Hidrelétricas: hecatombe para o Pantanal. Entrevista com Telma Monteiro

Pantanal. Foto: Embrapa
Foto: Embrapa A instalação de um complexo hidrelétrico no Pantanal altera o regime de fluxo das águas, além de toda a base da economia regional, inclusive da Bolívia, Argentina e Paraguai

Por: Patrícia Fachin

Parte da água do Pantanal é alimentada pela sub-bacia do Rio Cuiabá, afluente do Rio Paraguai, o qual “já sofre alterações significativas que ameaçam o equilíbrio do Pantanal”, aponta Telma Monteiro, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo a ambientalista, o projeto de instalação de mais de cem hidrelétricas na Bacia do Alto Paraguai “irá alterar ainda mais as características dos tributários do Rio Cuiabá, que já tem várias barragens”.

Segundo a pesquisadora, a situação do ecossistema já pode ser considerada grave e, em alguns trechos de rios na divisa do Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, “já não é mais possível navegar com pequenas embarcações”.

Além de prejuízos ao meio ambiente, Telma Monteiro menciona que a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs nos rios do ecossistema afetará a vida da população local. Agricultores familiares e aqueles que dependem do turismo pesqueiro serão os mais afetados. “Existe um número expressivo de ribeirinhos que vivem da pesca turística. Há, inclusive, um cálculo aproximado que, somente em Corumbá, que é uma cidade de 100 mil habitantes, 15 mil pessoas dependem direta ou indiretamente dessa atividade”, menciona. Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

IHU On-Line – Que aspectos mostram, na sua avaliação, que o Pantanal está ameaçado?

Telma Monteiro – Observe que parte da água do Pantanal é alimentada pela sub-bacia do rio Cuiabá, afluente do rio Paraguai. Essa sub-bacia da Bacia do Alto Paraguai já sofre alterações significativas que ameaçam o equilíbrio do Pantanal. Portanto, se o governo planeja instalar mais de cem empreendimentos hidrelétricos nesta bacia, no norte do Mato Grosso, irá alterar ainda mais as características dos tributários do rio Cuiabá, o qual já possui várias barragens. Fica óbvio que isso vai agravar ainda mais o desequilíbrio de uma área úmida de mais de 150. 000 km2. A situação já é grave o suficiente a ponto de haver trechos de rios na divisa de Mato Grosso com Mato Grosso do Sul, em que já não é mais possível navegar com pequenas embarcações e se percebe que a quantidade de peixes está diminuindo e os níveis dos rios sofrem muito mais variações. As Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, já em operação, são responsáveis, hoje, por alterações gravíssimas na qualidade das águas e na reprodução dos peixes devido aos obstáculos à piracema.

IHU On-Line – Quais são os principais atores envolvidos na questão dos impactos ambientais da região pantaneira?

Telma Monteiro – Acredito que quando você fala em atores, entendo que quer dizer aqueles que sofrerão diretamente os impactos da construção desse grande sistema de barragens planejado. Então, podemos mencionar os agricultores familiares e aqueles que sobrevivem do turismo pesqueiro, principalmente. É importante divulgar que existe um número expressivo de ribeirinhos que vivem da pesca turística. Há, inclusive, um cálculo aproximado que, somente em Corumbá, que é uma cidade de 100 mil habitantes, 15 mil pessoas dependem direta ou indiretamente dessa atividade. Toda a economia da região será afetada uma vez que é crescente o número de famílias que depende da pesca turística. Outra atividade que é ignorada nesse caso é a dos coletores de iscas. Aí também o número é difícil de ser calculado, pois envolve Paraguai e Bolívia, e deve ultrapassar 50 mil pessoas. A pesca turística é a atividade que mais gera emprego e renda na região. Populações das cidades também dependem dessa economia se considerarmos hotéis, barcos, etc.

IHU On-Line – Em que região do Pantanal a situação ambiental está mais crítica?

