Ai de vós, doutores da Lei, que tomaste a chave da ciência, e vós mesmos não entrastes e impedistes aos que vinham para entrar. Lucas (11.12)
É com imenso pesar que noticiamos mais uma morte no município de Monte Santo, ao que tudo indica, resultado do conflito agrário na comunidade de fundo de pasto da Serra do Bode. Antonio do Plínio, como era conhecido, foi morto a tiros e, segundo as informações que nos chegam, teve a cabeça degolada, num ato de crueldade que deixa pistas sobre a verdadeira intenção dos algozes: silenciar pelo medo os trabalhadores rurais que resistem às tentativas de grilagem das áreas de Fundos de Pasto na região.
Em 30/06/2010 a comunidade foi surpreendida com uma medida liminar, expedida pelo Juiz de Direito da Comarca de Monte Santo, determinando a reintegração de posse da área para um indivíduo cuja qualificação no processo indica residir na Pituba, em Salvador. Em 17/12/2010, a Desembargadora Daisy Lago Ribeiro Coelho negou a suspensão da liminar, em agravo de instrumento, mesmo com os alertas sobre a possibilidade de conflitos mais graves na comunidade.
Ainda não temos maiores informações sobre as demais circunstancias da morte do Sr. Antonio, razão pela qual não podemos entrar em maiores detalhes.
Fica, no entanto, a certeza de que lutaremos até o fim que mais esta morte não tenha sido em vão, pois somente com a Terra Livre é que poderemos ter paz no campo. Segue abaixo um breve relatório com o resumo do conflito.
Monte Santo, 07 de janeiro de 2011
Equipe Executora do Centro de Referencia em Assessoria Jurídica Popular às Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto, Quilombolas e Pescadores Artesanais de Monte Santo e Região.
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CENTRO DE REFERÊNCIA EM ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR ÀS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE FUNDO DE PASTO, QUILOMBOLAS E PESCADORES ARTESANAIS DE MONTE SANTO (BA) E REGIÃO [PROJETO DE EXTENSÃO – UEFS]
RELATÓRIO SOBRE O CONFLITO NA COMUNIDADE SERRA DO BODE – MONTE SANTO-BA
Em 18/12/2006 os membros da comunidade de fundo de pasto Serra do Bode, representados pela respectiva Associação Comunitária, requereram à Coordenação de Desenvolvimento Agrário da Bahia o georreferenciamento da área coletiva de fundo de pasto, no intuito de formalizar e regularizar a posse comunitária de 1.028,3885 ha.
Em 23/10/2007, a área foi georreferenciada, com ampla divulgação e notificação dos confrontantes, conforme Edital publicado pela CDA. Até esta data, não houve nenhum questionamento no que se refere ao uso da área para criação de animais por pequenos criadores da comunidade, em regime de fundo de pasto. Não houve também nenhum questionamento dos confrontantes quando ocorreu a discriminatória da área. O título definitivo ainda não foi concedido em razão da determinação da Procuradoria Geral do Estado que nenhum título fosse concedido até que houvesse adequação ao determinado no art. 178 da Constituição do Estado da Bahia, que indica ser o Contrato de Concessão Real de Uso o instrumento adequado para a titulação das comunidades de fundo de pasto.
Durante o ano de 2009, entretanto, alguns indivíduos passaram a circular pela área coletiva alegando serem proprietários desta. Apesar de alertados de que se tratava de um fundo de pasto, registraram diversas queixas perante o Delegado Local afirmando que membros da comunidade da Serra do Bode haviam “invadido” a área. Após algumas audiências, contando inclusive com a presença do procurador jurídico da CDA, foi esclarecido ao Delegado que se tratava de terra pública, discriminada, e que não havia motivo para conflito.
Entretanto, o Sr. José Dantas de Andrade, conhecido por “Zezito”, que alegava ser representante do pretenso proprietário da área, não conformado, pôs-se a retirar estacas da mata nativa do fundo de pasto, chegando a um número não confirmado de mais de 300 estacas; a diretoria da Associação Comunitária formalizou queixa de crime ambiental junto ao IMA – Instituto de Meio Ambiente do Estado da Bahia, que fez vistoria no local e expediu multa, em nome do Sr. José Dantas, em razão da confirmação do dano.
Em 30/06/2010 a comunidade foi surpreendida com uma medida liminar, expedida pelo Juiz de Direito da Comarca de Monte Santo, determinando a reintegração de posse da área em nome de José Francisco Dantas, indivíduo cuja qualificação no processo indica residir na Pituba, em Salvador, e que apresentou para tanto Escritura Pública lavrada no cartório de registro civil com base numa Ação de usucapião da área. Ocorre que a sentença é datada de 14/05/2009, ou seja, em data posterior a Ação Discriminatória, e nenhum dos confrontantes que pertencem à Associação Comunitária foi citado em decorrência da referida Ação. O Ministério Público também não foi citado na Ação de Reintegração de Posse.
A Equipe deste Centro de Referência ingressou com Agravo de Instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia em 24/09/2010, tempestivamente, tombado sob o nº 70213-0/2010, alegando as razões já referidas acima e anexando toda a documentação referente à Ação Discriminatória promovida pela CDA, além da comprovação da condição de posseiros dos trabalhadores rurais da comunidade. No mesmo sentido, protocolou contestação na Ação de Reintegração de Posse, tombada na Vara Cível da Comarca de Monte Santo sob o nº 0000307-71.2010.805.0168. Foi solicitada ainda a cópia da Ação de usucapião, de forma a garantir uma Ação Rescisória dentro do prazo legal.
Até o momento, não houve despacho nem no Agravo de Instrumento, tampouco na Ação de Reintegração de Posse no sentido de apreciar/reconsiderar a decisão liminar. O Sr. José Dantas de Andrade informou na comunidade, no início da semana anterior, que levaria um trator para a área para derrubar a vegetação; em reunião na última sexta feira (12/11) os membros da comunidade presentes informaram que não estão dispostos a deixar o trator adentrar a área.
Cumpre, neste sentido, ao Judiciário, ao Ministério Público, ao INCRA, CDA e demais órgãos responsáveis colaborarem para que seja encontrada solução pacífica e célere para a questão. É o que requerem e esperam as famílias envolvidas.
Monte Santo, 18 de novembro de 2010
Equipe Executora do Centro de Referência em Assessoria Jurídica Popular às Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto, Quilombolas e Pescadores Artesanais de Monte Santo (BA) e Região
É necessário que as comunidades de fundos de pasto se organisem para realizar manifestos e mostrar que não estão sazinhos
É o quinto assassinato em fundos de pasto em menos de 3 anos.
Acho que nossas denúncias e os esforços no campo jurídico não tem sido suficientes. O movimento e todos os que os apoiamos precisamos pensar em novas estratégias. Lamentável. Nem sei o que dizer. O que dizer para os companheiros que estão na linha de tiro?