Iniciou, ontem (14), a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista (CNPI), que tem como tema a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas a partir dos princípios estabelecidos pela Constituição de 1988.
Cerca de 2,2 mil pessoas, entre indígenas, representantes governamentais, representantes de organizações indigenistas ou ligadas à causa indígena, convidados e observadores deverão estar, até sexta-feira (17), participando dos debates e discussões que definirão diretrizes para a consolidação da política indigenista do Estado brasileiro.
Ontem pela manhã, ocorreu a mesa de abertura da Conferência, da qual participaram o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso; o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), João Pedro Gonçalves; o Secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Antônio Alves; o representante do Ministro da Cultura, TT Catalão; o Secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzatto; e os indígenas Sônia Guajajara, Paulo Tupiniquim, Marcos Tupã, Megaron e Serewê Xerente.
Apesar da programação de longa data da CNPI, houve problemas de logística e há relatos de indígenas que não puderam chegar a tempo de participar das atividades do primeiro dia de Conferência e, em alguns casos, que ficarão impossibilitados de participar de todo o evento.
Cinco delegados indígenas dos povos Munduruku e Mura, do Amazonas (AM), por exemplo, deslocaram-se de barco do município de Manicoré (AM) para Manaus (AM), na sexta-feira. Desde a madrugada de domingo, aguardam o pagamento pelo transporte via barco e as passagens de avião para virem a Brasília. Até a tarde de ontem (14), continuam no barco e as informações são de que não há mais condições para a compra de suas passagens, de maneira que serão impossibilitados de participar da Conferência.
Na mesa de abertura do evento, hoje pela manhã, todas as falas convergiram no repúdio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que pretende transferir do Executivo para o Legislativo a competência para demarcar terras tradicionais e desmontar, na prática, os direitos constitucionais indígenas.
“Nós sempre acreditamos na palavra dada. É tradição nossa acreditar na palavra dada. Mais uma vez, nos propomos a dialogar, acreditando que essa conferência irá de verdade marcar os rumos para uma mudança na política indigenista deste país”, afirmou a indígena Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que falou após o Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso.
“Nós escutamos muitas vezes os pronunciamentos de autoridades do governo, a exemplo do próprio Ministro da Justiça, agora, contra a PEC 215. Mas nós não sentimos na prática a efetividade dessas falas, quando não há um empenho mais incisivo do próprio Executivo”, afirmou, cobrando ações práticas do governo federal para impedir os retrocessos nos direitos originários e garantir que esses direitos se concretizem e não fiquem apenas no papel.
O Pajé Xukuru-Kariri, Antônio Selestino da Silva, de Alagoas, reafirmou a importância dos territórios tradicionais como pilar básico para a garantia dos demais direitos constitucionais dos povos indígenas. “A terra é nossa vida, é nossa mãe, e nós não vamos negociar a nossa mãe. Nós vamos lutar para viver, porque nós temos o direito de viver em paz. Que a justiça seja feita, e justiça para nós é viver em paz com a nossa mãe, com a nossa terra”.
Representantes dos povos indígenas do nordeste do Brasil ergueram uma faixa que dizia: “Não demarcar o nosso território é condenar as nossas futuras gerações”.
O secretário executivo do Cimi, Cléber Buzatto, destacou que o momento é de “ataque frontal e violento aos povos e seus direitos consagrados na Constituição de 1988, feito por setores nacionais e multinacionais ligados principalmente ao agronegócio, mineradoras e empreiteiras e outros ramos que visam o acesso, o controle, a invasão e a exploração dos territórios sagrados dos povos indígenas no Brasil”.
Ao longo da terça-feira, ocorrerão as rodas de discussão nos eixos temáticos, que incluem: territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas; autodeterminação, participação social e direito à consulta; desenvolvimento sustentável de terras e povos indígenas; direitos individuais e coletivos dos povos indígenas; diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil; e direito à memória e à verdade.
O cadastramento para a participação de delegados indígenas e não-indígenas nos diferentes eixos ocorreu durante o dia de hoje e gerou algumas críticas por parte de indígenas presentes na CNPI. Os delegados Guarani e Kaiowá da região de Dourados, no Mato Grosso do Sul (MS), declararam-se “decepcionados” com a divisão de vagas nos eixos temáticos.
Segundo eles, há cinco vezes menos vagas no primeiro eixo, destinado à discussão sobre o direito territorial, do que nos demais, e apenas quatro dessas vagas foram destinadas aos delegados Guarani e Kaiowá – a maioria dos quais vêm de áreas em que a principal questão, hoje, é a da luta pela demarcação dos territórios tradicionais.
Há 45 terras do povo Guarani e Kaiowá aguardando o andamento de processos administrativos na Funai. Os Guarani e Kaiowá consideraram a decisão de divisão das vagas nos eixos temáticos arbitrária, por não ter sido discutida nas etapas regionais da CNPI.
Após a abertura e as reuniões temáticas, ocorrem as plenárias regionais e a plenária final, que devem deliberar diretrizes para a política indigenista do Estado brasileiro de acordo com as definições dos grupos de trabalho e das rodas de debate que acontecem nos eixos temáticos.