Ato será na próxima segunda-feira, na Esplanada. O intuito é denunciar e exigir do Poder Público punição adequada aos crimes raciais
Luiz Calcagno – Correio Braziliense
Dificuldades para dormir, tristeza, medo de ser agredida e sensação de impunidade. Esses foram os traumas experimentados pela produtora de eventos Claudenice Nascimento Chagas, 30 anos, após sofrer ofensas racistas em uma boate de Águas Claras. O acusado da agressão, o professor universitário Rones Borges, 33, foi autuado em flagrante por injúria racial, mas liberado em seguida, após pagar fiança de R$ 1 mil. Quatro dias após o crime, a vítima se divide entre a necessidade de falar sobre o caso, para pedir a punição ao agressor, e a dor de reviver o momento cada vez que se lembra do rosto de Rones perguntando se ela “já se olhou no espelho” e chamando-a de “macaca” repetidas vezes.
A violência ocorreu no último domingo. Claudenice estava com a amiga e modelo Tanjara Santos Lima, 27 anos, e um policial militar. O suspeito abordou Tanjara, pediu o telefone dela e disse que a conhecia da internet. Ela não passou os contatos. O professor perguntou se poderia ficar perto dela. A produtora disse que o local era público. Inconformado com a negativa, ele encarou a promotora de eventos, que, incomodada, trocou de lugar com a amiga. Daí, o homem passou a ofendê-la, xingando-a de feia. Disse que a promotora parecia uma “macaca” e que não deveria frequentar lugares como aquele.
Claudenice ficou sem reação e começou a chorar. O policial militar, que não estava a serviço, abordou o acusado, chamou o segurança. O grupo e Rones foram para a 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul). “Eu me senti muito humilhada. Eu não tenho paz, não consigo dormir e me sinto mal a todo momento. Não consigo sequer me olhar no espelho. Estou à base de remédios”, desabafou Claudenice. Mesmo assim, a produtora de eventos quer fazer um protesto na Esplanada dos Ministérios na próxima segunda-feira.
Segundo ela, apesar de todo o mal-estar, somente as denúncias podem cessar esse tipo de agressão. “Ele me agrediu. Doeu como um tapa. Marcou demais”, recordou. Tanjara compartilha a revolta com a amiga. “Agora, temos que mostrar que pessoas como ele não têm espaço em uma sociedade igualitária. Nem todo o estudo do mundo adianta para alguém que age como ele.”
Debate racial
Segundo o professor do Instituto de Artes e membro do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília Nelson Inocêncio, a sensação de impunidade de Claudenice tem fundamento. Segundo ele, é comum que “delegados” menosprezem a agressão imputando ao autor o crime de injúria racial, em vez de racismo. “O racismo é pior. É inafiançável. Quando esse tipo de discriminação acontece, é evidente que existe uma postura antipática ao grupo. É preciso orientar os profissionais da área de segurança. A maneira correta não é minimizar o dano, mas punir da maneira adequada”, afirma o professor.
Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do DF, Indira Quaresma, agressões como as proferidas por Rones se repetem porque o autor do crime “geralmente conta com a impunidade”. “Eles acham que a vítima não fará boletim de ocorrência.”
O secretário executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, Giovanni Harvey, concorda com Nelson Inocêncio. “Há a dificuldade para as autoridades policiais de tipificar a conduta racista. Felizmente, o Ministério Público do DF e Territórios é atuante. Imagino que, com o processo, o MP consiga definir se o professor será punido por racismo ou injúria”, argumentou.
A reportagem não conseguiu contato com Rones Borges. O Instituto Federal de Brasília (IFB), onde o agressor leciona, informou, por meio de nota, que o professor não será punido pela instituição, pois o episódio ocorreu fora do instituto.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.