As pessoas desistiram de checar a informação que consomem.
Na verdade, nunca fizeram isso, mas antes a procedência era de veículos, grandes ou pequenos, tradicionais ou alternativos, que davam a cara para bater, garantindo transparência ao informar quem fazia parte de suas equipes e sua visão de mundo. Esses veículos são bons, honestos e ilibados? Afe! Não necessariamente. Mas, ao menos, podem ser questionados judicialmente em caso de propagação de mentiras.
Conteúdo anônimo, sem assinatura, segue ganhando força na rede. Não raro, escondem-se sob a justificativa de que estão fugindo de possível represálias porque representam grupos perseguidos. Mas uma grande parte permanece nas sombras para produzir munição para uma guerra virtual por corações e mentes que você pode não ver, mas está aí.
Esses sites e contas em redes sociais, sejam eles progressistas ou conservadores, valem-se de algo que os jornalistas teimam em ignorar, pois bate frente com visão sagrada que têm de seu ofício: para muitos leitores, não faz diferença se uma informação é verdadeira ou falsa, não faz diferença um esforço hercúleo de reportagem. Quando o conteúdo vai ao encontro do que essa pessoa acredita, ela não se importa se é mentira ou não e vai abraçar o argumento e difundi-lo.
Pois o importante não é construir coletivamente significados e alternativas, mas vencer um debate que pode estar atrelado à manutenção de seus próprios privilégios, dos privilégios de uma classe social, de velhas tradições ou simplesmente para vencer um debate com um amigo pelo prazer de vencer.
Isso atinge conservadores ou progressistas, todos que façam parte do debate público. Mas uma coisa é estar exposto ao justo escrutínio de ideias e ser criticado por elas – o que faz parte do jogo. Outra coisa é a difamação. Por exemplo, textos e memes que atribuem frases que nunca foram ditas para tentar minar a credibilidade fluem loucamente pela rede. São de consumo fácil. Já vi muita coisa atribuída a Eduardo Cunha, por exemplo, que não era verdade. O mais interessante é que, com a capivara que ele tem, não seria necessário inventar nenhuma história a mais para que ele fosse deposto do cargo. Mesmo assim, quando a realidade supera a ficção, o povo inventa memes estapafúrdios.
Conversei com uma pessoa que trabalhava em campanhas digitais e era responsável por formar opinião em redes sociais. Ela me explicou que o objetivo de pôr um meme falso para circular não é tanto mudar a ideia de quem concorda com a pessoa que é alvo da campanha de difamação, mas municiar de argumentos e fortalecer a identidade de quem não concorda. E, ao mesmo tempo, tentar criar uma dúvida razoável em quem fica na zona cinzenta. Para isso, adotava uma fórmula mais ou menos assim:
1) Escolha uma foto da pessoa a ser difamada;
2) Coloque como título um questionamento à credibilidade/honestidade/competência da pessoa. Prefira programas de edição de imagens porque o resultado é melhor mas, se não for possível, use um gerador de memes mesmo;
3) Na base da imagem, invente uma declaração que a pessoa nunca disse e que mostre sua incoerência ou atribua algo a ela. Atenção: seja sutil. Não coloque uma declaração conservadora em uma pessoa progressista e vice-versa porque notarão que é coisa forjada. Utilize algo que o cidadão comum, pouco informado, consideraria verossímil;
4) Publique o meme nas redes sociais, precedido de um comentário desabonador sobre a pessoa ou exija, de forma indignada, uma resposta dela sobre a mentira com cara de verdade que você acaba de criar. Ridicularize;
5) Certifique-se que o meme será compartilhado. Se você controlar várias contas anônimas em redes sociais, compartilhe em todas elas. Marque outros sites que fazem serviço semelhante ao seu para que possam difundir também, dando credibilidade à ação. Para isso, é sempre bom ter uma rede de contatos ativa. Hoje ele te ajuda, amanhã você o ajuda.
“Não adianta vocês tentarem combater um meme ou uma notícia falsos com informação correta porque muitas pessoas não estão nem aí. Elas querem algo para apoiar sua visão de mundo e não se importam muito se é verdade ou mentira”, afirmou minha fonte que, por razões óbvias, terá a identidade preservada. Em outras palavras, estamos perdendo a guerra para os boatos.
Como saber se uma informação está incorreta? Bem, às vezes você não tem como saber de antemão, por isso é importante checar sempre, independente da fonte. Ou, pelo menos, procurar a sua origem – onde foi dito isso, quando e em que circunstância – de forma a não propagar boato. Separar joio do trigo demanda gente bem informada e, mais do que isso, bem formada. Que consiga olhar para algo e nele cravar um ponto de interrogação ao invés de exclamação.
Isso talvez seja um dos maiores desafios que teremos nos próximos anos. O futuro de um mundo em que todos possuem ferramentas de comunicação em massa ao seu alcance, mas não se importam necessariamente se o que passam adiante foi coletado e produzido com um mínimo de cuidado ou não, passa por uma educação para a mídia, como sempre martelo por aqui. Por ensinar crianças e jovens a saberem ter responsabilidade sobre o conteúdo que repassam. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades, já diria o Tio Ben.
Se você é daqueles que não leem coisa alguma e dizem que não tem tempo, nem paciência para isso, e, além do mais, acham que senso crítico é uma besteira, mas adoram curtir, compartilhar e retuitar tudo o que passa pela frente, feito um chimpanzé com cãimbra, por favor, dedique-se apenas à divulgação de tumblr de gatinhos que se assustam com mordidas de tartarugas, fotos de pugs em fantasias vexatórias para a alegria de seus donos e memes com lições de vida de alguém que passou por uma grande provação e tem o objetivo de levar às lágrimas.
Mas abstenha-se de transmitir informação. Você é café com leite, não está preparado para isso.