Lideranças Matsés voltam a repudiar exploração de petróleo de seu território

reuniao_binacioanlA petroleira Pacific Rubiales já iniciou atividades nos lotes 135, situado no Peru e sobreposto ao território Matsés e de povos indígenas isolados. O povo Matsés repudia veemente a presença petroleira e pede que o Estado peruano seja denunciado a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Centro de Trabalho Indigenista

Durante a V Reunião Binacional Matsés Brasil – Peru, entre os dias 8 e 10 de novembro, as lideranças Matsés reunidas voltaram a repudiar a atividade petroleira no território Matsés e de povos isolados que habitam a região do rio Jaquirana, na fronteira entre Brasil – Peru. A reunião ocorreu na aldeia peruana Santa Rosa, rio Chobayacu e, além das organizações indígenas Matsés, contou com a presença de representantes governamentais e não-governamentais do Brasil e do Peru.

Organizada pela Comunidad Nativa Matsés (CNM) e pela Organização Geral Mayuruna (OGM), com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e da Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente (ORPIO/AIDESEP), a reunião consolida uma série de encontros periódicos realizados anualmente para fortalecer os vínculos entre o povo Matsés, que vive nos dois lados da fronteira, e as alianças estratégicas com parceiros para a proteção do território tradicional Matsés.

“Nós somos o povo Matsés, não estamos separados por países. Não estamos vivendo nem no Brasil nem no Peru, estamos vivendo na nossa terra”, reforça Raimundo Mëan Mayuruna, liderança da aldeia Soles e presidente da OGM.

O território ancestral do povo Matsés é reconhecido administrativamente pela Terra Indígena (TI) Vale do Javari no lado brasileiro e pela Comunidad Nativa Matsés no lado peruano da fronteira. É também considerado território ancestral Matsés a área protegida pela Reserva Nacional Matsés e pela porção oriental da Zona Reservada Sierra del Divisor, ambas no lado peruano.

O principal tema tratado nas reuniões tem sido a exploração petroleira sobre o território do povo Matsés e de povos indígenas isolados que habitam a região do rio Jaquirana (Veja Nota técnica sobre a presença de índios isolados na região do alto rio Jaquirana) Os Matsés entendem que os impactos trazidos por este tipo de exploração afetam a integridade territorial e o bem-estar de seu povo e dos povos indígenas isolados nos dois lados da fronteira.

 “Nós já nos decidimos, não queremos a presença das petroleiras em nosso território. Devemos seguir lutando pelos nossos filhos e pela nossa terra. E não importa se morremos lutando”, diz com firmeza Cesar Nacuá Uaqui, liderança da aldeia Buenas Lomas Nueva.

No lado brasileiro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fomenta a exploração de hidrocarbonetos em região próxima ao limite sul da TI Vale do Javari. A ANP concessionou o lote AC-T-8 à Petrobrás, em meio a uma série de irregularidades administrativas e legais e sem o consentimento prévio dos povos indígenas da região (Veja “Agência Nacional de Petróleo despreza normas, procedimentos e direitos estabelecidos”) .

Já no lado peruano, dois lotes concedidos pelo governo do Peru à empresa petroleira Pacific Rubiales (lotes 135 e 137) se sobrepõem ao território ancestral Matsés e ao território de povos indígenas isolados.

A Pacific Rubiales realizou atividades sísmicas no lote 135 e o processo de reconhecimento oficial do território de povos isolados que habitam a região, através do estabelecimento da Reserva Indígena Tapiche-Blanco-Yaquerana e da Yavarí-Mirim, encontra-se paralisado. Os Matsés pressionam o governo peruano pelo reconhecimento destes territórios para evitar que a atividade petroleira e madeireira afete a biodiversidade local e os povos indígenas da região (Carta das organizações indígenas para o Ministério da Cultura Peruano).

Além da temática do petróleo, a reunião abordou questões referentes à proteção e monitoramento territorial e ao atendimento à saúde. Os Matsés pedem aos órgãos responsáveis dos dois países ações coordenadas de fiscalização do rio Jaquirana, bem como apoio no monitoramento de todo seu território.

As principais propostas e demandas relacionadas a estes temas foram reunidas em um documento final (Veja aqui) dirigido às autoridades de ambos os países.

DOCUMENTO FINAL DA V REUNIÃO BINACIONAL MATSÉS PERÚ-BRASIL

Os dirigentes e representantes do Povo Matsés, organizações governamentais e da sociedade civil do Peru e do Brasil presentes na V Reunião Binacional Matsés Peru-Brasil, realizada no Anexo Santa Rosa da Comunidade Nativa Matsés, localizada no igarapé Chobayacu, distrito de Yaquerana, Peru, durante os dias 8 a 10 de novembro de 2014, tornam público o seguinte pronunciamento em relação aos principais temas tratados nesta reunião, que afetam a integridade territorial e o bem estar do povo Matsés e dos indígenas em isolamento voluntário em ambos os lados da fronteira:

