Em acordo de R$ 1,6 milhão, empresas de SP se comprometem a banir o amianto até 2017

MPT

Campinas – O Ministério Público do Trabalho firmou acordos históricos com as duas fábricas do interior de São Paulo que ainda utilizam o amianto crisotila em seu processo produtivo. A partir da assinatura de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta), a Infibra S/A (com sede em Leme-SP) e a Confibra Indústria e Comércio Ltda. (com sede em Hortolândia-SP) se comprometeram a banir a matéria prima comprovadamente cancerígena de todas as suas operações fabris até o dia 01 de janeiro de 2017, inclusive no que se refere aos estoques de telhas, caixas d´água e afins produzidos com uso da substância. As empresas devem lançar mão de fibras alternativas (naturais ou artificiais) para viabilizar a produção de seu catálogo de produtos. Com isso, passou para quatro o número de indústrias no Brasil que deixam o mercado do amianto crisotila, o que traz reflexos positivos à saúde do trabalhador. São elas: a Brasilit (gigante do segmento, integrante do Grupo Saint-Gobain) e a Imbralit (com sede em Santa Catarina), além das próprias signatárias dos TACs. Como forma de reparação dos danos causados à sociedade, cada uma das empresas contribuirá com a quantia de R$ 800 mil (num total de R$ 1,6 milhão), reversível ao fomento de pesquisas e atividades acadêmicas e científicas relacionadas ao amianto, a serem indicadas pelo MPT.  

Os acordos abrangem todos os estabelecimentos da Infibra e da Confibra “que utilize ou tenha utilizado amianto como matéria prima”, inclusive nas hipóteses de sucessão empresarial. A produção utilizando o amianto crisotila fica proibida a partir de 01 de janeiro de 2017, mas será possível manter estoque de produtos já acabados até 03 de março de 2017; após essa data, os produtos contendo o mineral em sua composição apenas serão admitidos em caso de devolução com nota fiscal. O descumprimento de tais obrigações acarretará multa de R$ 500 mil por mês.

A substituição do amianto por fibras alternativas é uma diretriz da Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho, que obteve a ratificação do governo brasileiro. As obrigações assumidas em TAC pelas empresas não serão afetadas pelas decisões das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) que tramitam no Supremo Tribunal Federal (nºs 4066 e 3937), as quais questionam dispositivo da Lei Federal nº 9.055/95, que permite a exploração e comercialização do amianto crisotila no país –  exceto se tais decisões forem em prol do banimento da matéria prima -, sob pena de multa de R$ 100 mil por mês.

O uso do amianto é proibido em mais de 60 países. Na União Europeia, foi banido em 2005 por conta de evidências, acumuladas desde a década de 1960, de que o produto é tóxico e cancerígeno. As ADIns que tramitam no STF podem resultar no banimento definitivo da substância em território nacional, sendo que seu uso já é proibido nos estados do Amazonas, São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco. Tanto a Infibra quanto a Confibra mantêm a produção com uso do amianto em São Paulo, através da concessão de liminares pelo Poder Judiciário, mesmo sob manifestações contrárias de instituições como o Ministério Público do Trabalho.

Não há níveis seguros – Substância reconhecidamente cancerígena pela comunidade científica nacional e internacional, o amianto crisotila é utilizado no Brasil principalmente na fabricação de telhas e caixas d´água. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou formalmente que não existe limite seguro de exposição ao mineral. Por esse motivo, as instituições trabalhistas, dentre elas o Ministério Público do Trabalho, se posicionam contrárias à sua utilização. Uma série de batalhas judiciais e extrajudiciais estão sendo travadas por procuradores há muitos anos, no sentido de banir o mineral do processo produtivo em escala nacional. Os fundamentos para isso podem ser encontrados em estudos e estatísticas produzidas por conceituados meios, incluindo a própria OMS.

A exposição a produtos contendo amianto crisotila pode causar o mesotelioma, uma doença respiratória no mesotélio, um tecido de origem dérmica. Ela atinge principalmente a pleura (81% dos casos), o peritônio (15% dos casos) e o pericárdio (4% dos casos). A neoplasia é frequente em pessoas maiores de 50 anos e é mais prevalente em homens. A sua ocorrência no organismo leva ao “encarceramento” do pulmão, levando a graves dificuldades respiratórias e, consequentemente, à morte. O mesotelioma maligno ainda pode produzir metástases por via linfática em 25% das vezes. Mas o que mais preocupa é o seu período de latência: pode demorar mais de 30 anos para se manifestar. O único agente cientificamente reconhecido como causador de mesotelioma maligno é o amianto, ou asbesto. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto, o segundo maior exportador e o quarto maior consumidor, segundo dados da United States Geological Survey (USGS).

