Nicole Froio – Rio On Watch
A história e geografia informal de favelas podem causar dificuldades para os moradores receberem cartas e pacotes. Porém a criatividade e empreendedorismo dos moradores da favela têm resultado em serviços de correio comunitário alternativos em algumas favelas. Em outras comunidades, moradores ainda sofrem para serem reconhecidos pelo governo e reivindicam seu direto a um serviço de correio.
Uma iniciativa da comunidade
Na Rocinha, a empresa Carteiro Amigo entrega as correspondências nas casas de moradores desde 2000. O sistema é simples: moradores se inscrevem para o serviço com um valor mensal de R$16 por família e começam a usar o endereço da empresa como seu próprio. Quando suas correspondências chegam, um carteiro do Carteiro Amigo entregam-nas em suas portas. Em torno de 30.000 casas usam o serviço.
Os donos da empresa Eliane Vieira, Sila Vieira e Carlos Pedro da Silva notaram a dificuldade de receber correspondência na sua comunidade. Apesar de receber uma UPP em setembro de 2012, em torno de 70% da Rocinha não foi formalmente mapeada pelo governo. Com isso, muitas pessoas não recebem suas correspondências através de carteiros oficiais dos Correios.
“Nosso trabalho é entregar aonde não é logradouro público”, explica Sila Vieira. “[Antes] as pessoas não tinham como receber cartas, não tinham como dar um endereço. A pessoa queria comprar alguma coisa pela internet, 30% ou 40%–as vezes até 80%–mais barato que na loja e a pessoa não tinha esse direito. Agora as pessoas podem comprar online e guardar esse dinheiro, e eles sabem que têm um endereço. Eu acho que esse é o impacto maior, né? A pessoa ter um endereço”.
A iniciativa Carteiro Amigo foi coberta pela mídia internacional por conta de seu trabalho de mapear a comunidade e do interesse do Google no mapa. O mapeamento aconteceu gradualmente durante vários anos: quando um novo cliente se inscreve para o serviço, um membro da equipe acompanha-o até sua casa para que possa ser adicionado ao mapa. Um mapa de grande escala agora está pendurado com orgulho no escritório do Carteiro Amigo na Rocinha.
A empresa se expandiu para oito outras comunidades que sofriam o mesmo problema, empregando mais de 20 pessoas. Morro dos Macacos, Parque da Cidade, Asa Branca, Cantagalo, Vila das Canoas, Parque Royal, Praia da Rosa, Rio das Pedras, Mato Alto e Providência possuem o serviço de correio Carteiro Amigo.
Embora o Carteiro Amigo tenha beneficiado algumas comunidades que estão sendo mapeadas por seus funcionários, outras comunidades lutam pelo direito de correspondência, mesmo tendo sido formalmente mapeadas pelas autoridades.
Falta de serviço em uma comunidade mapeada
Santa Marta foi a primeira favela a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Ao contrário de muitas outras comunidades, o programa de pacificação foi visto no geral como positivo no Santa Marta. Em 2010, uma grande parte da comunidade foi formalmente mapeada: moradores agora tinham nomes de ruas, números nas casas e CEPs. Na teoria, moradores do Santa Marta deveriam receber suas correspondências.
Mas de acordo com o morador e empresário Thiago Firmino, ele raramente recebe suas cartas em casa e isso complica a administração de seu negócio, Santa Marta Favela Tour.
“Aqui tava entregando em algumas casas mas a maioria joga na associação. Esculacho. Não entregam produtos maiores. Jogam tudo na associação…Tive que ir buscar várias vezes. A secretaria lá que separa tudo. E coloca nas gavetas com nomes mas qualquer um vai lá e pega. É osso”.
O presidente da Associação de Moradores, Zé Mario, disse que cerca de 95% das correspondências da favela Santa Marta é entregue a Associação, onde não existem funcionários e nem recursos para organizar e entregar as cartas.
“O correio aqui, ele funciona da seguinte forma: eles entregam na Associação de Moradores. Usamos recursos próprios para provar que no Santa Marta tem que entregar na casa dos moradores mas os Correios alegaram que moradores não têm caixas nas casas”, explica Zé Mario. “A lei é entregar na casa. A associação não tem essa obrigação. Isso é um trabalho que eles tinham que fazer. Não foi feito nada, a lei tem que ser cumprida, o morador já paga imposto mas ainda tá informal. Nós somos privados do nosso direito, só isso”.
Um lugar “de risco”
Neuza Nascimento, diretora da organização comunitária CIACAC que atende crianças no Parque Jardim Beira Mar, parte não pacificada da Parada de Lucas na Zona Norte, viu uma mudança no serviço de correio de sua comunidade nos últimos anos. Antes, moradores tinham que buscar suas cartas e pacotes na Associação de Moradores, mas agora a maioria das casas os recebe normalmente.
“Há anos atrás não tínhamos carteiros”, ela disse. “As cartas eram entregues no Conselho de Moradores e íamos até lá buscar. Hoje tem um carteiro oficial que vem todos os dias à comunidade para trazer a correspondência de todos”.
No entanto, as correspondências nem sempre chegam às casas porque partes da comunidade são consideradas “área de risco”.
“Dependendo da empresa remetente, algumas encomendas não são entregues aqui por considerarem área de risco. Nesse caso, recebemos um aviso dizendo que a encomenda se encontra no correio do bairro à nossa disposição”.
A luta por caixas postais
A comunidade da Estradinha, localizada entre Botafogo e Copacabana, ganhou um serviço de caixa postal grátis em setembro depois de anos lutando pelo direito de receber correspondências. Moradores dizem que cartas e pacotes costumavam ser entregues em um bar no topo da comunidade, Bar do Marrom.
“O carteiro deixava as correspondências dentro de uma caixa, no quiosque”, explica a moradora Dilma Pinto de Oliveira, 52 anos, em nota no site da UPP. “Como era carta de muita gente, acontecia de sumir ou alguém pegar o envelope errado”.
As 108 caixas postais estão sendo usadas por 500 pessoas. Moradores que lutaram para se comunicar por meio de correspondências agora têm esse direito.
Um direito tomado
A variedade de soluções e problemas que surgem na busca do direito à correspondência ilustra a diversidade e a natureza dinâmica de favelas. A luta para ter direito à comunicação existe em todas as favelas e acontece de maneiras diferentes. Sendo um grupo de jornalistas comunitários entregando o jornal local para casas na Maré ou sendo um grupo de empresários mapeando a maior favela da cidade a mão, uma coisa é conclusiva: o direito à comunicação é frequentemente atingindo pela organização dos próprios moradores, não é um direito garantido.