Telma Monteiro – Um dos pontos mais críticos é no rio Correntes localizado nas divisas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No entanto, hoje, fica patente que os 115 ou 116 barramentos planejados para a Bacia do Alto Paraguai incluirá toda a planície pantaneira em área de risco. Apesar de o Pantanal ser patrimônio da humanidade, não houve preocupação por parte do governo no sentido de evitar uma catástrofe sem precedentes. A construção de PCHs é um grande negócio rentável que usufrui de isenção de impostos e recursos públicos com carência e juros subsidiados.

IHU On-Line – Quais as implicações da instalação de um complexo hidroelétrico no Pantanal, em especial no estado do Mato Grosso?

Telma Monteiro – Veja que a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai é transfronteiriça. A Bolívia, o Paraguai e a Argentina também compartilham dessa riqueza natural. As ameaças da instalação de um complexo hidrelétrico que, na verdade, será um verdadeiro sistema lacustre, uma sucessão de lagos, irá alterar toda a base da economia regional, inclusive da Bolívia e das regiões a jusante, pertencentes ao Paraguai e à Argentina. Terão consequências certas para o regime de fluxo das águas causadas pela sucessão de barragens. Além do mais, esqueceram de considerar os impactos mais amplamente reconhecidos: os que incidem sobre a migração de organismos. As barragens impedem a migração reprodutiva de peixes causando a diminuição e até a extinção de inúmeras espécies. Eu já afirmei isso em artigo e reforço: será uma verdadeira hecatombe para o bioma do Pantanal. O Mato Grosso já sofre muito com a míngua do regime de inundações dos seus rios. As PCHs em construção estão levando a conflitos sérios com os indígenas que denunciam, com razão, a escassez de peixes e a turbidez das águas. Exemplo disso é a revolta das etnias na região de Aripuanã.

IHU On-Line – Qual é o efeito cumulativo da construção de PCHs no Pantanal?

Telma Monteiro – Os efeitos cumulativos e sinérgicos de PCHs no regime fluvial dos rios de Mato Grosso têm sido a principal preocupação de ambientalistas, movimentos sociais e Ministério Público. E não é apenas com relação ao Pantanal. Estudos científicos apontam diversos aspectos que não têm sido analisados pelos órgãos ambientais encarregados do licenciamento desses empreendimentos e que não medem de forma adequada os impactos ambientais e sociais decorrentes da pusilânime exploração de potenciais energéticos. Essa questão da construção indiscriminada de PCHs sem os necessários estudos sinérgicos é de grande relevância dada à amplitude territorial de sua localização.

IHU On-Line – Em que consiste, especificamente, o complexo de hidrelétricas Teles Pires? Como a população do Mato Grosso do Sul está se manifestando diante desse empreendimento?

Telma Monteiro – Na verdade, essa questão do Teles Pires mereceria uma entrevista especial devido à sua incrível complexidade. Mas vou tentar dar em poucas linhas uma ideia do que ela consiste. Foram inventariados aproveitamentos potenciais na bacia hidrográfica do rio Teles Pires. O governo vem com o discurso rançoso de que fazer hidrelétricas no Teles Pires é importante, estrategicamente, para o atendimento satisfatório das necessidades de desenvolvimento socioeconômico do país. A região que escolheram é constituída por ambientes naturais relativamente preservados e por terras indígenas. São notáveis as peculiaridades dos ecossistemas amazônicos e elas são proporcionais, também, às restrições legais afetas ao meio ambiente e à atuação das organizações em defesa do meio ambiente e da manutenção da biodiversidade. No entanto, o Ministério de Minhas e Energia – MME faz ouvidos moucos e atua no sentido de apoiar a viabilização desses projetos, tentando aliciar representantes de movimentos da região em busca de apoio. As denúncias estão aí, todos sabem disso. O plano é fazer a primeira usina, a UHE Teles Pires, no baixo curso do rio Teles Pires, divisa entre os estados de Mato Grosso e do Pará, no limite a jusante de uma sequência de corredeiras e cachoeiras conhecidas como Sete Quedas, na divisa dos municípios de Jacareacanga, no estado do Pará, e Paranaíta, no estado de Mato Grosso. Como se pode prever e eu até escrevi sobre isso, mais uma Sete Quedas poderá desaparecer no Brasil. Aliás, é uma benção que o país tenha sido presenteado com duas Sete Quedas. A primeira foi destruída com Itaipu e agora estamos na iminência de perder a outra. Mas, voltando ao nosso ponto, o estudo de inventário hidrelétrico da bacia do rio Teles Pires indicou seis aproveitamentos, com uma geração total provável 1.961 MW médios e uma potência instalada de 3.697 MW. Esses aproveitamentos são os seguintes: São Manoel, Teles Pires, Colíder, Sinop, Magessi e Foz do Apiacás. Pode-se ter ideia do que isso significa para a bacia do Teles Pires: outra hecatombe. A proximidade entre as usinas, a distância entre os eixos, é aproximadamente 40 km, o que faz com que os impactos sejam multiplicados e concentrados.

