Doença fatal leva até 40 anos para se manifestar em trabalhadores expostos ao mineral
Lucia Fernanda – Assembleia de Minas
Maria do Carmo Vieira de Souza vivenciou em sua família os efeitos que o amianto pode causar à saúde de uma pessoa. Ela é presidente da Associação Mineira de Expostos ao Amianto (Amea), entidade que criou em 2005 após a morte de seu pai, Nelson Vieira de Souza, vítima de mesotelioma (câncer da pleura). O caso foi o primeiro em Minas Gerais a ser divulgado como comprovadamente relacionado à exposição ao amianto. O uso dessa fibra mineral – amplamente utilizada pela indústria e também em produtos de uso doméstico – foi proibido pela Lei 21.114, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2013, que determina prazos até 2023 para que a substância seja abolida do Estado.
Nelson Vieira de Souza trabalhou entre os anos de 1960 e 1964 na empresa Brasilit, na qual, segundo Maria do Carmo, atuava em diversas atividades, inclusive no preparo da massa de amianto, utilizada na produção de telhas de fibrocimento e caixas d’água.
Um laudo do Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador do Hospital das Clínicas da UFMG, feito durante o período de internação, apontou que o pai de Maria do Carmo também trabalhava como ajudante de carregamento de caminhões com telhas e caixas d’água de amianto e com lixo e restos de materiais e que a empresa não oferecia equipamentos de proteção aos trabalhadores nem assistência médica. Ainda segundo o laudo, Nelson de Souza trabalhava uma média de 12 horas por dia, seis dias na semana.
Maria do Carmo Souza conta que a doença de seu pai se manifestou 40 anos depois que ele deixou de trabalhar na Brasilit. De acordo com ela, o primeiro sinal da doença foi em fevereiro de 2005, quando seu pai sentiu uma dor no peito e desmaiou. Até junho do mesmo ano, quando faleceu aos 77 anos, Nelson de Souza teve sintomas como falta de ar, febres e dores intensas.
Conforme Maria do Carmo Souza, o pai “perdia a noção do tempo e do espaço” e precisou tomar medicamentos à base de morfina. Em 2006, a família ganhou a ação judicial movida contra a Brasilit, que foi condenada a pagar uma indenização no valor de R$ 100 mil. “O valor foi irrisório, mas nenhum valor pagaria a vida do meu pai”, diz ela.
Legislação – Na avaliação da presidente da Amea, a Lei 21.114 “demorou muito, mas ainda chegou a tempo”. Para ela, os prazos estabelecidos para que o amianto seja completamente abolido em Minas Gerais são muito longos, o que faz com que milhares de pessoas ainda possam se tornar vítimas da exposição ao mineral.
Na sua opinião, o lobby das empresas que utilizam o amianto no Brasil é muito grande, e não existe variedade do mineral que não ofereça riscos à saúde. Embora os médicos especialistas no assunto afirmem que a contaminação pelo amianto se dá somente por via respiratória, atingindo principalmente trabalhadores expostos ao pó do mineral, para Maria do Carmo Souza, nem mesmo o consumidor está livre dos riscos. “Ao longo dos anos, as telhas e caixas d’água de fibrocimento soltam um pó de amianto. Quando lavamos as caixas d’água, por exemplo, o resíduo que fica acumulado é o suco do amianto, que ingerimos depois. Isso pode provocar doenças”, defende.
Maria do Carmo Souza ainda reforça a importância do trabalho de conscientização da população, que deve conhecer os riscos provocados pelo amianto. Segundo ela, a Amea, que ainda não é uma associação legalmente constituída, busca atuar nesse sentido, além de dar apoio às famílias com pessoas contaminadas pelo mineral. “Se as gerações de hoje não compreendem o perigo, as próximas têm que compreender”, afirma.
Amianto pode estar presente na pedra-sabão
O amianto faz parte de inúmeros produtos utilizados pelas pessoas no dia a dia. Mas poucos sabem que o material também está presente em alguns tipos de pedra-sabão, rocha amplamente utilizada no artesanato mineiro, nas igrejas barrocas e nas famosas esculturas de Aleijadinho em cidades como Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas (Região Central do Estado).
De acordo com a professora da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Olívia Maria de Paula Alves Bezerra, ao ficar exposta ao sol e à chuva, a pedra-sabão forma cristais de amianto do tipo anfibólio, que surgem como um processo natural da ação do tempo.
Em 2002, em sua tese de doutorado, a professora fez uma pesquisa com artesãos da comunidade de Mata dos Palmitos, em Ouro Preto, que eram expostos à poeira da pedra-sabão. Segundo ela, entre as 117 pessoas radiografadas, foram confirmados cinco casos de uma doença pulmonar conhecida como talcose e outros onze casos suspeitos.
De acordo com Olívia Bezerra, a pesquisa não concluiu se os casos diagnosticados e suspeitos de talcose poderiam ser do tipo talcoasbestose, causado pela inalação da poeira do amianto, já que para isso seria necessária a realização de uma biópsia.
