Folha de São Paulo, C4, 25/10/2010.
RESUMO: Há dois meses o pescador Alexandre Anderson, 40, vive sob proteção policial, por meio do programa federal para proteção de defensores dos direitos humanos. Ele afirma ter sofrido três atentados em razão dos protestos que organizou contra obra da Petrobras, na baía de Guanabara. De acordo com ele, as intervenções no local afetaram a produção da pesca em Magé, a 60 km do Rio, e não houve compensação por parte da empresa.
Depoimento a ITALO NOGUEIRA, DO RIO
Servi o Exército em 1988, trabalhei no cais do porto do Rio e depois como assistente administrativo de uma empresa. Em 1998 vim morar com meus pais na praia de Mauá, em Magé.
Adotei a pesca como trabalho aqui, por falta de outras oportunidades na cidade. É longe da capital, o transporte é caro e não há indústrias para absorver a mão de obra.
Nós, pescadores, começamos a sentir o efeito da presença constante de embarcações fazendo testes na baía de Guanabara a partir de 2003. Identificamos que haveria grandes intervenções na área onde pescávamos. Por isso, nos unimos.
Hoje a Ahomar [Associação Homens do Mar, que ele preside], fundada em 2007, tem 830 associados em sete municípios do Rio e participa do licenciamento dessas obras. Noventa delas são da Petrobras, que tenta fazer da baía de Guanabara uma grande planta industrial.
O projeto GNL [para transporte de gás natural, concluído em 2009] fez dutos submarinos que ligam a Reduc [Refinaria de Duque de Caxias] ao terminal que fica no meio da baía, justamente num dos melhores pontos pesqueiros.
Esse projeto já nos causou 70% de queda no pescado. Isso se agravou com o projeto GLP [dutos para escoar gás de cozinha]. Hoje a pesca na região está impraticável.
Participamos das audiências públicas e alertamos para essa situação. Mas, mesmo reconhecendo o impacto, o Consórcio GLP Submarino e a Petrobras não propuseram nenhum acordo.
No dia 9 de abril do ano passado, iniciamos um protesto em que nós, pescadores, lançamos redes nas áreas onde tínhamos atividades e impedimos a evolução dos dutos para o mar. Sofremos ataques, prisões, processos de criminalização.
A obra ficou parada por um ano. Hoje vivenciamos o término do projeto GLP. Dois companheiros nossos morreram nesse período.
Um foi morto logo após conseguirmos a interdição do canteiro de obras do projeto GLP na praia de Mauá [em maio de 2009]. O segundo, um dia depois de protocolar documento na Petrobras denunciando a presença de homens armados no canteiro de obras.
Sofri a primeira ameaça na madrugada de 1º de maio de 2009. Chegando da pesca, vi dois homens caminhando na minha direção. Eles começaram a atirar, mas consegui fugir de lá. Fiquei numa comunidade na Ilha do Governador [no Rio].
Em julho deste ano, estava em casa quando vi dois homens circulando. Chamei a polícia. Quando ela chegou, houve troca de tiros.
No dia 1º de setembro deste ano, um major do GAM [Grupamento Aéreo Marítimo da Polícia Militar do Rio] esteve na sede da Ahomar tentando me levar. Era um sequestro, pois não havia mandado nem acusação formal. Só não conseguiram porque havia muitos pescadores. Não sei se seria uma ida para a delegacia ou para um ato de violência.
A partir disso tive escolta 24 horas por dia. Vão comigo a médico,mercado…
Não posso recuar nesse momento. Estou condenado à morte por milicianos, policiais e empresários inescrupulosos. Mudei minha vida. Tenho um filho na Coreia do Sul e outro em outra cidade. Só vivemos eu e a minha mulher. Sabemos que a qualquer momento podemos sofrer um ataque.
Nessa situação, não consigo mais ver meus amigos. Não podemos ir a um aniversário ou uma festa.Não sei se teremos Natal ou Ano Novo. Nossa família hoje são os policiais do 34º Batalhão da Polícia Militar, de Magé, que tomam conta do nosso sono. Nossa vida é casa, trabalho e esporadicamente ir a Brasília fazer relatórios.
Se a Petrobras não gerou essa situação, ela tem total responsabilidade porque é um empreendimento dela.
As executoras estão ali por permissão dela.Se não há fiscalização, acredito que haja ao menos omissão, porque a Petrobras tem todo o histórico do caso.
A violência está se intensificando. Isso não fica nada bonito para a Petrobras, que prega tanto sua responsabilidade socioambiental
O Outro Lado: Petrobras diz manter contato com pescadores
A Petrobras afirmou que mantém reuniões regulares com os pescadores para atender à demanda do grupo. Ela não comentou as afirmações de Alexandre Anderson que vinculam a empresa às mortes e ameaças ocorridas após os protestos.
“A Petrobras mantém diálogo regular com as lideranças das comunidades de pescadores, com reuniões mensais para a discussão das suas demandas. A companhia reafirma seu compromisso com o meio ambiente e a segurança e saúde das comunidades em que está presente”, informa a nota.
O Consórcio GLP Submarino, que executa a obra, disse que não comentaria o caso.
A assessoria de imprensa da PM do Rio afirmou desconhecer a tentativa de prisão sem mandado por parte de um major do GAM. A PM disse ainda que atua apenas quando acionada pela Petrobras ou pela associação de pescadores “para manter a ordem e conter distúrbios”.
A Polícia Civil do Rio disse que o vínculo entre as ameaças sofridas por Anderson e as duas mortes de pescadores envolvidos nos protestos contra a Petrobras ainda não foi comprovado.
Anderson está há dois meses sob proteção policial por determinação do Governo Federal.
leandro francesco viana cardone,advogado número do processo :2007.032.005007-7. ferrovia centro atlantico s/a e vale do rio doce s/a
Gostaria muito do contato desse pescador para uma entrevista.