Desde o México, uno-me às milhares e talvez milhões de pessoas no Brasil e no mundo inteiro que solicitam à primeira mulher a chegar à presidência de seu país, o arquivamento imediato e definitivo do projeto de construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte no rio Xingu, o qual se originou durante a ditadura militar que manteve a senhora e a outros milhares de homens e mulheres na prisão por lutarem por uma democracia que obedecesse ao mandato do povo. Mesmo essa ditadura não se atreveu a concretizar um projeto que contou desde esses anos com a oposição ativa e convicta tanto dos povos indígenas afetados gravemente, como de organizações não governamentais, organismos políticos, ambientalistas, sindicatos, associações de antropólogos, distinguidos intelectuais e das redes solidárias que fora do Brasil apoiam seus protestos legítimos e fundamentados.
Os trabalhos de engenharia em Belo Monte, que propõem dois mega-desvios canalizados do leito original de um dos dois principais afluentes do Amazonas, com escavações comparáveis às realizadas para a construção do Canal do Panamá, impactariam a vida dos povos indígenas assentados na ribeira do rio Xingú e regiões adjacentes, que perderiam seus territórios – base material da existência e reprodução como entidades coletivas -, recursos naturais, inclusive a água, formas tradicionais de organização social, economia e subsistência, assim como o acesso à navegação fluvial; também provocaria a migração abrupta para a região de 100 mil pessoas pelo menos, com o caos social e humano que isso representa; a morte de milhões de peixes, aves e outras espécies animais, a perda irreparável de uma rica e variada biodiversidade. Em suma, trata-se de um etnocídio e um ecocídio, ambos crimes de lesa humanidade.
No dia 1º de fevereiro de 2010, antes que questões centrais de avaliação do impacto da obra fossem esclarecidas, o Ministério do Meio Ambiente concedeu Licença Prévia com 40 condicionantes até hoje não cumpridas. Não obstante, no dia 26 de janeiro de 2011 foi emitida uma “Licença de Instalação Parcial” (instrumento jurídico que não existe na legislação brasileira) para as atividades preparatórias associadas à obra, demandada com urgência pelos grupos de pressão das companhias de construção pesada e de engenharia, empresas de consultoria e prestadoras de serviços, fornecedores de maquinas e equipamentos diversos, além das corporações de alumínio e setores eletrointensivos que apoiam o complexo hidrelétrico. Precisamente, uma das críticas mais agudas a Belo Monte consiste no fato de que o governo financiará os elevados custos da obra com dinheiro dos contribuintes brasileiros para subsidiar com energia as empresas dedicadas principalmente à exportação de alumínio.
O Governo que a senhora preside está obrigado a cumprir a legislação nacional e jurisprudência internacional que estabelecem a consulta de boa fé, livre, informada dos povos indígenas afetados por obras como a de Belo Monte. Não obstante, constata-se que as audiências públicas – nas quais a construção da hidrelétrica se apresenta como um fato consumado -, foram uma farsa, motivo pelo qual os indígenas têm abandonado as reuniões a fim de evitar a simulação de que estavam sendo realmente consultados.
A construção da barragem de Belo Monte significaria o triunfo de uma perspectiva desenvolvimentista, etnocida e ecocida por parte de um governo que se autoqualifica comoprogressista e que provém, paradoxalmente, de um partido de trabalhadores. Como economista, a senhora sabe que o desenvolvimentismo obedece finalmente aos interesses de grupos corporativos que buscam os maiores benefícios para suas empresas sem importarem-se com os custos sociais, culturais e com os danos irreversíveis ao meio ambiente. Precisamente, Eduardo Gudynas, pesquisador do Centro Latinoamericano de Ecologia Social do Uruguai, acaba de escrever um importante artigo, Dez teses urgentes sobre a nova exploração ambiental, contextos e demandas sob o atual progressismo sul-americano, em que são analisados os fundamentos das políticas que expiram os governos da esquerda institucionalizada na realização de planos como o de Belo Monte, que – por certo – foi apoiado por seu antecessor, o presidente Lula, ao ponto de lideranças indígenas o declararem “inimigo”.
Das teses de Gudynas, ressalto as seguintes: “1. Persiste a importância dos setores exploradores ambientais como um pilar relevante dos estilos de desenvolvimento; 2. O progressismo sul-americano gera uma exploração ambiental de novo tipo, tanto por alguns de seus componentes como pela combinação de velhos e novos atributos; 3. Observa-se uma maior presença e um papel mais ativo do Estado, com ações tanto diretas como indiretas; 4. A neo-exploração ambiental serve a uma inserção internacional subordinada e funcional à globalização comercial e financeira; 5. Segue avançando o processo de fragmentação territorial, com áreas relegadas e enclaves de exploração associados aos mercados globais; 6. Mais além da apropriação dos recursos, reproduzem-se as regras e o funcionamento dos processos produtivos tendentes para a competitividade, eficiência, maximização da renda e externalização dos impactos; 7. Mantêm-se e em alguns casos se agravam os impactos sociais e ambientais dos setores da exploração ambiental; […] l0. A neo-exploração ambiental é parte de uma versão contemporânea do desenvolvimentismo própria da América do Sul, onde se mantém o mito do progresso sob uma nova hibridação social e política”.
Presidenta Dilma Rousseff, para o caso de Belo Monte, a senhora tem duas opções: escutar a voz dos povos, ou dar plena vazão ao projeto de um Brasil dos e para os poderosos.
Gilberto López y Rivas
Fonte original: Fonte: http://www.jornada.unam.mx/2011/01/29/index.php?section=opinion&article=019a1pol
Versão para o Português: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=3554.