Chamada de ‘negra fedida’ na Praça Sete, mulher desiste de prestar queixa ao receber R$ 200

Polícia Militar foi acionada mas, diante do acordo entre vítima e agressor, não registrou ocorrência

Clarissa Damas – Estado de Minas

Quanto vale uma ofensa, um xingamento, uma injúria racial? Em Belo Horizonte, nesta quinta-feira, custou R$ 200. “Negra imunda, negra insolente, negra fedida, puta!’, gritou em uma casa lotérica na Praça Sete um senhor, ao ser esbarrado por uma mulher que entrava no estabelecimento. Apesar de cometer um crime inafiançável, o homem deixou o local livre, sem algemas e sem vergonha pelo feito, ao custo de duas centenas de reais. A Polícia Militar foi acionada mas, ao invés de registrar a ocorrência, presenciou o pagamento pelo silêncio da moça ofendida, porém feliz em receber dinheiro.

De acordo com o músico e produtor cultural Leo Dias, que presenciou toda a cena, nem mesmo os negros têm dimensão da importância em se revoltar contra o preconceito que até hoje é vivenciado no Brasil. ” A raça negra foi historicamente segregada e isso ainda ocorre. Fiquei revoltado com o que vi e não podia deixar barato. Me indignei, falei com o senhor que ele estava cometendo um crime e que merecia ser preso. Infelizmente ainda há muita falta de informação e alinhamento das políticas de promoção da igualdade racial com as políticas de coibição ao crime de injúria racial e preconceito”, diz.

Segundo o músico, que compartilhou toda a experiência em sua página no Facebook, enquanto argumentava com o homem e explicava que ele não podia falar com a mulher daquele jeito, pessoas que estavam na fila da lotérica se comoveram e aplaudiram. “Várias pessoas, em apoio, disseram que eu estava fazendo a coisa certa e até bateram palmas, mas ouvi comentários como “preto também é gente’, o que mostra que o preconceito está mais vivo na sociedade do que se imagina,” completa.

A mulher, ao ser ofendida, saiu da casa lotérica e retornou com um policial militar, também negro. A autoridade pediu que o senhor saísse do estabelecimento juntamente com a vítima da injúria, para os procedimentos cabíveis. Leo se prontificou em testemunhar o crime e informou seus dados pessoais, mas deixou o local para resolver questões pessoais na esperança de reencontrar a vítima e seu agressor na delegacia. Para sua surpresa, ao passar pela Praça Sete momentos depois, avistou o policial sozinho. Ele perguntou onde estavam o senhor e a mulher e ouviu do militar que o caso estava encerrado. O homem havia oferecido R$ 200 reais para a moça, que prontamente aceitou a quantia e foi embora, segundo a versão do PM, ‘rindo de uma orelha à outra’.

“Senti que nem mesmo o policial, que também é negro, teve consciência da gravidade do que aconteceu. Eu agi como uma pessoa que presenciou um crime e tomou uma atitude frente a isso. Infelizmente o desfecho não foi o esperado, mas como julgar uma pessoa que está em dificuldade, precisa do dinheiro e vê a chance de recebê-lo? É uma situação complicada, que mostra que essa questão precisa ser discutida”, pondera o músico.

Procurada pela reportagem, a PM informou que a conduta do militar foi correta já que o fato consiste em ação penal pública condicionada, ou seja, o crime só pode ser registrado se a pessoa ofendida decidir prestar queixas. Segundo a corporação, todos os policiais são orientados a instruir vítimas de injúria sobre seus direitos em casos como este, entretanto, não soube dizer se neste episódio específico a mulher foi informada de que, caso não aceitasse o dinheiro, poderia receber indenização ainda maior fixada por um juiz, além de colocar seu agressor atrás das grades.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ricardo Álvares.

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