Embora os adiamentos no Conselho de Ética tenham chamado a atenção, Eduardo Cunha faz manobras na Câmara para defender seus interesses desde fevereiro, quando assumiu a presidência
por Étore Medeiros, A Pública
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) chegou ao comando da Câmara dos Deputados, em fevereiro, após ter liderado um grupo de parlamentares rebeldes da base governista que, somado à oposição, impôs derrotas ao Palácio do Planalto em uma série de votações entre 2013 e 2014 – o famoso “blocão”. Uma vez na Presidência da Casa, se valeu de interpretações controversas do regimento e de medidas polêmicas e autoritárias para reforçar o poder sobre os deputados, enquanto chantageava o governo e a oposição com os pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff.
Pautou temas polêmicos como a redução da maioridade penal, o Estatuto da Família e a revogação do Estatuto do Desarmamento, promessas feitas à ala conservadora e que contribuíram para a sua chegada à Presidência da Câmara. Dia após dia, e conforme teve o nome envolvido nas denúncias da Operação Lava-Jato, acabou arregimentando uma rejeição semelhante à da presidente entre os deputados. Relembre as principais manobras do peemedebista ao longo do ano.
Primeiros passos
Uma das primeiras manobras de Cunha como presidente, em março, entregou ao aliado Cleber Verde (PRB-MA) a chefia de todos os veículos institucionais da Câmara – portal na internet, rádio, canal de TV e jornal impresso. A nomeação de Verde para a Secretaria de Comunicação Social só foi possível graças à aprovação do projeto que originou a Resolução nº 4 de 2015. Pelo texto, cabe ao presidente da Câmara a escolha do chefe dos veículos – que não tem mandato e pode ser substituído a qualquer momento.
Uma demonstração do uso político dos veículos se deu no dia 3 de dezembro, quando durante entrevista Cunha chamou Dilma Rousseff de mentirosa 10 vezes em 15 minutos. Embora o momento de conversa com os jornalistas seja tradicional e praticamente diário, causou espanto entre parlamentares e profissionais de imprensa que a coletiva tenha sido transmitida ao vivo e na íntegra pela TV Câmara.
A manobra na comunicação foi observada também com o cancelamento da transmissão da sessão solene em homenagem aos 10 anos do PSOL. O partido foi o primeiro a pedir a saída de Cunha da Presidência pelo seu envolvimento com os fatos revelados pela Operação Lava Jato, e também foi o autor da representação que pede a cassação de Cunha, em tramitação no Conselho de Ética. Deputados da legenda acusaram Cunha de censura. A Presidência da Casa se esquivou da acusação, explicando que a TV Câmara não exibirá eventos com vinculação partidária.
Projetos sob controle
Dono da prerrogativa de indicar o caminho que um projeto de Lei (PL) percorrerá antes de chegar ao plenário da Câmara, Cunha tem restringido a tramitação das matérias, em muitos casos, somente à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Em tese, o papel da CCJ deveria ser o de julgar exclusivamente aspectos técnicos, legais e constitucionais de uma iniciativa, enquanto o debate do mérito dos projetos em si deveria ser feitos nas outras comissões. Com a exclusão dos outros colegiados, as propostas avançam mais rapidamente, sobretudo as de interesse de Cunha e seus aliados, com debates reduzidos.
Deixaram de tramitar em outras comissões, por exemplo, o Projeto de Lei 215/2015, conhecido como PL Espião – que inicialmente permitia à polícia quebrar o sigilo de computadores e celulares sem ordem judicial – e o PL 5069/2013, que pode dificultar o aborto legal. Os dois projetos são defendidos por aliados do presidente da Casa, e o segundo é de autoria do próprio Cunha. Graças à pressão popular, os dois projetos foram aprovados de forma mais branda do que nos textos iniciais e ainda não foram apreciados em plenário.
Cunha não se conformou com as derrotas sofridas em duas das principais pautas que defende. Tanto nas votações do financiamento privado de campanha quando da redução da maioridade penal, após derrotas em plenário, o presidente colocou as iniciativas novamente em votação, com pequenas alterações – procedimento que deixou os opositores do peemedebista revoltados.
No caso da contribuição de empresas, a manobra fez sair vencedora a proposta que permitiria a doação somente a partidos, proibindo o financiamento direto a candidatos. A medida foi derrubada no Senado Federal, mas, quando voltou à Câmara, foi novamente incluída na minirreforma eleitoral.
Para desprazer de Cunha, entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de uma ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil e decidiu que as doações de empresas são inconstitucionais. Com isso, a presidente Dilma Rousseff vetou o trecho da reforma política que tratava do assunto. Votado em novembro, o veto foi mantido com um apertado placar de 220 a 190.
No caso da redução da maioridade penal, a derrota inicial de Cunha foi mais doída – por apenas cinco votos, em uma sessão plenária tensa que entrou na madrugada de 1º de julho. Um dia depois, Cunha deu uma “pedalada regimental”, como classificaram os seus opositores, para aprovar e penalização de jovens de 16 e 17 anos em caso de crimes hediondos.
Aprovada em segundo turno em agosto, a proposta não tem previsão de entrar na pauta do Senado Federal. Após um início de ano duro contra o Planalto, o presidente da Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), colocou uma pedra em cima das propostas recebidas da Câmara que contrariam o governo, como a redução da maioridade penal.
Quando a relação com o Planalto ainda não tinha azedado de vez, Cunha leu em plenário, no dia 24 de setembro, o rito ao qual submeteria todos os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o presidente da Câmara anunciou que os pedidos não deferidos, isto é, aqueles sobre os quais ele avaliasse que não caberia continuidade, poderiam ser alvo de recurso ao plenário. O conjunto dos deputados é que decidiria, assim, sobre a continuidade dos processos. Três liminares de ministros do Supremo Tribunal Federal impediram o cumprimento do rito – que havia sido combinado previamente com a oposição ao governo –, já que a manobra não encontrava respaldo na legislação.
