metade delas são de três empresas: Monsanto, Dupont e Syngenta, que, por sua vez, monopoliza o mercado de agrotóxicos, pesticidas e inoculantes.
É por isso que em Lima movimentos populares também carregam a bandeira da soberania alimentar, como uma contrapartida do modelo agroexportador a ser instalado no continente.
Fica claro, então, que a discussão sobre as alterações climáticas que ocorrem na COP20 devem aprofundar suas raízes nos maus caminhos da produção que estabeleceram diferentes modelos de desenvolvimento em todo o mundo, e especialmente, em nosso continente.
Para citar um dos slogans da Cúpula dos Povos, é preciso mudar o sistema, não o clima.
*Jornalista e professor, responsável pelo L’Ombelico del Mondo, na Radionauta FM de La Plata e jornalista internacional de Miradas al Sur y Notas. Tradução: Maura Silva