Assim que receberam, no domingo passado, a informação de que dez contêineres com material nuclear desconhecido chegava a Caetité-BA vindo de São Paulo, o grupo que forma a Comissão Pastoral do Meio Ambiente da cidade foi às rádios da região avisar do carregamento. Ali, começava uma grande mobilização para impedir a chegada desse material à cidade. Mais de duas mil pessoas foram para a estrada fazer com que os caminhões fossem parados e o material não seguisse em frente. “A população se mobilizou por causa dos problemas ambientais, principalmente em função da contaminação da água e do solo. Caetité já tem grandes problemas fruto da exploração nuclear e de exploração de urânio e a população não aceita mais que a cidade seja considerada um depósito de lixo atômico”, explicou João Batista Pereira, agente da Comissão Pastoral da Terra da região durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. A entrevista foi feita em parceria com o Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Nos últimos dias vocês impediram que nove carretas que transportavam urânio vindo de São Paulo para Caetité, na Bahia entrassem no município. Por que vocês bloquearam a entrada dessas carretas? Por que ela viajou por milhares de quilômetros e como tomaram conhecimento da carga?
João Batista Pereira – Eram dez contêineres contendo material urânífero. A exploração desse recurso aqui em Caetité já causa grandes impactos na comunidade e no meio ambiente. Não sabemos até hoje de informações seguras que material é esse, os danos que causa, os impactos que trará ao meio ambiente. Então, a população se mobilizou por causa dos problemas ambientais, principalmente em função da contaminação da água e do solo. Caetité já tem grandes problemas, frutos da exploração nuclear e de exploração de urânio, e a população não aceita mais que a cidade seja considerada um depósito de lixo atômico.
IHU On-Line – A mina de Caetité começou a exploração de urânio nos anos 1970. Qual tem sido o seu impacto sobre a vida do município e da população? A cidade se divide sobre a necessidade da mina?
João Batista Pereira – A exploração de urânio em Caetité inicia nos anos 1990. Nos anos 1970 deu-se o começo da discussão do projeto. A maior questão frente à exploração de urânio é a falta de clareza das informações. Por exemplo, sabe-se que a análise da água, do ar, do solo é feita, mas a população não tem acesso a estas informações. Pior do que isso, as informações são negadas. Para explorar e operar o material é necessário um alto volume de água. Além de a população estar insegurança com a relação da qualidade da água, ela ainda sofre em relação à quantidade de água disponível para consumo das pessoas. Têm famílias que moram a menos de um quilômetro da mina, que sofrem constantemente com o processo de larga exploração. As casas sofrem o efeito da poeira do processo de exploração que cai todos os dias sobre as mesmas. Essas famílias, hoje, não querem mais ficar naquela comunidade, é preciso, inclusive, discutir um processo de readequação destas famílias.
Outra questão é que há uma incidência muito grande de câncer. A nossa cidade não tem um centro de pesquisa e de tratamento desse problema. No ano passado, houve uma suspeita de que a água estava contaminada. Depois noticiaram que a água já não é contaminada. A população está insegura; não sabe se o ar que respira pode lhe causar algum dano, tanto quanto não sabe se a água que bebe está contaminada com material nuclear ou não.
IHU On-Line – Há estudos sobre a radiação que a exploração do urânio causa na população local? A Indústrias Nucleares do Brasil – INB afirma que a exploração é in natura e não causa danos.
João Batista Pereira – Certamente os estudos existem, mas nós não temos acesso a essas informações. A população quer ter acesso a esses laudos. Então, na verdade, a população de Caetité vive realmente dividida. Muitas pessoas são funcionárias da mineradora que fica na região. Então, ela tem uma certa importância econômica para a cidade. Por outro lado, ela causa um desastre/desgaste socioambiental muito grande. Mas nós, desde domingo, tivemos um testemunho muito forte. Tivemos uma manifestação muito espontânea do povo, contrária à chegada do lixo nuclear.
IHU On-Line – Qual é o ciclo do urânio que sai das minas de Caetité? Para onde ele vai? O que ganha o município com essa atividade de mineração?
João Batista Pereira – Em Caetité se faz a primeira parte do processo de exploração da pedra de urânio. Hoje esse material é exportado para o Canadá a fim de ser concentrado. Os ganhos nós não sabemos também. Enquanto comissão, acreditamos que Caetité tem muito mais perda do que ganho com a exploração de urânio na nossa região. E quais são? O desgaste do nosso povo. A Indústrias Nucleares do Brasil – INB age com muita truculência com quem vai falar contra ela, questionar esse processo.