IHU On-Line – O que esses empreendimentos hidrelétricos significam para o país?

Telma Monteiro – Significa que definitivamente estamos abrindo mão do nosso patrimônio natural, da biodiversidade, em troca da energia elétrica. Segundo dados, a economia do Brasil cresceu 5,4%, e o consumo de energia elétrica aumentou 5,8%. Recentemente li que a projeção do aumento do consumo poderá chegar a mais de 7%. Já se está criando uma justificativa, um ambiente propício para a inserção de termoelétricas, também. Aquelas que o governo disse que poderia dispensar se fossem licenciadas as hidrelétricas na Amazônia. Estou com uma apresentação feita pelo Operador Nacional do Sistema – ONS em que se afirma que as termoelétricas serão, sim, construídas. Porém, em função desses e de outros dados (aumento do consumo), o governo tem feito projeções de consumo de energia. Para atender a isso que ele chama de consumo, mas que é na verdade uma demanda criada artificialmente, há necessidade de acrescentar planos em cima de planos para geração de energia calcada apenas em usinas hidrelétricas em biomas que são verdadeiros tesouros – parafraseando o professor Sevá, sobre o Xingu. O aproveitamento de diversas outras fontes fica comprometido, pois as metas dos planos do governo não priorizam incentivos, para o desenvolvimento em escala, necessários para estimular a indústria de outras tecnologias de geração.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Telma Monteiro – Sim. Vale refletir sobre o alcance social e a complexidade técnica desses chamados “potenciais hidrelétricos”. Então, estamos chegando a um ponto de onde não se tem mais retorno e isso pede urgentemente uma discussão aprofundada sobre o modelo atual de desenvolvimento. Se chegarmos a esse ponto, estaremos condenando definitivamente os nossos rios, biomas, ecossistemas, sobrevivência das populações tradicionais. Sei que é um discurso batido, desgastado e, para falar a verdade, sinto que as pessoas, na maioria das vezes, me acham chata por insistir nele. Porém, não tenha dúvida, é preciso encontrar eco na sociedade. Não só na sociedade como nos órgãos diretamente relacionados aos processos de licenciamento desses empreendimentos como Ibama, Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia, Agência Nacional de Águas, Empresa de Pesquisa Energética e da Secretaria de Recursos Hídricos e inclusive o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Todos eles estão trabalhando da mesma forma como é feito o planejamento de complexos hidrelétricos nos rios brasileiros: sem sinergia. Só para concluir, foi proibida a venda de carvão para siderúrgicas da região do Pantanal. É o maior fator de desmatamento. A medida do carvão foi anunciada na semana passada. Esperemos que seja respeitada!

http://www.ecodebate.com.br/2010/10/05/hidreletricas-hecatombe-para-o-pantanal-entrevista-com-telma-monteiro/

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.