Igor Resende, para o ESPN.com.br
Turim, Itália, nove minutos de jogo. Bola pela direita, uma ótima jogada de Viguera e o cruzamento para a área. No meio, um atacante aparece livre de marcação, sozinho, de frente para o gol. O arremate até não sai como o esperado, a bola pega meio na canela, meio no joelho, mas entra perfeitamente, sem chances para o goleiro. Era apenas o primeiro gol do duelo entre Athletic Bilbao e Torino – que acabou em um empate por 2 a 2. Mas na verdade era muito mais que um gol apenas. Era um momento histórico.
Afinal de contas, o atacante que apareceu no meio da área para empurrar a bola para as redes er Iñaki Williams, um negro. Pela primeira vez em 117 anos de história, o Athletic Bilbao comemorava um gol marcado por um jogador negro. Justamente no momento em que a Europa vive uma polêmica de racismo motivada por torcedores do Chelsea, o ‘time mais puro do continente’ quebrava uma barreira que já pareceu intransponível.
Não que o Bilbao seja racista. Na história do Athletic, trata-se muito mais de uma questão de princípios. O clube fundado em 1898 sempre foi um dos defensores ferrenhos do País Basco e por muito tempo só aceitou jogadores bascos.
A ligação mais ferrenha do Athletic com o país basco se iniciou logo em 1910. O clube possuía jogadores ingleses, mas se viu em uma polêmica para poder escalá-los. As normas da liga definiam que esses atletas precisavam de pelo menos seis meses vivendo na Espanha para poderem atuar. Depois de muitas discussões, o Athletic decidiu: a partir de então, só aceitaria jogadores bascos.
A relação se intensificou com o decorrer da história. Durante a ditadura espanhola, de Francisco Franco, o Athletic virou um símbolo de resistência do país, defendendo os ideais bascos. Alguns estrangeiros até passaram pelo clube nas décadas de 30 e 40, mas foram completas exceções. A regra, na verdade, era de barrar as contratações. Foi assim que Miguel Jones foi impedido de ser o primeiro negro a defender as cores do Athletic nos anos 50.
A honraria ficaria com Jonás Ramalho e demoraria outros 60 anos para acontecer. Com a clamada globalização, as regras do clube afrouxaram um pouco. Não eram só os ‘bascos puros’ que eram aceitos para a equipe. O Athletic abriu as portas para jogadores com descendência basca ou que simplesmente haviam nascido em uma região do País Basco, mesmo que os pais fossem de outro lugar.
Jonás nasceu no país basco, filho de uma mãe basca, mas de um pai angolano. Ele entrou em campo no dia 20 de novembro de 2011 para enfrentar o Sevilla para se tornar o primeiro negro da história do Athletic. Mas, como era defensor, não conseguiu marcar nenhum gol nas poucas chances que teve antes de ser emprestado ao Girona.
Com Iñaki Williams, porém, a história é diferente. Filho de uma mãe liberiana e de um pai ganês, ele nasceu no país basco e sempre foi visto como uma das grandes apostas da equipe. Mas, claro, nunca teve vida fácil. Precisou passar por toda categoria de base do Athletic e ainda ser o grande artilheiro da equipe B antes de conseguir sua primeira chance. Chegou também a ser vítima de manifestações racistas algumas vezes pela Internet, mas sempre contou com o apoio do técnico Ernesto Vilaverde. Um apoio totalmente recompensado neste sábado.
“Muito obrigado a todos pelas mensagens de apoio. Mais que feliz…” desabafou o próprio Williams pelo Twitter após o jogo desta quinta. Com 20 anos, ele tem muito tempo pela frente para seguir escrevendo sua bela história e quebrando mais e mais preconceitos no futebol.