Por Juliano Gonçalves Pereira*
Milagre existe?
Os últimos dias temos defrontado com a morte de forma mais sistemática, situação que provoca o despertar de ações nobres da referência humana que nos distancia das demais espécies animais, ao passo que também nos confortam com o paradoxo do ser humano que percebem nas tragédias uma oportunidade para lucrar financeiramente.
Fico perplexo com as pessoas na TV se sensibilizando pelas famílias que perderam tudo o que tinha na tragédia da população serrana do Rio de Janeiro, as lágrimas, as mobilizações, a mídia dando informes a todo o momento e a construção de uma enorme corrente de solidariedade que atravessou o país, atingindo outros países pela capacidade uma de fazer o bem. Nem parece que naquele mesmo estado há alguns dias atrás víamos tanques de guerra nas ruas, e uma grande quantidade de pessoas desesperadas por não poderem voltar para casa por causa dos conflitos entre traficantes e polícia. É assustadora a capacidade de esquecimento da mentalidade humana. Talvez seja um subterfúgio, talvez uma característica cultura do esquecimento rápido do tempo moderno que vivemos.
Como estão as mães que perderam seus filhos no conflito com os policiais?
As mulheres e filhos que ficaram, viúvas e órfãos pelas balas perdidas?
Ou ainda como e onde estão as pessoas que tiveram que abandonar o morro pelo novo projeto de sociedade e civilização preparado para copa e para as olimpíadas?
Essa semana recebemos a triste notícia de mais um jovem amigo que foi morto a tiros por vândalos contemporâneos em nossa pacata cidade no interior do norte de Minas Gerais, situação que segundo os registros continuam acontecendo diariamente no interior dos morros e favelas do Rio, sem falar nos deslizamentos e mortes por falta de infra estrutura que garanta o direto a vida das pessoas neste país.
A causa da morte desse jovem montesclarence citado acima, disseram que foi acerto de contas, outros, que foi disputa por poder na venda de drogas, resumindo, menos um para dar problemas ao município e a polícia. Nossa facilidade de esquecimento é extraordinária, é claro, menos para os familiares e especial para a mãe que levará por toda sua vida o trauma da perda de seu filho que não mais existe. 16 anos, apenas 16 anos, pouco tempo para saborear a plenitude da vida e suas possibilidades, realidade que circula e se restringe para boa parte da população jovem brasileira.
Tenho perguntado aos meus amigos se esse mundo tem jeito de ficar melhor, infelizmente a perspectiva weberiana da sociedade tem tido mais forças. Recordo de uma notícia que cabe usar aqui para justificar essa tendência pessimista da sociedade refletida por Weber. Alguns comerciantes das cidades atingidas pela chuva no Rio de Janeiro, vendo a necessidade da população superfaturam os utensílios de maiores necessidades, como vela e água, paradoxo humano que se juntam para ajudar e lucrar. Talvez fazer uma leitura por esse caso isolado de vendas superfaturadas, como anunciou o repórter, seja muito pessimismo de minha parte, já que as ações de solidariedade que se formaram em todo país, poderiam melhor sintetizar a pessoa humana contemporânea, é, realmente poderia, mas não posso deixar de mencionar os milhares de toneladas de doações que foram desviados na campanha para as famílias de Santa Catarina, e que podem também estar sendo desviadas nesse momento das famílias do Rio, como fazem nos portos de exportação com as cargas de grão denunciado ontem pelo jornal.
Na realidade, não dar para fazer uma leitura positiva do comportamento humano dessa primeira década do século XXI. A geração do WWW tem se distanciado de qualidades e virtudes importantes da natureza humana que são necessárias para um novo rumo social. A esperança, fé, dignidade são termos que não chamam mais atenção de nossa mocidade. Talvez só um milagre para mudar o curso desse tempo. O problema é que para haver milagre é necessário ter fé, aí podemos esperar sentados, pois essas ações não estão inseridas nas perspectivas juvenis contemporâneas.
Na relação que meus irmãos têm com seus filhos, percebo que a tendência será sempre mais para o distanciamento entre as relações humanas. Dificilmente eles conseguirão estabelecer uma proximidade que nossos país conseguiram conosco, e isso é assustador.
Ao passo que nos familiarizamos com a morte, ou com a racionalização das tragédias contemporâneas, estabelecemos e criamos a sociedade de nossos filhos e netos e o mundo do presente. Meu medo é que nem um milagre seja capaz de solucionar nossas angústias.
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*Juliano Gonçalves Pereira é Negro; Militante do Movimento Social Negro; Educador formado em Educação Física pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES; Pesquisador, Cotista; Acadêmico do Curso de História do Instituto Superior Ibituruna/ISEIB; Membro do Centro Cultural Capoeirando, Membro do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Montes Claros/MG; Bailarino do Grupo de dança Compassos; Compositor; Escritor, Conselheiro Nacional de Juventude – CONJUVE; Membro da Coordenação Nacional do Fórum de Juventude Negra, Membro da Comissão de Jovens do Conselho Metropolitano de Montes Claros e Consultor do PNUD/ONU em Segurança Pública e Igualdade Racial.