IHU On-Line – Vocês mobilizaram em pouco tempo duas mil pessoas para bloquear as carretas. Como isso se deu? Como vocês chamaram todas essas pessoas?
João Batista Pereira – Assim que ficamos sabendo da chegada das carretas, no domingo à tarde, nós da Comissão do Meio Ambiente de Caetité passamos uma nota no rádio avisando a população da chegada do urânio e da possibilidade de fazer uma vigília na estrada, por onde iam passar os contêineres, e foi isso que aconteceu. Nós marcamos a vigília para às 19h30. Às 18h, já havia, aproximadamente, três mil pessoas lá na rua.
A Comissão entende que Caetité não é um depósito de lixo atômico. O lixo que é produzido fruto da exploração do minério de urânio de Caetité já poluiu demais a região. Falta maior clareza de que material realmente é trazido pelos contêineres.
IHU On-Line – O senhor considera que nos últimos tempos, em função do debate sobre a crise ecológica, aumentou a sensibilidade sobre os riscos ambientais?
João Batista Pereira – É claro. A própria temática que a Igreja e a imprensa provocaram sobre essa questão do aquecimento global com a Campanha da Fraternidade trouxe um sinal de alerta para a população. O planeta, na verdade, vive em colapso.
IHU On-Line – Como repercutiu o acidente nuclear de Fukushima em Caetité?
João Batista Pereira – Na verdade, o processo do programa nuclear brasileiro tem em Caetité a ponta do iceberg e o povo não tem qualquer informação mais aprofundada sobre o trabalho que é feito na mina da cidade. O povo de Caetité recebeu com muito medo e insegurança a notícia sobre o acidente na central nuclear de Fukushima.
IHU On-Line – Mesmo após o acidente nuclear em Fukushima, o governo do baiano mantém o interesse em instalar uma usina nuclear no estado. Como vocês têm reagido a isso?
João Batista Pereira – Nos dias em que aconteceu o acidente de Fukushima, a previsão que o governo nos deu era de não mudar o programa nuclear brasileiro. Acho que esse fato agora, dá coragem ao povo de Caetité para exigir que se abra o debate. Porém, nós sabemos que o programa nuclear brasileiro tem um plano de instalar uma usina nuclear na bacia do São Francisco. O interesse é evidente. O problema é que, pela falta de informação, eu não saberia dizer com maior certeza se esse programa será alterado ou não.
IHU On-Line – Como tem sido a reação contrária a esse movimento?
João Batista Pereira – Hoje, principalmente, a Indústrias Nucleares do Brasil – INB tenta descaracterizar o movimento e isso resulta em ameaças, em dizer que o movimento não tem respaldo, que o material não causa nenhum dano ao meio ambiente e à população. Há vários mecanismos que a empresa usa em Bpara se passar por “boazinha”. Pe. Osvaldino está sendo ameaçado. Ficamos sabendo que ontem uma pessoa, num carro suspeito, procurou por ele, pediu informações sobre ele…
IHU On-Line – Alguma coisa do meio ambiente, a paisagem de Caetité mudou muito em função da usina?
João Batista Pereira – Sim. Principalmente, no que diz respeito à questão da disponibilidade hídrica. Isso é muito visível.
IHU On-Line – Como funciona a Comissão Pastoral do Meio Ambiente? O que ela promove?
João Batista Pereira – Ela nasceu em 2008, justamente preocupada com a situação da região em função dos impactos da exploração de urânio em Caetité. Esse grupo de pessoas e lideranças está preocupado com as questões socioambientais do município. Ela promove ou provoca debates, reuniões, seminários, encontros na comunidade de Caetité, chamando a população para discutir essas questões.
Nota:
[1] A complexa fabricação do combustível gerador de energia nuclear começa na Bahia e prossegue no exterior e termina no Brasil. O início desse processo acontece em Caetité-BA: ali o urânio é extraído do minério, purificado e concentrado em forma de sal amarelo, que vai para o Canadá. Dali saindo para a Europa (Alemanha, Holanda e Reino Unido), de onde volta para a fábrica de Rezende-RJ, onde a geração do combustível é concluída.
(Ecodebate, 23/05/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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