No período de 2000 a 2010, em todo o país, foram registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) 2.400 mortes por agravos à saúde relacionados ao amianto, entre pessoas com 20 ou mais anos de idade. Dentre os casos de câncer foram 827 óbitos por mesotelioma e 1.298 por neoplasias malignas da pleura. Os demais diagnósticos foram 109 mortes por placas pleurais e 156 por pneumoconioses. Em apenas cinco anos foram notificados 893 casos de placas pleurais no Brasil, sendo 172 localizados no estado de São Paulo. Os números constam do Boletim Epidemiológico do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

Localizar e agir – Os TACs firmados com a Infibra e a Confibra, além de determinarem prazos para a substituição do amianto por outras fibras no processo produtivo, ainda preveem a obrigação das empresas na apresentação de planilha com os dados cadastrais de trabalhadores que laboraram nos últimos 30 anos em estabelecimentos pertencentes a elas. Com posse deste documento, o MPT encaminhará a planilha ao Sistema Único de Saúde e ao sindicato profissional. A partir daí as signatárias têm a obrigação de custear despesas de deslocamento e hospedagem a todos os ex-empregados que residem em domicílio a mais de 100 km de distância dos serviços médicos de realização periódica de exames de “controle de agravos à saúde passíveis de associação à exposição ocupacional do amianto”. As empresas podem optar por indicar e custear os exames de monitoramento nos casos de ex-empregados que moram longe. Uma listagem atualizada de trabalhadores deve ser enviada anualmente pelas empresas ao SUS.

Prevenir é melhor que remediar –  Dentre as cláusulas dos TACs estão contidas obrigações relativas à saúde e segurança do trabalho nas fábricas, incluindo a ampliação do rol de exames médicos para identificação de neoplasias, a realização de exames clínicos com especialistas, incorporação de protocolos de diagnóstico precoce de doenças no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e a realização de campanhas internas contra o tabagismo e o alcoolismo, uma vez que a influência negativa desses hábitos em pessoas expostas ao amianto pode aumentar os riscos de se contrair doenças relacionadas aos asbesto, ou agravá-las. Além disso, deve-se manter disponível a realização periódica de exames médicos de controle de todos os empregados que estiverem laborando na planta industrial até 31 de dezembro de 2016 pelo prazo de 30 anos, conforme previsão na Norma Regulamentadora nº 15. Com relação aos empregados desligados das empresas em data anterior a 01 de janeiro de 2017, a realização de exames será garantida pelo prazo de 30 anos contados da dispensa.

Por fim, as empresas se comprometem a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) na suspeita ou comprovação de doenças relacionadas à exposição ao amianto crisotila. O descumprimento das obrigações varia de R$ 5 mil R$ a 100 mil por infração.

Liminar contra acordo – Em setembro de 2015, uma liminar proferida pela Justiça do Trabalho de Campinas, nos autos de uma ação do MPT, proibiu sindicatos de representação de trabalhadores de receberem ajuda financeira de entidades patronais ligadas à indústria do amianto, com o objetivo de evitar conflitos de interesse. Além disso, a decisão impede que sejam pactuadas cláusulas de acordo coletivo entre as duas partes que invadam a atribuição do Estado nas áreas de fiscalização do trabalho, Previdência Social e vigilância sanitária, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia.

O MPT processou 17 entidades patronais e de representação de trabalhadores ligadas a segmentos da economia que se utilizam do amianto/asbesto no processo produtivo. Os procuradores que assinaram a ação alegam que algumas cláusulas do “Acordo Nacional para Extração, Beneficiamento e Utilização Segura e Responsável do Amianto Crisotila”, norma coletiva firmada todos os anos por atores do segmento, trazem prejuízos incalculáveis à saúde, segurança e meio ambiente laboral de milhares de trabalhadores brasileiros. O valor da causa é de R$ 50 milhões.

Dentre as irregularidades constatadas no Acordo estão a criação de comissões de fábrica compostas por trabalhadores destreinados e sem capacidade técnica para substituir os fiscais do trabalho; a composição de comissão de médicos no sentido de esvaziar a perícia médica do INSS; e o desprezo à orientação de embargar ou interditar setores ou máquinas que estejam submetendo trabalhadores a altos níveis de exposição ao amianto. O processo tramita na 6ª Vara do Trabalho de Campinas (SP).

Tanto a ação civil pública quanto os TACs firmados com indústrias do interior de São Paulo tiveram as procuradoras Lorena Vasconcelos Porto e Ana Lúcia Ribas Saccani Casarotto como responsáveis, com auxílio do gerente e da vice-gerente do Projeto Nacional de Banimento do Amianto, os procuradores Luciano Lima Leivas e Márcia Kamei Lopez Aliaga.

TACs celebrados com Infibra e Confibra estabelecem prazos para substituição da matéria prima por fibras alternativas; cláusulas ampliam o atendimento de saúde a expostos pela substância cancerígena

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