No entanto, a pesquisadora relata que a maior parte das amostras de pedra-sabão coletadas apresentaram em sua composição a presença de fibras respiráveis de amianto do grupo dos anfibólios, o que fez com que a Fundacentro (órgão ligado ao Ministério do Trabalho), responsável pelas análises, concluísse pelo grave risco de contaminação. Segundo Olívia Bezerra, os artesãos de Mata dos Palmitos ainda são acompanhados pelo grupo de pesquisa, que oferece a realização de exames periódicos e o repasse de orientações.
Na opinião da pesquisadora, apesar da possibilidade de presença do amianto na pedra-sabão, o artesanato feito com a rocha não estaria ameaçado. “O artesão tem que ter um cuidado maior, para ter acesso a uma rocha de melhor qualidade, além de receber orientação de como escolher a pedra-sabão. Mas é preciso ter cuidado para não associar automaticamente a pedra-sabão ao amianto”, alerta. Ainda segundo Olívia Bezerra, a rocha que contém amianto não é ideal para o artesanato porque é mais quebrável, e por isso não pode ser usada na confecção de algumas peças.
Para se precaver, o artesão pode pedir ao fornecedor da rocha um laudo que comprove que ela não é contaminada, bem como tentar identificar visualmente a pedra que contenha amianto. No entanto, Olívia Bezerra também esclarece que há casos em que a rocha mostra-se aparentemente normal e o artesão trabalha com o material contaminado sem saber.
Olívia Bezerra lembra que existem métodos para prevenir a inalação da poeira da pedra-sabão. Segundo a pesquisadora, o artesão deve evitar a geração de poeira, trabalhando sempre com a rocha imersa na água. Além do sistema de umidificação, ela recomenda, sempre que possível, um sistema de exaustão, para reduzir a poeira que fica no ar.
Após o estudo conduzido pela professora, uma Unidade Protótipo de Tecnologias Limpas para a Arte em Pedra-Sabão, desenvolvida pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), foi instalada em Mata dos Palmitos. Segundo Olívia Bezerra, além do trabalho a úmido e sob imersão, essa unidade possui equipamentos fechados que evitam o contato direto do artesão com a poeira. Mas de acordo com a pesquisadora, apesar de terem sido treinados para usar essa tecnologia, os artesãos ainda utilizam pouco a unidade. “O modo de fazer artesanal é cultural, histórico. Alguns artesãos ainda preferem fazer do modo tradicional”, conta.
Artesãos tomam poucas precauções
Natália Cristina Silva tem 30 anos e há três trabalha entalhando peças em pedra-sabão na feira de artesanato em frente à Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Com um cinzel em mãos, utilizado para esculpir o desenho em uma pequena peça de pedra sabão, ela conta que a atividade garante a renda da família e é desenvolvida também por seus pais e irmãos.
A artesã diz saber da possibilidade de existência de amianto na rocha e afirma que, para evitar a inalação do pó, usa uma máscara protetora. “Hoje não estou usando por causa do calor”, justificou, com o avental já coberto de pó. A artesã, que trabalha uma média de oito horas por dia durante toda a semana, diz que teme os riscos que a atividade pode causar à sua saúde, mas confessa que não se preocupa em saber com que tipo de pedra-sabão lida diariamente.
Outra artesã da feira de Ouro Preto, Cor Maria Fontes Lopes, de 50 anos, conta que apesar de conhecer os riscos que a pedra-sabão pode oferecer, não toma nenhuma medida para se prevenir. “Medo todo mundo tem, mas a necessidade é maior”, diz. Cor Maria, que se dedica à atividade há 28 anos, justifica que as máscaras protetoras lhe causam falta de ar, razão pela qual prefere não usá-las.
A artesã também não faz distinção do tipo de rocha que usa, trabalhando até mesmo quando sabe que a pedra contém amianto. Cor Maria diz que são poucas as peças com o mineral e que, na maioria das vezes, é possível “sentir a diferença” apenas tocando na pedra.
Produtor e vendedor de peças de utilidade doméstica feitas em pedra-sabão, Giovani Rodrigues, 45 anos, trabalha há 35 anos com o ofício. Ele disse que há muitos anos fala-se sobre a possibilidade da presença do amianto na pedra-sabão. Apesar da preocupação, ele garante trabalhar usando máscara, protetor de ouvido, além de água em alguns processos. “Mas não tem como não fazer poeira. Você tem que trabalhar, usar máscara e tomar as providências”, diz Rodrigues, que faz exames periódicos para acompanhar sua saúde.
O artesão explica que a pedra-sabão que contém mais amianto é a do tipo talco e que ele trabalha com a pedra do tipo granito, segundo ele mais dura e pesada. Apesar disso, assim como Natália e Cor Maria, ele não se preocupa com o tipo de pedra usada. “Se você não trabalhar com a pedra que tiver, não vai ter outra. Quem é artesão tem que pegar o que está achando”, justifica.
Foto: Giovani Rodrigues é produtor e vendedor de peças em pedra-sabão. Segundo ele, há muitos anos fala-se sobre a possibilidade da presença do amianto na rocha – Pollyanna Maliniak
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ricardo Álvares