O aniversário de SP e a revisão da história

Editorial – No dia em que completou 457 anos, S. Paulo parece ter se dado conta da necessidade da revisão de sua própria história, a começar, pela mudança do significado de palavras como “bandeirantes”, “bandeiras”, e a rever o papel histórico de certos personagens, cuja aura de heroísmo, só se sustenta em séculos de lavagem cerebral e na ignorância da história.

Assim, personagens como os bandeirantes Raposo Tavares (que dá nome a uma das mais importantes rodovias paulistas), Fernão Dias (o caçador das esmeraldas) e Domingos Jorge Velho (o comandante da expedição mercenária que devastou o Quilombo dos Palmares, em 1.695, e assassinou o líder Zumbi), começam a perder a fama de heróis indomáveis, desbravadores dos sertões.

Seus nomes passaram a estar associados à violência, a assassinatos com requintes de crueldade, e à escravização e a morte das populações indígenas, que habitavam o Planalto nos séculos XVI e XVII e XVIII. A escravização, a morte de indígenas e negros caçados (“preados’, como se dizia) nas matas era o padrão nada edificante desses personagens, sobre os quais se ensina nos bancos escolares serem responsáveis por grandes feitos.

De acordo com o relato de jesuítas “na longa caminhada até S. Paulo, chegam a cortar braços de uns [índios] para com eles açoitarem os outros”. E mais: “matam os velhos e crianças que não conseguem caminhar, dando de comida aos cachorros”.

Historiadores passam a lembrar que o mito dos bandeirantes paulistas – assim como o mito da democracia racial – são obra e produto de séculos de propaganda, lavagem cerebral mesmo, puro marketing. A imagem heróica serviu para a ascenção dos cafeicultores paulistas à elite econômica brasileira no final do século XIX. Não por acaso, a sede do Governo paulista chama-se Palácio dos Bandeirantes.

“A partir de 1903, essa orientação foi incorporada à política e o governo estadual passou a bancar obras de arte que apoiassem essa aura mítica. Com o passar dos anos, o mito foi sendo incorporado a outros grupos, que queriam se associar a essa imagem de coragem. Entram aí os constitucionalistas de 1.932, o governo Vargas e até a ditadura militar”, relatam Ricardo Mioto, SabineRighetti e Giuliana Miranda, em artigo para o Jornal Folha de S. Paulo, na edição comemorativa do aniversário.

O líder indígena Marcos Terena, em seu blog, lembra que “as Entradas e Bandeiras que aprendemos nas escolas primárias como heróis, foram exércitos de malfeitores que invadiram terras indígenas e destruíram vários povos”.

S. Paulo conta ainda hoje com cerca de 50 mil indígenas – de cerca de 30 nações diferentes – espalhados na região metropolitana, de acordo com levantamento da ONG Opção Brasil, para a Agenda Indígena, da Comissão Intersecretarial de Monitoramento e Gestão da Diversidade (CIM-Diversidade), da Secretaria do Trabalho de S. Paulo, em 2007.

Com números mais conservadores, o IBGE admite a existência de cerca de 35 mil indígenas vivendo na Grande S. Paulo, 25 mil apenas na capital paulista.

Um outro dado que não deixa de ser muito revelador é que, embora seja a cidade com maior população negra do mundo fora da África (é superada apenas pelas cidades de Lagos, na Nigéria, e Cairo, no Egito), com cerca de 3,7 milhões de afro-brasileiros (a população negra corresponde a 30,3% dos 11,2 milhões de habitantes, segundo a Fundação Seade), os negros são os sem espaço.

Na Edição especial SP-457 anos da Folha, o jornal destaca o peso da presença de alemães, italianos, japoneses, nordestinos, judeus, chineses, coreanos, inclusive, destacando os bairros com presença majoritária dessas comunidades. Não há uma única menção a presença negra, nem onde residem os afro-brasileiros.

Neste caso, seria fácil: bastaria percorrer a periferia da cidade, as favelas mais afastadas. Lá estão os quase 4 milhões de afro-brasileiros da cidade, submetidos à condições de desemprego, moradias precárias, à mercê das intempéries e das enxurradas, da violência da polícia, e sobrevivendo com bicos, na informalidade, ocupando o espaço da sub-cidadania.

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