Insatisfeito com os vetos presidenciais a itens da reforma política, entre os quais o que permitia a doação de empresas a candidatos, Cunha impediu a realização de uma sessão do Congresso marcada para as 11h30 de 30 de setembro. Como a reunião conjunta dos parlamentares das duas Casas legislativas sempre acontece no plenário da Câmara, que é bem maior que o do Senado, Cunha convocou uma sessão extraordinária dos deputados para as 11 horas, inviabilizando a análise dos vetos presidenciais.
Manobras com aliados
De sessão em sessão, os aliados de Cunha conseguiram adiar por cinco semanas a decisão quanto à abertura da investigação sobre Cunha pedida pelo PSOL e que pode resultar na cassação do presidente da Câmara. Antes mesmo de a representação chegar ao Conselho de Ética, a Mesa Diretora a segurou pelo máximo tempo possível, se valendo de uma interpretação do regimento da Casa que desconsidera na contagem do prazo as sessões extraordinárias, levando em conta somente as ordinárias – que, convocadas por Cunha, aconteceram muito esporadicamente. Com isso, o pedido de investigação recebido pela Mesa Diretora em 13 de outubro só foi entregue ao Conselho de Ética em 28 de outubro.
A primeira tática foi a tentativa de esvaziamento da reunião do Conselho de Ética na qual seria lido o parecer do então relator da representação do PSOL, Fausto Pinato (PRB-SP), em 19 de novembro. Um dos mais aguerridos defensores de Cunha no colegiado foi flagrado com uma lista dos deputados do Conselho. Ele estaria ligando de um em um para evitar o atingimento do quórum. Como não conseguiu e a reunião foi aberta, Cunha imediatamente abriu a ordem do dia no plenário – o que impede todo o resto da Casa de funcionar. Indignados, deputados se queixavam da manobra quando Felipe Bornier (PSD-RJ), segundo-secretário da Mesa Diretora, atendeu a questão de ordem de aliados de Cunha e anulou a sessão do Conselho de Ética. A decisão gerou revolta em um grupo de cerca de 100 deputados, que deixaram o plenário e reabriram informalmente a reunião do conselho.
Na semana seguinte, em 24 de novembro, quando Pinato finalmente conseguiu ler o parecer pela admissibilidade da representação contra Cunha – que não o condena, apenas permite o início das investigações –, o andamento do processo foi novamente interrompido por um pedido de vistas coletivo que partiu novamente dos aliados de Cunha.
No dia 1º de abril, uma sucessão de questões de ordem por parte dos escudeiros do peemedebista tumultuou a reunião do Conselho. Logo no início dos debates, duas das seis horas que duraria a sessão foram ocupadas com a discussão sobre uma fila informal feita por deputados suplentes para registrar presença – quem tem o nome computado primeiro, em cada bloco parlamentar, ganha a vaga do primeiro titular ausente.
Em 2 de dezembro, uma sessão do Congresso Nacional encerrou precocemente o encontro do Conselho de Ética. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA) até tentou remarcar a votação do parecer para o dia 3, mas foi pressionado a adiar para a semana seguinte.
No dia 8 de dezembro, aliados de Cunha o defenderam longamente e com paixão no conselho, comparando-o a personagens históricos como Joana d’Arc e Tiradentes, o que arrastou os trabalhos até o início da ordem do dia no plenário da Casa. No mesmo dia, o presidente da Casa pediu ao Supremo Tribunal Federal a destituição do relator, Fausto Pinato (PRB-SP), pelo fato de ele ser do mesmo bloco parlamentar do peemedebista.
A reunião do Conselho de Ética do dia 10 de dezembro começou com um barraco vergonhoso, que chegou às vias de fato. Apoiador de Cunha, Wellington Roberto (PR-PB) se estapeou com Zé Geraldo (PT-PA) após troca de ofensas verbais, o que tomou muito tempo da sessão – que também teve espaço para queixas sobre a presença dos suplentes, como em encontros anteriores.
A manobra mais marcante do dia, entretanto, foi o acolhimento de um recurso de Manoel Júnior (PMDB-PB) à Presidência da Casa, após a recusa do Conselho em aceitar questão de ordem na qual o paraibano pedia a destituição do parecer. Manoel Júnior utilizou o mesmo argumento do recurso de Cunha ao Supremo, o fato de Pinato ser do mesmo bloco parlamentar do presidente da Casa, o que é proibido pelo regimento. Como o STF não se meteu na briga do colegiado, dizendo que as regras internas devem ser aplicadas pela própria Câmara, o primeiro vice-presidente da Mesa Diretora, Waldir Maranhão (PP-MA), decidiu pela derrubada do relator. Isso levou o processo contra Cunha de volta à estaca zero, com a escolha de um novo relator, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO).
A leitura do parecer do pedetista ocorreu nesta terça-feira (15), e os fiéis escudeiros de Cunha novamente tentaram tumultuar os trabalhos, seguindo o mesmo roteiro utilizado contra o primeiro parecer. Mas Marcos Rogério, que já havia se manifestado a favor da continuidade das investigações, apenas complementou o relatório de Pinato. Isso evitou que o processo começasse a tramitar do zero, o que revoltou os aliados do presidente da Câmara. O parecer então foi votado e Cunha sofreu sua primeira derrota, com um placar de 11 a 9.
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Imagem: Brasília – Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, durante sessão para votação dos integrantes da comissão especial destinada a dar parecer sobre o pedido de impeachment da presidente Dilma (Wilson Dias/Agência Brasil)