Tribunal reformou decisão que reconhecia prescrição do crime de ocultação de cadáver cometido em 1972 contra Hirohaki Torigoe e recebeu a denúncia ajuizada pelo MPF, determinando que ação seja julgada pela primeira instância
O Tribunal Regional Federal (TRF3) determinou que a ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e contra o delegado Alcides Singillo pelo crime de ocultação de cadáver do então estudante de medicina Hirohaki Torigoe seja recebida e julgada pela Justiça Federal em São Paulo. A decisão do Tribunal foi tomada nessa segunda-feira, 1º de dezembro, e, por maioria dos votos, os desembargadores da 5ª Turma reformaram sentença da primeira instância que rejeitara a denúncia sob a alegação de que o crime, iniciado em 5 de janeiro de 1972, estava prescrito.
Em parecer do MPF sobre o caso, a procuradora regional da República Rose Santa Rosa asseverava que o crime de ocultação de cadáver é crime permanente e contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritível. Além disso, destacava que a Lei de Anistia não poderia beneficiar agentes do Estado que cometeram crimes que envolvem graves violações aos direitos humanos, lembrando que o Brasil é signatário de tratados internacionais que impõem a apuração e punição a crimes como os cometidos na vigência da ditadura militar. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por mais de uma vez, cobrou a adoção de medidas do Estado brasileiro para a resolução de tais crimes e condenou o País, em 2010, a não mais invocar os efeitos da Lei da Anistia para impedir a apuração e responsabilização de agentes que cometeram crimes que implicaram em graves violações de direitos humanos (caso Gomes Lund – Guerrilha do Araguaia).
Esses foram alguns dos argumentos contidos no parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3) e defendidos pelo procurador regional da República Osvaldo Capelari Junior, em sustentação oral, na sessão do TRF3 e expressos pelo desembargador Paulo Fontes em seu voto. O magistrado abriu divergência após voto do relator do caso, que mantinha o entendimento de primeira instância de já ter ocorrido a prescrição. O desembargador também trouxe para seu voto como outros países, em especial os integrantes da Corte Europeia, tratam historicamente o tema. Seu voto divergente foi seguido pelo outro integrante da 5ª Turma do TRF3, prevalecendo assim a determinação para que a ação do MPF seja recebida e julgada pela 5ª Vara Criminal de São Paulo.
Entenda o caso – Comandante operacional do Doi-Codi-II e delegado lotado no Deops na data dos fatos, respectivamente, Ustra e Singillo eram responsáveis pelas equipes que capturaram, torturaram e assassinaram o estudante e integrante da organização de esquerda Movimento de Libertação Popular Hirohaki Torigoe em 5 de janeiro de 1972. A denúncia contra os dois foi oferecida pelo MPF em abril de 2013 e inicialmente recebida pela juíza federal Adriana Freisleben de Zanetti, titular da 5ª Vara Criminal de São Paulo, em maio do mesmo ano. No entanto, em janeiro de 2014, o juiz substituto Fernando Américo de Figueiredo Porto declarou extinta a punibilidade de Ustra e Singillo, sob a justificativa de que o crime de ocultação de cadáver seria instantâneo e de efeitos permanentes, e não crime permanente, como sustentava o MPF. Na prática a decisão do magistrado implicaria na impossibilidade de responsabilização dos réus pelo crime. O julgamento de ontem refere-se ao recurso do MPF contra a extinção do processo.
Processo nº 0004823-25.2013.403.6181