Tadeu Breda
Otimismo é o sentimento que Ivonne Baki irá transmitir a todo jornalista, empresário ou governante que a procure para conversar sobre a Iniciativa Yasuní-ITT. Equatoriana com raízes libanesas e vários idiomas na ponta da língua, Ivonne foi nomeada pelo presidente Rafael Correa em 2010 para conduzir as negociações de uma das principais bandeiras ambientais do país – e, até agora, a única esperança de manter intocada uma porção de floresta amazônica com incalculável riqueza natural e cultural.
A Iniciativa Yasuní-ITT foi apresentada ao mundo pela primeira vez em 2007. Na época, porém, era apenas uma ideia. Recém-empossado, Rafael Correa resolveu atender ao apelo de ecologistas, indígenas e movimentos sociais, e se comprometeu a não explorar o petróleo encontrado numa região específica da Amazônia equatoriana: um território localizado dentro do Parque Nacional Yasuní, cruzado pelos rios Ishpingo, Tambococha e Tiputini, cujas iniciais formam a sigla ITT – por isso, Yasuní-ITT.
A proposta é simples. Segundo cálculos da estatal Petroecuador, existem aproximadamente 850 milhões de barris de petróleo sob esse rincão selvático considerado patrimônio da biosfera pela Unesco. Se fosse extrai-lo e vendê-lo, o governo arrecadaria, com as cotações da época, cerca de US$ 7,2 bilhões. “Agora é muito mais, porque o preço do petróleo está mais alto”, ressalva Ivonne Baki. Mas a proposta continua a mesma: basta que a comunidade internacional destine ao Equador metade desse valor – ou seja, US$ 3,6 bilhões – e fica tudo como está: as árvores em pé, plantas e animais vivos e duas tribos, os tagaeri e taromenanis, em isolamento voluntário.
O Equador deu um prazo de 13 anos para que os recursos pinguem na conta conjunta que abriu em 2011 com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), cuja participação deve garantir que o dinheiro, se vier, será bem aplicado pelo governo. Aqui entra Ivonne Baki. Artista plástica que já foi embaixadora em Washington, ocupou uma cadeira no Parlamento Andino e exerceu as funções de ministra de Indústria e Comércio Exterior em diferentes governos equatorianos, esta elegante senhora tem a complicada missão de arrecadar os fundos que evitarão uma tragédia ecológica anunciada.
A combinação entre petróleo e floresta no Equador remete automaticamente à tragédia provocada pela Texaco no noroeste do país. Algumas ONGs, como a Oxfam, classificam como “maior catástrofe ambiental do século 20” os cerca de 30 anos – entre 1965 e 1992 – em que a empresa norte-americana escavou, desmatou e derramou um arco-íris de elementos tóxicos neste pedaço da Amazônia equatoriana. Hoje os cursos d’água da região não são potáveis, os índices de desenvolvimento humano se arrastam pelo chão e as taxas de câncer são as mais altas do país.
Para evitar que algo semelhante se repita, desta vez num paraíso natural, Ivonne corre contra o tempo, as vontades e as distâncias. Está em permanente viagem pelo mundo para apresentar a iniciativa e dialogar com empresários e governos. Recentemente participou da Rio+20 e depois fez um tour pela Europa que incluiu Genebra, Nações Unidas, Fórum Econômico Mundial… Foi uma casualidade encontrá-la nos escritórios do Yasuní-ITT em Quito, capital do Equador, onde trabalha lado a lado com jornalistas, publicitários, advogados, biólogos.
A equipe se dedica a tempo integral para ajudá-la a bater as metas estabelecidas pelo presidente Rafael Correa, que não está disposto em pagar sozinho o preço da preservação ambiental. Se a iniciativa não arrecadar US$ 290 milhões por ano até o final de 2013, adiós. “Já temos mais de 120 milhões”, revela a negociadora chefe, sem precisar os números, mas contabilizando de antemão apoios que devem chegar muito em breve, principalmente do Catar e do Líbano. Também se esperam colaborações da Valônia, uma região ao sul da Bélgica, e Luxemburgo, além de algumas empresas transnacionais, como a Nestlé.
