Cerianne Robertson – Rio On Watch
Enquanto a Alemanha comemorava o 25º aniversário da queda do muro de Berlim no dia 9 de novembro, a data significava algo diferente para os membros do Favela em Foco. O dia marcou o aniversário de cinco anos da fundação do coletivo multimídia. A inesperada conexão entre os dois eventos foi destacada no primeiro projeto do grupo, um curta chamado “O Muro de Berlim é aqui?“, divulgado em novembro de 2009 na época do 20º aniversário da queda do muro. O filme mostra o paralelo entre Berlim dividida e os muros que foram construídos ao longo das linhas expressas Vermelha e Amarela no Rio. Esses muros restringiram acessos à vias para os complexos da favela ao redor, levantando questionamentos de se o governo genuinamente queria reduzir o barulho para os moradores, como foi divulgado, ou se queria esconder as favelas de vista.
O nascimento do Favela em Foco representa a realização de um sonho para seus fundadores, que planejavam o projeto há dois anos. Em 2007, o Observatório de Favelas ofereceu workshops de fotografia para alguns jovens moradores da favela do Jacarezinho. Encantados pela perspectiva de documentar a vida diária de sua comunidade, diversos participantes criaram o projeto Jacarezinho em Foco, utilizando fotos, vídeos e blogs para contar histórias locais. Eles receberam um financiamento de R$3000 e sonharam com o início de uma revista comunitária. Após dois meses e a publicação de apenas um exemplar da revista, no entanto, ficou claro que uma revista impressa não poderia ser sustentada sem financiamento contínuo.
Enquanto alguns participantes tiveram que abandonar o projeto e comprometer seu tempo com trabalhos remunerados, alguns poucos membros continuaram engajados em estabelecer um projeto de mídia conduzido pela comunidade. Percebendo que uma plataforma online oferecia uma alternativa mais flexível, o Favela em Foco surgiu com um site do WordPress como plataforma central, sendo complementado pelo Facebook e o Twitter.
Como o nome do coletivo sugere, essa transição também expandiu o foco do coletivo do Jacarezinho para outras favelas do Rio de Janeiro. Atualmente, o coletivo possui sete membros no Rio, fotógrafos do Jacarezinho, Complexo do Alemão, Bonsucesso e Maré–todas na negligenciada Zona Norte do Rio. Os membros não limitam seus trabalhos apenas à suas comunidades ou à Zona Norte, cobrindo eventos ao redor da cidade, da Vila Autódromo, na Zona Oeste, à Niterói e Nova Iguaçu na região metropolitana. No ano passado, o coletivo cobriu tópicos na cidade incluindo os protestos durante a Copa do Mundo, as ocupações da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), a greve dos garis e as tradicionais celebrações religiosas afro-brasileiras. Relatórios combinam fotografias com curtos textos explicando a situação retratada.
Léo Lima, um dos membros fundadores, explicou que onde quer que os membros do coletivo trabalhem, sua cobertura dos eventos ou histórias diferem de maneira dramática da cobertura da mídia dominante, pois eles passam mais tempo nas ruas. Ele disse: “A tragédia acontece e todo mundo vai–todos os veículos de mídia e o coletivo. Eles vão, ficam e quando acaba, todo mundo vai embora, enquanto o coletivo fica”. Pela sua perspectiva, esse é um papel chave da comunidade e da mídia alternativa: entender e trabalhar com as comunidades para contar a história. Luiz Baltar, outro membro do coletivo, concorda. Quando questionado sobre o papel da mídia comunitária, respondeu: “É documentar as lutas e a vida diária, dando visibilidade e apoio. É fazer isso com, não para [as comunidades]”.
A estrutura e o planejamento do Favela em Foco são informais e organizados de maneira solta. Em entrevista, Léo riu ao lembrar como caminhou até a Vila Autódromo para cobrir um evento para descobrir que outros membros do coletivo já estavam lá. Ele explicou que não há necessidade de uma divisão de tarefas estrita, apesar de se responsabilizar por subir o conteúdo no blog e na página do Facebook. Também não existem reuniões periódicas ou uma linha editorial rígida. Membros recebem flexibilidade para explorar os tópicos que lhes interessam. Luiz disse que começou a contribuir com o coletivo em 2012, com materiais relacionados às remoções e a luta por moradia. Desde que se juntou ao coletivo oficialmente, no início deste ano, Luiz continua seguindo esses assuntos e sente que iniciativas individuais não entram em conflito com as necessidades do grupo mas que, ao contrário, dão suporte, aumentando a qualidade do trabalho coletivo.
O que une o coletivo é o foco em favelas, espaços públicos ou populares e populações marginalizadas, com o objetivo de dar visibilidade à perspectivas sem voz e desafiar estereótipos. Léo admitiu que não tem certeza se eles podem mudar os estereótipos e o estigma criado durante décadas. Ao invés de se preocupar com o que parece ser um desafio intransponível, no entanto, ele se concentra em aumentar a variedade de histórias e perspectivas que são compartilhadas, construindo evidências para contrariar a ideia de que existe uma única experiência de favela, ou uma única perspectiva sobre a favela. Ele apontou o absurdo de alguém sugerir que todos na Zona Sul podem ser descritos de maneira uniforme, notando que a mídia dominante tem sido culpada de tentar descrever os moradores da favela desse jeito. Ele até afastou pessoas que querem “promover cultura de favela”, argumentando que não há só uma, mas “várias culturas”.
Quando perguntados sobre os desafios que o coletivo enfrenta, tanto Léo quanto Luiz mencionaram as dificuldades de financiamento. Para Léo, produzir trabalho de qualidade demanda muito tempo e, sem compensação financeira, isso exige que os membros tenham “muita paixão”. Por ora, eles comemoram os cinco anos e continuam seguindo adiante com projetos em andamento, que incluem a exploração do direito à infância e os impactos dos Jogos Olímpicos, que ocorrem em 2016.
Para mais informações, visite o site do Favela em Foco, ou siga o coletivo no Facebook ou Twitter.