Comunicado da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e Justiça Global (JG)

Brasil: OS DIREITOS HUMANOS, PRIMEIROS ESQUECIDOS PELO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

25 de maio de 2011 – A Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e a Justiça Global (JG) expressam sua preocupação pelas numerosas violações de direitos humanos cometidas em decorrência de projetos de desenvolvimento no Brasil e instam as autoridades brasileiras a exigir das empresas o pleno respeito, proteção e cumprimento dos direitos humanos.

Ontem foi realizada uma audiência convocada pelo Ministério Púbico do Estado do Maranhão sobre o processo de reassentamento das 320 famílias da comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia, que desde mais de vinte anos sofre com a contaminação ambiental causada pelas indústrias siderúrgicas localizadas na região. Participaram representantes de quatro Secretarias Estaduais, do município de Açailândia, do Sindicato das Indústrias Siderúrgicas do Estado do Maranhão (SIFEMA). Na mesa de negociação, não se fez presente a Vale, maior empresa de mineração do mundo, que celebrava a poucas quadras do local da reunião a chegada do maior barco do mundo encomendado à empresa sul-coreana Daewoo. Contudo e apesar de sua ausência, criticada por todos os atores presentes, o encontro permitiu que se chegasse a um acordo entre o Município de Açailândia e o SIFEMA para a desapropriação – dentro do prazo de 30 dias – do terreno escolhido para o reassentamento da comunidade de Piquiá de Baixo. A reunião também resultou no estabelecimento de um cronograma para próximas audiências com o objetivo de monitorar o plano de reassentamento, incluindo o plano de urbanização e de infraestrutura. Também serão realizadas reuniões específicas do MPE e DPE com o Estado e com a Vale, para que estes não declinem de suas responsabilidades e assumam compromissos concretos, com prazos definidos, para a resolução dos problemas da comunidade.

Em 18 de maio, a Federação Internacional dos Direitos Humanos, a Justiça Global e a rede Justiça nos Trilhos publicaram o relatório “Quanto Valem os Direitos Humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia”, que analisa os danos à saúde causados pelas atividades da Vale e empresas vinculadas nas comunidades de Piquiá de Baixo e do assentamento Califórnia, no estado do Maranhão. O relatório requer à empresa e seus sócios a por fim à contaminação ambiental na região. A publicação foi apresentada em São Luis, Brasília e Rio de Janeiro para representantes do Ministério Público Federal, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e dos Ministérios de Saúde, Meio Ambiente e Minas e Energia, assim como suas contrapartes em nível estadual e municipal, tendo alcançado significativa repercussão na imprensa nacional e internacional. Não obstante, a Vale se negou a se reunir com os representantes de nossas organizações.

Por outra parte, no dia de hoje, a FIDH remeteu uma Carta Aberta à Presidenta da República Dilma Roussef (abaixo) com o propósito de manifestar seu profundo desacordo ante a recusa do governo brasileiro a cumprir as medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para a suspensão da construção da hidrelétrica de Belo Monte, projeto do qual consórcio a Vale passou a formar parte (com 9%) depois de um investimento estimado em 1,45 bilhões de dólares. As medidas cautelares da CIDH solicitam ao Estado brasileiro suspender a construção de Belo Monte, no estado do Pará, até que se realize as devidas consultas com as comunidades indígenas que seriam afetadas por este projeto e até que adote medidas para proteger a vida, saúde e integridade pessoal de seus membros.

É extremamente preocupante que o Estado brasileiro não adote as medidas necessarias para prevenir, impedir e condenar as violáceos de direitos humanos cometidas pelas empresas transnacionais envolvidas na implementação de megaprojetos de desenvolvimento e que, ao invés disso, privilegie e inclusive legitime as atividades destas empresas em detrimento do direito à saúde, a um ambiente sano, à integridade pessoal e à vida das comunidades que vivem nos territórios onde se pretende construir tais projetos.

Recordando que o Estado brasileiro deveria ser o garantidor de um desenvolvimento econômico que respeite plenamente os direitos humanos, instamos às autoridades brasileiras a acatar as medidas cautelares emitidas pela CIDH, suspendendo a construção da hidrelétrica de Belo Monte, assim como a investigar as violações de direitos humanos cometidas pelas empresas da cadeia minero-siderúrgica e a garantir a reparação das pessoas e comunidades atingidas.

De forma geral, instamos ao Estado brasileiro a exercer um maior controle sobre as atividades das empresas transnacionais e seus impactos, especificamente em matéria social e ambiental, assim como garantir o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades, de acordo com suas obrigações constitucionais e internacionais.

Contatos de imprensa :
FIDH – Arthur Manet: +33 1 43 55 90 19 / +33 6 72 28 42 94
FIDH – Karine Appy: +33 1 43 55 14 12 / +33 6 48 05 91 57

No Brasil :
Justiça Global – Andressa Caldas: + 55 21 2544 2320

Sra. Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil

Sra. Presidenta,

Antes de tudo, receba nossa cordial saudação. Nós, da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), viemos por meio desta manifestar nosso desacordo com a rejeição demonstrada diante das medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em favor da suspensão da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Gostaríamos de expressar nossa profunda discordância com o desprezo aos direitos dos povos indígenas na construção da usina. Ao recordar que o Estado Brasileiro deve acatar suas obrigações neste assunto, as medidas cautelares emitidas pela CIDH se increvem no marco normativo internacional vigente sobre direitos de povos indígenas. A este respeito, recordamos especificamente do Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, bem como da Declaração das Nações Unidas sobre Direitos de Povos Indígenas, também adotada pelo país, que consagram o direito à consulta das comunidades indígenas previamente à aprovação de um projeto que lhes afete, e que esta aprovação está subordinada a seu consentimento prévio, livre e informado. Na mesma linha, a Declaração e Programa de Ação de Viena estabelece que “o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente” [1]. Não obstante, no caso de Belo Monte, as comunidades indígenas não foram devidamente consultadas e existem sérios riscos à vida, à integridade pessoal e à saúde de seus membros como consequência da construção da barragem.

Recordamos também que se, por um lado, um caso somente pode ser enviado à CIDH após o esgotamente dos recursos legais internos, por outro, as medidas cautelares emitidas têm um caráter vinculante aos Estados membros da OEA signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos. Por isso, repudiamos as declarações do governo brasileiro que afirmam que as medidas cautelares seriam “injustificadas e precipitadas” devido à ausência do esgotamento dos recursos legais internos, e insistimos em sua plena legitimidade e vigência.

Também nos preocupa que, em função da emissão destas medidas cautelares, tenham sido anunciados a suspensão da presença brasileira na CIDH em 2012 e a contribuição financeira anual para este organismo. Efetivamente, nos parece de suma importância para o fortalecimente da democracia nas Américas que o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos conte com a participação da maior potência sulamericana, e que conte com uma representação de língua portuguesa.

Cremos que o Brasil, assim como todos os países sulamericanos, podem alcançar um desenvolvimento econômico com respeito aos direitos humanos. Para isso, solicitamos que reconsidere sua posição com relação à suspensão das relações do Brasil com a CIDH, e que cumpra as medidas cautelares emitidas, suspendendo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte até que se realizem devidamente as consultas às comunidades afetadas, e que se adotem medidas para proteger a vida, a saúde e a integridade pessoal de seus integrantes.

Agradecendo sua atenção e confiando que a Sra. tomará a decisão adequada, subscrevemos respeitosamente,

Souhayr Belhassen
Presidenta da FIDH


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