HIDROCARBONETOS

I. O povo Matsés reafirma a decisão de rechaçar qualquer atividade petroleira e todo tipo de mineração dentro de seu território em ambos países que compreende toda a bacia hidrográfica do rio Jaquirana, incluindo a Reserva Nacional Matsés e as propostas de Reserva Territorial Tapiche Blanco-Yaquerana e Yavarí-Mirim, que buscam garantir a integridade física, sociocultural, organizativa e territorial dos povos indígenas em isolamento voluntário, e são parte do território ancestral do povo Matsés. A esse respeito, os antecedentes de grave contaminação ambiental e social perpetrados pela atividade petroleira, a escassa vontade de remediar os danos ambientais e a persistência do uso de práticas que contaminam reforçaram a decisão unânime deste povo. Assim, exigimos que as autoridades dos governos locais, regionais e nacionais dos dois países respeitem nossa decisão.

II. Solicitamos o apoio das organizações indígenas, colaboradores, meios de comunicação, acadêmicos e outros membros da sociedade civil peruana, brasileira e internacional para difundir em seus respectivos países a decisão do povo Matsés de rechaço total a qualquer forma de atuação das empresas que têm contratos de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos nos lotes 135 e 137 concedidos pelo governo do Peru.

III. Perante o fato do Povo Matsés não haver sido consultado previamente, de acordo com o Convênio 169 da OIT, com relação às atividades de empresas do setor de hidrocarbonetos nos lotes 135 e 137 no Peru, será levado adiante um processo internacional contra os entes responsáveis perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com o apoio da organização indígena AIDESEP.

IV. O povo Matsés não aceita nenhuma reunião com pessoas individuais que promovam atividades relacionadas com hidrocarbonetos na zona em questão e pede que se respeite os acordos definidos nesta reunião Binacional.

V. Perante a solicitação de reunião feita pela Perupetro ao povo Matsés para tratar da pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, se aceita a solicitação para apresentarmos diretamente a decisão do povo Matsés. O povo Matsés pede a presença nesta reunião de meios de comunicação e outros atores da sociedade civil.

VI. O povo Matsés reafirma a presença de indígenas em isolamento voluntário na região do alto Javari e Jaquirana, sobretudo nos lotes petroleiros 135 e 137, baseado nos recentes estudos realizados pela AIDESEP (Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana) e pela FUNAI (Fundação Nacional do índio), e exige que o Viceministerio de Interculturalidad do Peru reconheça oficialmente a Reserva Territorial Tapiche Blanco- Yaquerana e a Reserva Territorial Yavarí-Mirim.

VII. Com a evidência da presença de povos em isolamento voluntário nos lotes 135 e 137, exigimos a imediata interrupção de toda atividade petroleira nestas áreas, por ser uma ameaça que torna vulnerável esse território e por conseguinte a vida dos povos indígenas em isolamento voluntário.

VIII. Demandamos que se divulgue os estudos sobre a localização de indígenas em isolamento voluntário realizados por AIDESEP e FUNAI para as instituições privadas e estatais competentes a respeito deste tema, de ambos os países.

CONTROLE TERRITORIAL (VIGILÂNCIA E MONITORAMENTO)

IX. Exigimos que a Marinha de Guerra do Peru, o Exército Brasileiro, a Polícia Federal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o Governo Regional de Loreto e o Serviço Nacional de Áreas Naturales Protegidas – SERNANP, no âmbito de sua respectiva competência, e inclusive de maneira coordenada, realizem ações de fiscalização e monitoramento do rio Jaquirana.

X. O povo Matsés reafirma o pedido de apoio aos órgãos governamentais de ambos os países para a realização de ações de vigilância e monitoramento de seu território com o acompanhamento da Comunidade Nativa Matsés e da Organização Geral Mayoruna (OGM).

SAÚDE

XI. O povo Matsés reafirma o quadro inaceitável de saúde de suas comunidades, com a incidência de diversas endemias e outras doenças (hepatite, malária, filariose, tuberculose, entre outras), que continua provocando mortes e complicações de saúde.

XII. Para garantir a saúde do povo Matsés exigimos a capacitação de promotores de saúde e agentes de saúde indígenas para oferecerem uma atenção continuada e apropriada ao povo Matsés.

XIII. Reiteramos a urgente necessidade de se realizar uma reunião entre os órgãos e instituições do Peru e Brasil que atuam na bacia do rio Javari para definir uma estratégia de ação conjunta e integrada, com o objetivo de enfrentar a problemática do setor de saúde que afeta o povo Matsés.

IDENTIDADE

XIV. 0 povo Matsés exige que a REIMIEC (Registro Nacional de Identificación y Estado Civil) do Peru realize o registro dos nomes de seus filhos de acordo com o costume Matsés, por tratar-se de um direito à identidade e ao nome próprio.

XV. Solicitamos que a AIDESEP, ORPIO, CEDIA e outras organizações promovam ações orientadas para resolver o problema gerado pelo RENIEC que afeta nossa identidade e consequentemente prejudica o exercício de direitos fundamentais como educação e saúde pública.

Comunidade Nativa Matsés – Anexo Santa Rosa, novembro de 2014.

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