Mulheres das comunidades nativas exigem seus direitos

“Existe um grande desconhecimento de nossa realidade por parte das autoridades; por isso, lhes pedimos que visitem nossas comunidades, conversem conosco, com nossos líderes e conheçam diretamente os problemas econômicos, de saúde e de educação que enfrentamos no dia a dia”, reclamou Andrea Campos Jari, dirigente da Federação Regional de Mulheres Ashaninkas, Nomatsiguengas e Kakintes (Fremank).

Campos, junto a meia centena de líderes amazônicas, enfeitadas com seus trajes típicos e acompanhadas por seus filhos e filhas pequenos e pelos líderes de suas comunidades, chegaram à capital peruana desde a selva central do Peru para participar na Audiência Pública: “Situação das Mulheres Indígenas Amazônicas e Propostas de Mudanças Elaboradas pelas Mulheres”, que se realizou no Congresso da República.

Mulheres Ashaninkas e Nomatsiguengas da Selva Central, mulheres Awajun, do Alto Marañón, representantes de populações historicamente excluídas do exercício de seus direitos individuais e coletivos, explicaram porque o território é um elemento fundamental para elas e para suas comunidades e demandaram uma adequada aplicação das normas nacionais e internacionais, principalmente do Convênio 196 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Congresso Peruano assinou e ratificou, em 2 de dezembro de 1993, o Convênio 169, cujos princípios básicos são respeito e participação das comunidades nativas; respeito ao território, à vida, à saúde, à cultura, à religião, à sua organização político-social-econômica e identidade própria; e participação nas decisões estatais que os afetem diretamente e participação na vida política e econômica nacional.

Educação que não chega

Na sede do Poder Legislativo peruano, as líderes amazônicas ressaltaram que a falta de acesso à educação é outro problema agravante na Amazônia peruana, onde a taxa de analfabetismo feminino flutua entre 76,3%, no caso da população Nomatsiguenga; 54,2% na Ashaninka; 38,4% na Kakinte e 73,9% na Awajun, situação que se agrava devido as grandes debilidades do sistema educativo nacional.

“Nós sempre fomos excluídas e discriminadas; temos direito a uma atenção intercultural bilíngue, tal como estabelece o Convênio 169, da OIT; porém, os professores, em sua maioria, somente falam castelhano”, denunciou na Audiência Pública Maritza Casancho Rodríguez, comunitária do setor Casancho, da Comunidade San Ramón de Pangoa, situada no sudeste do Departamento de Junín.

Por seu lado, Campos, de Fremank, denunciou que nas escolas de sua comunidade, Betania, situada no distrito de Rio Tambo, província de Satipo, também em Junín, muitos professores não são bilíngues. “Somente ensinam em espanhol e esse é um problema porque desconhecem que as comunidades nativas temos o direito a uma educação intercultural bilíngue”.

As mulheres demandaram a implementação de uma educação intercultural bilíngue que coloque fim ao racismo e à exclusão que continuam caracterizando o país e a realização de campanhas de alfabetização para as mulheres adultas nas comunidades, em coordenação com os setores de Educação, Saúde e com o Ministério da Mulher, entre outras ações.

O abandono no qual vivem as comunidades nativas também se expressa nos sistemas de saúde. Menos da metade (49,9%) de comunidades indígenas conta com algum tipo de estabelecimento de saúde e somente 45,5% possui botequins adequados para atender a emergências. A metade das mortes acontecem antes dos 42 anos, 20 anos menos de vida em relação à média nacional.

“Nunca tivemos uma atenção com qualidade. Os servidores de saúde desconhecem o Convênio 169 da OIT que estabelece que as comunidades nativas temos direito a uma atenção intercultural bilíngue. É necessária a presença de tradutores nos hospitais para atender adequadamente à população indígena que não fala espanhol”.

Para enfrentar essa dramática situação, exigem o incremento de recursos de Saúde para as comunidades indígenas; campanhas de promoção dos direitos sexuais e reprodutivos; a incorporação da medicina tradicional no sistema de saúde; a sensibilização e a capacitação de pessoal em saúde para oferecer uma atenção cálida e de qualidade, no marco do Convênio 169, da OIT.

As mulheres amazônicas também denunciaram que são vítimas de violência e demandaram a capacitação e sensibilização de suas comunidades para enfrentá-la.

“Pedimos a capacitação de toda a comunidade: mulheres, homens, adolescentes, crianças sobre os direitos das mulheres e o grave problema da violência”, reclamou Claudia Alegría Potsoteni, Secretária de Economia de Fremank e membro da Comunidade San Miguel de Otica.

No caso das autoridades e dos chefes das comunidades nativas, assinalou que, além de “ser sensibilizados, devem ser capacitados sobre as leis e acordos nacionais e internacionais para que possam aplicar bem a justiça. “Nós não lutamos contra nossos companheiros homens; queremos é igualdade de oportunidades”, explicou a dirigente amazônica.

Entre janeiro e outubro de 2010, segundo o Centro de Emergência da Mulher de Satipo, foram atendidos 314 casos de violência familiar e sexual e, o mais grave, é que os funcionários encarregados desse serviço não conhecem os idiomas nativos, e nem os diferentes enfoques de atenção incorporam a diversidade e a cosmovisão da mulher amazônica sobre a violência e a injustiça.

Reparação para as vítimas de violência política

Sobre os efeitos do conflito armado que sacudiu esse país entre a década dos 80 e 2000, tema do qual pouco se fala, Jonatan Sharete Quinchoker, Presidente da Organização Campa Ashaninka do Rio Ene, expressou sua preocupação com as vítimas da violência política e exigiu que sejam beneficiadas pelo Plano Integral de Reparações.

“Durante a década dos 80, os terroristas chegaram a nossa comunidade e levaram muitos jovens, causando grande dor às mães que sofreram com sua partida. Nós não queremos violência; porém, agora o narcotráfico é o grande problema para nós, porque cresce a cada dia. As mulheres indígenas temem por seus filhos, porque podem ser captados ou sequestrados para que trabalhem nos cultivos de coca”.

Em plena selva central, na zona do VRAE (siglas de Valle del Río Apurimac y Ene), limítrofe com territórios ashaninka, subsistem os últimos baluartes do Sendero Luminoso (organização terrorista que enfrentou o Estado peruano na década de 80) em aliança com grupos de narcotraficantes.

Estima-se que na zona existem uma 17.000 hectares de folha de coca que produzem cerca de 160 toneladas anuais de cocaína, segundo a Oficina das Nações Unidas contra a Droga e o Delito (ONUDD).

Por seu lado, David Juan Chanqueti Chumpate, chefe da comunidade Alto Kiatari, no Distrito de Pangoa, província de Satipo, assinalou que o governo de turno não presta atenção às comunidades indígenas do país; no entanto, “sinto-me contente porque, por primeira vez, há uma reunião interétnica no Congresso da república para apresentar as propostas das mulheres”.

As líderes entregaram a agenda de propostas, elaborada de maneira conjunta entre as instituições que as agrupam, ao congressista Washington Zeballos Gámez, presidente da Comissão de Povos Andinos, Amazônicos e Afroperuanos, Ambiente e Ecologia do Congresso.

A audiência pública realizou-se no dia 29 de abril, no marco do Projeto “Ações para promover o Exercício dos Direitos Humanos das Mulheres Indígenas Amazônicas na Província de Satipo (Junín)”, implementado pelo Centro da Mulher Peruana Flora Tristán, com o apoio da Cruz Vermelha Espanhola.

 

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=56752

 

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