Os casos de estupro, abuso, racismo e discriminação ocorridos dentro das universidades paulistas, especialmente na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), não são episódios recentes e isolados e refletem a violência da própria sociedade brasileira, analisa Heloisa Buarque de Almeida, professora de antropologia na USP e coordenadora do programa USP Diversidade, grupo que desenvolve ações que estimulam a promoção e o respeito aos direitos humanos.
“O que está acontecendo é que, antigamente, quando isso acontecia, as meninas tinham vergonha [de denunciar], se sentiam culpadas. E agora temos uma mudança, principalmente com o crescimento dos grupos feministas dentro da universidade, de perceber que ela não teve culpa. O culpado foi quem abusou. Essa violência também está aparecendo por causa disso: provavelmente já acontecia antes, mas agora há um movimento que permite denunciar mais”, disse a especialista em entrevista à Agência Brasil.
Para ela, é preciso incluir disciplinas relacionadas às áreas de humanas e de direitos humanos nas grades curriculares. “A universidade tem o papel de tentar fazer políticas ou ações para mudar isso. Mudar, em alguns casos, significa também punir os agressores e criar políticas de prevenção.”
De acordo com ela, é importante que as pessoas continuem denunciando as violações para forçar a sociedade a lidar com o problema. “A universidade não é polícia ou sistema judiciário e não pode prender ou julgar pessoas. Mas ela pode, sim, fazer uma comissão sindicante, apurar os fatos e punir administrativamente. E, no caso dos alunos agressores, eles podem ser expulsos da universidade. Fora isso, é importante que as pessoas tentem denunciar também nas delegacias”, disse. Heloísa também aponta que as faculdades precisam criar canais de denúncia e de acolhimento médico, psicológico e jurídico para o atendimento das vítimas.
Os casos de violações estão sendo apurados por uma comissão formada por docentes, alunos e funcionários criada dentro da Faculdade de Medicina da USP.
O caso também está sendo acompanhado pelo Ministério Público. A promotora Paula de Figueiredo Silva, que instaurou um inquérito civil para investigar as denúncias, disse que quatro vítimas já deram relatos de estupro na Faculdade de Medicina da USP, mas acredita que esse número possa crescer. A promotora explicou que o objetivo do inquérito civil que apura diversos tipos de violência ocorridos na faculdade é tentar desenvolver mecanismos “de alteração daquele ambiente”, por meio de acordos. “Se não houver resposta efetiva das partes envolvidas, aí, sim, iremos ao Judiciário”, disse a promotora.
A Assembleia Legislativa de São Paulo também instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de violência dentro das universidades públicas. A expectativa é que os trabalhos dessa comissão tenham início já na próxima semana.
Edição: Lílian Beraldo.