Por Jomar Martins*
Depois de Minas Gerais, Alagoas e Pará, chegou a vez do Rio Grande do Sul ter um defensor público dedicado inteiramente às causas agrárias. Na Defensoria Pública do Estado (DPE-RS), a escolha recaiu, no final de dezembro, sobre o defensor Andrey Régis de Melo, que atua na Comarca de Júlio de Castilhos. Ele passa a atender, basicamente, um público formado por trabalhadores rurais assentados precariamente e grupos de sem-terra em litígio com fazendeiros ou com o estado.
A ideia de dedicar um defensor para cuidar desta área no estado partiu do ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva. No ano passado, em reunião com o governador Tarso Genro, ele havia protocolado o pedido para a criação de uma Ouvidoria Agrária no Rio Grande do Sul — composta por agentes da Polícia Civil, Ministério Público, Polícia Militar e juízes para atuar em Varas Agrárias.
A Ouvidoria Agrária Nacional — órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) — existe para prevenir e mediar os conflitos agrários nas zonas rurais do país, além de procurar garantir os direitos humanos e sociais das pessoas envolvidas nestas questões.
Conforme Andrey Régis de Melo, a iniciativa da DPE-RS está concatenada com os objetivos e prerrogativas da instituição, especialmente com relação à proteção da dignidade da pessoa humana. “A estruturação da forma de atuação nos conflitos sociais do campo é tarefa bastante complexa, pois exige uma forte interlocução com governos, movimentos sociais rurais, produtores rurais e sociedade civil, sempre com a intenção de diagnosticar as tensões, possibilitando uma resolução pacífica”, destaca Melo.
Nesta breve entrevista, o defensor esclarece que a sua atuação será por meio de mediação in loco, “despido de ideologias, tendo no horizonte a redução da violência no campo”. Leia a entrevista:
ConJur — O senhor está há quanto tempo na Defensoria?
Andrey Régis de Melo — Atuamos na DPE há aproximadamente três anos.
ConJur — Tem alguma experiência no trato com sem-terra, grileiro ou com acampados?
Andrey Régis de Melo — Atualmente, como tenho atribuição nas comarcas de Tupanciretã e Júlio de Castilhos, locais onde há acampamentos de movimentos sociais rurais e também grande número de assentados, tenho a possibilidade de realizar atendimento jurídico e conhecer a rotina dos integrantes dos acampamentos e assentamentos. E, agora, com esta atuação de defensor público agrário, há uma necessidade premente de aprofundamento das questões que levam a uma pacificação do campo.
ConJur — A Defensoria vai atender o MST, Via Campesina e outros grupos que invadem terras?
Andrey Régis de Melo — Jamais podemos esquecer da matriz constitucional da Defensoria Pública; ou seja, atendimento aos necessitados. Indubitavelmente, em regra, os movimentos sociais rurais são constituídos por pessoas que se enquadram no conceito de necessitado. Todavia, o ‘defensor agrário’ deve buscar fundamento mais amplo, não pode olvidar que a luta pelos meios de produção, a luta pela igualdade no campo, é um fenômeno histórico e, ao meu sentir, legítimo — desde que sob o escudo das normas constitucionais. Portanto, não há óbice ao atendimento, porém, a pauta é a resolução do conflito pelo diálogo e pela via extrajudicial.
ConJur — Como vai se dar, na prática, o atendimento a estas pessoas? Será só na mediação ou também representação legal?
Andrey Régis de Melo — A ênfase da atuação do defensor público agrário será a mediação, despido de ideologias, tendo como horizonte a redução da violência no campo.
ConJur — O senhor irá acompanhar a migração dos movimentos em suas incursões pelo estado? E se, durante estas incursões, eles invadirem propriedades, o senhor estará junto para fazer a interlocução com as autoridades ou representá-los juridicamente?
Andrey Régis de Melo — Certamente, o papel do defensor público agrário deve ser pautado por uma atuação in loco. Por exemplo: não se pode tratar uma manifestação dos movimentos sociais rurais como se tratam os conflitos individuais, numa reintegração de posse, pois a situação é muito mais ampla. Qualquer decisão administrativa ou judicial deve ser antecedida por um debate, no qual estaremos presentes, evitando-se ao máximo a possibilidade de resultados negativos, como recentemente tivemos no Município de São Gabriel, quando uma vida foi ceifada.
ConJur — Haverá algum atendimento jurídico para legalizar posse decorrente de briga de lindeiros ou por motivo de usucapião?
Andrey Régis de Melo — Esses atendimentos já são realizados de uma forma ordinária pelos defensores públicos. Numa análise superficial, não há razão para atuação do defensor público agrário quando a rotina da DPE alcança a pacificação social.
ConJur — O agricultor ou trabalhador rural comum, não envolvido com a luta pela reforma agrária, poderá contar com seus préstimos para legalizar a terra ou ajuizar alguma ação se tiver algum direito agravado? Ou é só para quem luta pela reforma agrária?
Andrey Régis de Melo — O trabalhador rural comumente é atendido pela DPE. Vejo muitos casos de usucapião, contratos bancários, ações possessórias, mas sempre há espaço para um avanço na atuação da Defensoria.
*correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Gaúchos terão um defensor público para mediar conflitos agrários
Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.

Se quiser receber nosso boletim diário, é só inscrever-se na aba "Quem somos", clicando