Entre escombros

A presidente da Associação de Moradores da favela do Metrô, Francicleide Souza, questiona as ações da prefeitura

Por Thiago Ansel

Entre Escombros. É assim que vivem hoje moradores e comerciantes da favela Metrô Mangueira (Maracanã, Zona Norte) que discordam da remoção da comunidade nos termos atualmente impostos pela prefeitura. O local foi, na última sexta-feira (20), um dos destinos da visita de três dias (18, 19 e 20) da missão da Relatoria do Direito à Cidade da Plataforma Dhesca (Direitos Humanos Econômicos Sociais e Ambientais) para avaliar os impactos das obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. O último dia da missão contou ainda com a participação especial da relatora para o direito à moradia adequada da ONU, a urbanista brasileira Raquel Rolnik.

Acompanhado por moradores e jornalistas, o grupo da Plataforma Dhesca encontrou, na medida em que caminhava para dentro favela, cenários que lembraram os de uma guerra: casas habitadas em meio a montanhas de entulho deixadas para trás, imóveis abandonados, alguns parcialmente destruídos. Isto tudo bem ali, ao lado do Maracanã e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

A relatora da ONU, que já esteve em comunidades na mesma situação em outros estados do Brasil, disse acreditar que estas demolições em diferentes pontos da favela fazem parte de uma estratégia da administração municipal para pulverizar a degradação no local, com o objetivo vencer os moradores pelo cansaço. “A prefeitura negocia individualmente, consegue remover um morador, derruba sua antiga residência e isso vai degradando toda a comunidade, de modo que fique insuportável continuar no local. Às vezes nem se dão ao trabalho de demolir as casas por completo, eles quebram só o suficiente para marcar o espaço, para criar um ambiente super degradado para os moradores. As pessoas ficam com medo”, afirma.

A presidente da Associação de Moradores da favela Metrô Mangueira, Francicleide Souza, informou à missão que está profundamente insatisfeita. Para ela, a maneira como as remoções vêm sendo conduzidas resulta de decisões questionáveis do ponto de vista ético, por parte da administração municipal. “A estratégia da Prefeitura é minar. Quando ela foi derrubando as casas, começaram os assaltos. As pessoas ficaram isoladas e isso facilita a ação dos ladrões. Alguns moradores foram para casas de parentes com medo. E quem sai, perde o direito sobre o seu imóvel”, revela.

Francicleide diz que a falta de diálogo é, até agora, uma das marcas da ação da prefeitura no local. O projeto para área, por exemplo, ainda não foi apresentado à comunidade. “Eles não mostram porque estão aprontando alguma coisa. Quando você joga limpo, qual a razão para não mostrar? Falam em construir uma praça de recreação, mas, se os moradores forem retirados daqui, para quem vai ser a praça?”, questiona.

O relator do direito humano à cidade da Plataforma Dhesca, Orlando Santos Jr., lembra que aqueles moradores removidos que receberam compensação financeira, foram indenizados apenas pelo imóvel construído, pois a prefeitura – contrariando a Constituição Federal e o Estatuto das Cidades – não reconhece o direito destas pessoas de serem compensadas também com base no valor do solo que ocupam. “Nesse caso, também há o risco da valorização fundiária do solo urbano, decorrente das obras em curso, ser apropriada por outros agentes – capital imobiliário, capital financeiro, classes médias e elites-, evidenciando um caso de injustiça social”, adverte Santos Jr.

Descumprimento das leis

O artigo 429 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro trata da urbanização, regularização fundiária e titulação dos espaços favelados. Ele determina que a remoção seja feita somente quando as condições físicas da área ocupada passem a representar risco para os moradores. Em casos de desocupação, a lei exige a participação da comunidade na elaboração de soluções, além de determinar que o reassentamento seja feito em localidades próximas dos locais de residência ou trabalho dos ex-moradores.

No remanejamento de parte das famílias da Metrô Mangueira a lei foi ignorada. Das cerca de 700 famílias que ali viviam, pouco mais da metade foi realocada. Deste total, 90 famílias foram reassentadas em Cosmos, Zona Oeste, há aproximadamente 45Km da favela. As demais foram transferidas para o conjunto habitacional Mangueira 1, bem próximo da comunidade. Estima-se que 320 famílias permaneçam na favela Metrô Mangueira.

Truculência e coação

O morador e comerciante local, Marcelo Moraes, conta que nos primeiros contatos com a população local, os agentes da prefeitura adotaram uma postura truculenta. “No início eles estavam agindo de forma bem agressiva. Quem não aceitasse ir para Cosmos ia ser retirado de sua casa – que seria demolida – e encaminhado para um abrigo, ou então receberia um aluguel social. O pessoal da associação se juntou à Defensoria Pública, Pastoral das Favelas e alguns grupos que lutam contra essas desocupações de favelas e conseguimos uma vitória que foi a transferência das famílias para o Mangueira 1. Os condomínios lá não seriam para o pessoal daqui. Eles eram para o pessoal da Mangueira que está em área de risco”, revela.

O comerciante diz ainda que a prefeitura, ao realocar os moradores no conjunto habitacional, negligenciou completamente a relação entre as dimensões e os valores dos imóveis demolidos e os das novas moradias. “Quem tinha uma casa do tamanho de um ovo e quem tinha casa de dois andares foi para um apartamento do mesmo tamanho. A prefeitura não olhou por esse lado”, conta Marcelo.

A prefeitura também não apresentou projeto para o comércio na área. Segundo a também moradora e comerciante, Thaís Pedreira, grande parte das pessoas que têm comércios na favela residem ali. Thaís diz que embora os comerciantes e moradores já tenham participado de reuniões com o secretário municipal de habitação, Jorge Bittar, não houve ainda a apresentação de qualquer proposta concreta. “Nas reuniões só houve promessas. Documentos não existem, não tem nada por escrito. O projeto que o Bittar mostra é de 1999. Sabemos que ele não vai querer implantar um projeto feito por outro político”, declara a moradora.

O papel da Plataforma Dhesca

A missão tem como principais objetivos dar visibilidade aos casos de violação do direito à moradia e cobrar respostas concretas do poder público para situações como as da favela Metrô Mangueira. De acordo com o relator, Orlando Santos Jr., em um mês ficará pronto o relatório oficial da missão.

Nesta visita de três dias, a Plataforma Dhesca buscou contribuir para fortalecer a mediação entre as comunidades no caminho das obras dos mega eventos e o poder público. Segundo o relator, as soluções devem passar pela garantia de opções para os moradores que estão sendo desalojados. “O melhor caminho inclui indenização justa, englobando o valor do solo urbano independente da situação fundiária, e opção de reassentamento na mesma área”. Estas medidas servem para garantir a manutenção dos laços culturais e comunitários, bem como a inserção no mercado de trabalho já estabelecidos pelos moradores, não só da Metrô Mangueira, mas em todos os espaços onde estão acontecendo as remoções.

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1042

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