Estudo pioneiro, lançado na COP 21 e feito em parceria com organizações indígenas, revela que reconhecer territórios indígenas pode ser um aliado de peso para barrar as mudanças climáticas
Juliana Splendore e Tatiane Klein, direto de Paris para o ISA
“Talvez se usarmos a ciência, eles nos escutarão”. A frase é de Juan Carlos Jintiach, da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), e revela o esforço, sem precedentes, feito por lideranças indígenas de quatro regiões de florestas tropicais do mundo para se fazer escutar pelos negociadores do acordo climático, em Paris.
Organizações indígenas da Amazônia, Congo, Indonésia e da Mesoamérica aliaram-se a cientistas e ONGs ambientalistas para conduzir um estudo que revela que os territórios indígenas guardam 168,3 gigatoneladas de CO2 – ou 20,1% de todo o carbono das florestas tropicais juntas. O estudo foi lançado no último sábado, 5/12, em um evento no Pavilhão Indígena da Conferência do Clima de Paris (COP 21).
Intitulado “Os estoques de carbono florestal tropical em territórios Indígenas: uma análise global”, o estudo mostra que cerca de 9% do carbono florestal nas regiões analisadas estão em territórios indígenas que ainda não possuem reconhecimento oficial dos governos. Se essas florestas fossem destruídas, aproximadamente 76,4 gigatoneladas de CO2 seriam emitidas, quase 1,5 vezes as emissões de gases efeito estufa de todo o planeta em 2014.
Abdon Nababan, secretário geral da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago da Indonésia (Aman), uma das organizações que apresenta o estudo, discursou no evento de lançamento do documento. “Conservando a floresta, nós não apenas estamos salvando vidas indígenas, mas também as suas vidas, onde quer que você viva”, disse.
“Estou muito feliz em ver o resultado desse estudo. Nós somos capazes de proteger nossos territórios. É o reconhecimento dos nossos direitos territoriais que vai permitir que a gente continue praticando nossas culturas e proteja esses territórios”, declarou Joseph Itongwa, diretor da Rede de Populações Indígenas e Locais para a Gestão Sustentável dos Ecossistemas Florestais na África Central (REPALEAC).
No país de Itongwa, a República Democrática do Congo, nenhum território indígena é oficialmente reconhecido pelo governo. Por isso, as lideranças reivindicam o reconhecimento dos seus direitos territoriais como a condição “número 1” para continuar atuando na mitigação dos impactos das mudanças climáticas.
Contribuições indígenas ao Acordo de Paris
Cándido Mezúa, líder indígena da Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas (AMPB), também destacou o papel do estudo para demonstrar que os indígenas devem ser levados a sério nas negociações. “Se a decisão estivesse nas mãos dos povos indígenas, nós já teríamos parado o desmatamento,” afirmou.
Além das reivindicações territoriais, os indígenas insistem que suas contribuições para mitigar a mudança climática sejam reconhecidas nas metas apresentadas pelos governos à Conferência do Clima, as INDCs, sobretudo em relação ao setor florestal.
“Espero que essa informação científica que eu e meus colegas provemos sirva para que os povos indígenas possam contribuir para a construção de um acordo global sobre mudanças climáticas em Paris”, afirmou Wayne Walker, um dos responsáveis pela pesquisa no Woods Hole Research Center (WHRC), durante sua apresentação no Instituto de Altos Estudos Latino-Americanos (IHEAL), da Universidade Sorbonne, nessa segunda-feira (7/12).
Durante a última semana, as lideranças presentes no “Caucus” dos Povos Indígenas, da Convenção do Clima da ONU, fizeram um trabalho intenso de articulação política e de convencimento de negociadores oficiais para incluir suas demandas pela inclusão dos direitos indígenas e dos seus conhecimentos tradicionais no acordo de Paris. Esse trabalho continuará na segunda semana da COP 21 (saiba mais).
Na Amazônia, 32,8% do carbono está em TIs
A base o estudo lançado agora foi outro, divulgado em 2014, que revelou a quantidade de carbono e as ameaças à conservação de florestas e territórios indígenas na Amazônia. Conduzido por uma articulação entre o ISA, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), a Coica, o Environmental Defense Fund (EDF) e o próprio Woods Hole, esse estudo anterior mostrou que 32,8% do carbono da Amazônia está em TIs, mas também que 22,2% desse total está em territórios não reconhecidos oficialmente (saiba mais).
“Estudos como este reforçam que, devido ao carbono que existe em TIs, as intervenções de reduções de emissões que ocorrem nesses territórios devem ter como foco as iniciativas de gestão territorial dos próprios povos indígenas”, avalia Jorge Furagaro, liderança da COICA. Para ele, a ideia fundamental é transformar a visão atual de desenvolvimento econômico associado ao desmatamento para um novo paradigma, em que se valorize a floresta em pé. Para isso é preciso criar alternativas econômicas para os povos da floresta e garantir o acesso direto aos fundos climáticos por parte de organizações indígenas.