Projetos usam filmes para exibir ‘realidade’ a presos

Detentos assistem a filme em sala de projeção improvisada na capela da penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos

Guilherme Genestreti

O filme já vai começar e há fila na porta. Mas não há pipoqueiro nem aviso para desligar o celular. Para se chegar ao recinto onde as pessoas se acomodam, é preciso passar por sete portões fechados a chave. A sessão ocorre dentro de um presídio.

“Podia passar ‘Velozes e Furiosos’, sou viciado em filme de carro”, diz Diego Rodrigues, 24, acusado de roubo, preso há nove meses na penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. Em vez do filme sobre racha, são exibidas três produções brasileiras: “Lisbela e o Prisioneiro”, “Quincas Berro D’Água” e “O Bem Amado”.

A programação faz parte do Cine Tela Brasil, projeto dos cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, que desde 2004 leva filmes a cidades do interior. Em dezembro, foi a segunda vez que o evento ocorreu naquela cadeia.

O lugar tem capacidade para 800 presos, mas abriga mais de 1.100. Entre eles, está Davi de Souza Judice, 32, que ajudou a colar os cartazes e encorajou detentos a prestigiar o evento, mas abandonou a sala no meio do primeiro filme. “Me fez lembrar de quando ia ao cinema com meu filho”, conta ele, condenado a cinco anos por latrocínio.

Gilcélio Vasconcelos, 45, assistiu às películas até o final e elegeu a sua favorita, “Lisbela”. “Era o filme mais romântico, me fez rir, chorar, entrar na história.” Preso no aeroporto de Cumbica, “por causa daquela velha proposta de ganhar dinheiro em troca de levar droga pra Suíça”, ele diz que o cinema quebra a rotina na prisão.

Mas os filmes não servem só para alterar o cotidiano, afirma o juiz Jayme dos Santos Júnior, que autorizou a programação. “O objetivo é reproduzir a realidade que eles vão encontrar quando saírem daqui.”

A escolha dos títulos ficou a cargo da equipe de Laís Bodanzky. Ela conta que sua ideia era passar “Estômago”, mas ficou receosa pelo fato de o protagonista ser um presidiário. “Não queríamos correr o risco de tocar num assunto polêmico”, diz a diretora de “Bicho de Sete Cabeças”.

Ausente nesta edição, ela convidou o cineasta José Mojica Marins, criador do Zé do Caixão, para falar durante as sessões. Entre perguntas sobre como é produzir um filme no Brasil e curiosidades sobre o que sentiu quando teve de cortar as unhas, ele deu conselhos à plateia. “Pense que a pessoa que você pode querer atacar tem um filho ou um pai, assim como você.”

Do outro lado da cidade, cerca de 60 jovens da Fundação Casa da Raposo Tavares, na zona oeste, participaram da oficina de cinema realizada durante cinco encontros em dezembro. Sob a batuta de Hermano Penna, diretor de “Sargento Getúlio” e “Olho de Boi”, os garotos tiveram aulas de figurino, trilha sonora e produção. Também foram incentivados a escrever roteiros. Um seria escolhido para virar um curta-metragem.

João, 17, nome fictício, escreveu um texto “sobre um menino que quase se perdeu no caminho errado”. O argumento, diz, foi inspirado na própria história. O garoto, acusado do roubo de um carro, conta que se descobriu no grupo de teatro e que pretende ser ator. “Eu achava que eu era sem-futuro, que a vida era só o crime.”

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1041531-projetos-usam-filmes-para-exibir-realidade-a-presos.shtml

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