Pinheirinho:A omissão em 140 caracteres

Clara Roman

Demorou mais de 24 horas para que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) se manifestasse sobre o episódio no assentamento Pinheirinho. A reintegração de posse começou às 6h da manhã do domingo 22. Até o fim do dia, a maior parte dos oito mil moradores do terreno já havia sido despejada e perambulava pelo bairro, sem rumo e sem casa. Enquanto o clima esquentava na comunidade expulsa, o tucano usava sua conta no Twitter para desejar um feliz ano novo chinês. Apenas na tarde da segunda-feira 23 Alckmin falou sobre o caso. Mas para lavar as mãos.

Alckmin, que mostrou sua capacidade de concisão ao lavar as mãos do caso Pinheirinho. Foto: Bruno Poletti/Frame/Folhapress

Segundo ele, possíveis abusos da Polícia Militar na ação seriam investigados. Pelo Twitter, apenas frisou que a ordem de reintegração partia do Judiciário. E que o governo só cumpriu uma decisão. No pequeno espaço permitido pelo microblog, ele conseguiu resumir a postura do poder Executivo em todo o episódio. A Justiça é que se entenda, afinal. Da presidenta Dilma Rousseff, nenhuma palavra até agora.

O prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB), manifestou-se em entrevista coletiva na tarde da segunda-feira 23. Nela, segundo a rede local Vnews, justificou que a administração municipal não poderia ter impedido a reintegração. “Não podemos interferir, afinal é uma área particular”. Foi ele, no entanto, que recusou o acordo que resolveria a questão e atropelou a invasão policial, segundo o senador Eduardo Suplicy, que trabalhava na negociação do caso.

Na entrevista, o prefeito anunciou que outros esclarecimentos seriam feitos pela conta do Twitter da Prefeitura de São José dos Campos. Os posts parecem uma piada de mal gosto: “Diversas famílias estão saindo do Pinheirinho por conta própria e pedindo apoio para retornarem às cidades de origem”. Isso depois de 1.800 policiais expulsarem os moradores de suas casas, onde viviam há anos.

Policiais atiram contra assentamento Pinheirinho, Foto: Felipe Milanez

Em Brasília, coube ao ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) afirmar que o governo federal não sabia da ação de reintegração e que foi surpreendido pela operação.

Não detalhou de que maneira os moradores poderiam contar com sua ajuda, ele que já foi deputado federal eleito por São Paulo.

Maria do Rosário, ministra dos Direitos Humanos, também não anunciou medidas. Usou sua conta no Twitter para condenar, apenas verbalmente, a operação: “Há relatos sobre violações de DireitosHumanos tanto na remoção como na abrigagem das pessoas. Nossa Ouvidoria está desde domingo no local”, escreveu.

Enquanto isso, os moradores expulsos de suas casas seguiam ao relento.

Quem também reforçou a artilharia verbal foi o secretário Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Um pouco mais enfático que os colegas, ele disse que a operação transformou o assentamento numa “praça de guerra”. E acusou o governo paulista de atropelar as negociações para uma desocupação pacífica, da qual o governo federal participava.

Coube ao secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Maldos, a melhor definição sobre o episódio, da qual ele mesmo foi uma vítima.

Atingido por uma bala de borracha durante a desocupação, Maldos classificou a ação como algo “brutal”. “Foi totalmente surpreendente. A gente estava conversando e, de repente, bomba. Não houve aviso prévio”, lembra ele.

E contou que, mesmo nos tempos mais difíceis da ditadura militar, como no enterro de Alexandre Vannucchi, de Vladimir Herzog e do operário Santo Dias da Silva, nunca havia lhe acontecido nada.

Por enquanto, o único ato do poder público em favor dos moradores é uma ação civil pública empreendida pelo Ministério Público Federal e que tenta garantir condições mínimas de moradia a essas famílias desabrigadas. Dos governos eleitos – municipal, estadual e federal – apenas algumas dezenas de caracteres.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-omissao-em-140-caracteres/

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