Muitas das mortes cometidas por agentes do Estados durante o serviço, como policiais, são registradas como “autos de resistência” ou mesmo “resistência seguida de morte” e, por conta disso, raramente são investigadas. Ou seja, execuções sumárias, de envolvidos em crimes e inocentes, têm passado à história dessa forma e permanecem impunes. Essa medida, hoje amparada em alguns dispositivos legais, foi criada na época da ditadura militar e segue sendo usada.
Organizações e movimentos sociais, além de partidos políticos, estão pressionando para que a Câmara dos Deputados vote, na próxima quarta (10), o projeto de lei de autoria de Paulo Teixeira (PT-SP), Fábio Trad (PMDB-MS), Protógenes Queiroz (PC do B-SP) e Miro Teixeira (PDT-RJ) que altera o Código de Processo Penal. O PL 4471/2012 estabelece procedimentos para a perícia e investigação obrigatória das mortes e lesões cometidas por agentes do Estado, como policiais, durante o serviço.
De acordo com resolução do então Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, esses termos devem ser abolidos e, no seu lugar, deveriam ser usados “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte decorrente de intervenção policial”.
Acertar um tiro na nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita “precisão” do policial. E depois registrar uma execução como auto de resistência demanda muita cara-de-pau. A quem interessa manter esse tipo de produção literária ficcional no Brasil?
Para Severine Macedo, secretária nacional de Juventude, ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República, “interessa àqueles que não defendem os direitos humanos, àqueles que não reconhecem o racismo que expõe mais os jovens negros e pobres à violência, àqueles que identificam pobres e negros da periferia como bandidos em potencial e interessa também aos policiais em desvio de função”.
O PL não é uma iniciativa contra a polícia, pelo contrário: fortalece os princípios básicos da missão da instituição, que são os de garantir a segurança e a proteção da população em vez de eleger inimigos e exterminá-los a sangue frio.
A Defensoria Pública de São Paulo enviou parecer ao Congresso Nacional apoiando o projeto, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais publicou um editorial defendendo-o e o site da Câmara colocou uma enquete no ar para ver a opinião a população.
Conversei sobre projetos com amigos jornalistas nesta quarta. Alguns acharam uma grande bobagem. Disseram que nunca foram parados em uma blitz policial. Os que responderam dessa forma eram todos são brancos, caucasianos, bem vestidos, jeito de bom moço ou moça, com todos os dentes ou próteses bem feitas, que possuem veículos que estão nos comerciais bonitos de TV.
Recentemente, um róseo conhecido foi parado em uma batida. Ficou transtornado. “Como se atrevem? Acham que sou um qualquer?”
Por outro lado, há amigos que se cansaram de cair na malha fina da polícia. Quase sempre, negros ou pardos. Estão um tanto quanto cansados, então resignaram-se no varejo, mantendo a indignação presente no atacado.
Balas insistem em encontrar e derrubar jovens negros e pobres nas periferias das grandes cidades. Parte dessas mortes é registrada como auto de resistência. A conclusão a partir disso é só uma: as balas no Brasil são racistas.
Mais de 20 mil jovens são assassinados por ano no Brasil e mais da metade dos homicídios de forma geral atingem jovens, dos quais mais de 70% negros e mais de 90% homens. “Seria como se caíssem oito aviões todos os meses no país lotados de jovens, em sua maioria negros”, afirma Severine Macedo.
Mas como são negros e pobres da periferia, tá valendo.