Mas o relógio é apenas um dos inimigos de Ivonne, talvez o mais fácil de ser batido. “A crise econômica está atrapalhando bastante”, reconhece. Antes de ser lançada oficialmente, em 2011, já com o respaldo do Pnud, a Iniciativa Yasuní-ITT havia causado muito boa impressão nos governos europeus. Então, presidentes, reis e premiês sinalizaram com quantiosas somas de dinheiro. Mas veio a recessão e botou água no feijão. “Não podemos pedir que um país cheio de problemas financeiros nos dê dinheiro”, lamenta, enumerando que a Espanha, por exemplo, havia prometido seis milhões de euros, mas até agora contribuiu com apenas um milhão. A França também atrasou.
Se a crise econômica empata o avanço da iniciativa, outra crise também pesa no cálculo dos possíveis doadores. “Os problemas políticos atravessados pelo Oriente Médio, especialmente pela Síria, também estão evitando o avanço das negociações”, diz Ivonne. “Isso tem feito com que eu viaje frequentemente aos países do Golfo Pérsico para dialogar.”
Por isso, o governo equatoriano mudou o alvo de sua campanha. Se antes a ideia era arrecadar a maioria dos recursos junto aos governos do mundo, sobretudo dos países ricos e desenvolvidos, agora está focando mais nas empresas e na sociedade civil. “Qualquer pessoa pode contribuir com valores a partir de um dólar”, informa a negociadora chefe. Para atingir os cidadãos planetários, a Iniciativa Yasuní-ITT conta com o auxílio das redes sociais, claro. “Queremos criar consciência para que todos se sintam parte da causa. O Yasuní não é apenas do Equador: é do mundo inteiro”, defende. “As pessoas podem e devem ser parte da solução.”
Como argumento, Ivonne lembra que a Iniciativa Yasuní-ITT é a única proposta concreta que foi apresentada até agora para reduzir – ou melhor, para evitar completamente – a emissão de gases causadores do efeito estufa. Caso o dinheiro não venha, porém, Rafael Correa não descarta um plano B: entrar na floresta e extrair o petróleo, ressuscitando os fantasmas da contaminação com a desculpa que o governo necessita dos recursos financeiros para desenvolver o país. Afinal, custa dinheiro construir escolas, hospitais, estradas, moradias… Preservar o Yasuní-ITT será um sacrifício compartilhado com a comunidade internacional, costuma dizer o presidente, ou não será.
Até agora, apenas três países latino-americanos doaram para a causa: Chile, Colômbia e Peru. “O governo brasileiro ainda não destinou nenhum recurso, e esperamos que o faça em breve”, revela Ivonne Baki. “Acreditamos que o Brasil tem interesse em passar uma imagem de país que está cuidando da Amazônia.” Algumas empresas tupiniquins, porém, já fizeram suas colaborações. A construtora Odebrecht foi uma delas, com US$ 150 mil. Outra que está prestes a contribuir é a farmacêutica Vita Derm, que planeja fabricar cosméticos com o cacau do Yasuní-ITT e, em troca, reverter à iniciativa parte dos recursos obtidos com a venda do produto.
Enquanto isso, circula pela internet um vídeo que chama à ação – ou melhor, à doação: fictícios funcionários de uma empresa petrolífera instalam um poço de petróleo em pleno Madison Square Park, em Nova York, ante a perplexidade e indignação das pessoas que por ali circulam. A mensagem é que os seres humanos apenas sentem os impactos e nos mobilizamos quando o extrativismo está ao lado. “Precisamos fazer com que o mundo conheça o dilema do Yasuní-ITT e nossa intenção de salvá-lo”, conclui Ivonne. “Queremos mostrar que a crise econômica, que está causando tanto sofrimento, será pequena perto da crise climática que se avizinha se não começamos a agir neste exato momento.”
http://www.latitudesul.org/2012/07/21/otimismo-ambiental/