Bruno Bocchini – Repórter da Agência Brasil
Um mês depois do início do movimento de ocupação das escolas da rede pública do estado de São Paulo, os estudantes secundaristas continuam nas ruas. Hoje (9), os alunos fazem nova manifestação, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), agora voltada à defesa de educação de qualidade e de maior participação da comunidade na gestão escolar. O ato também é contra o autoritarismo do estado e os cortes do governo na educação.
Iniciadas na Escola Estadual Diadema, na região do ABC, na noite do dia 9 de novembro, as ocupações começaram com o objetivo de combater a proposta de reorganização escolar do governo estadual. A ação, no entanto, extrapolou a intenção inicial: alcançou cerca de 200 escolas, levantou a discussão sobre a qualidade do ensino nas escolas públicas, derrubou o secretário da Educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, e fez com que o governador Geraldo Alckmin revogasse o decreto que instituía a reorganização escolar em todo o estado.
Os estudantes assumiram o controle das escolas ocupadas, organizaram-se em equipes (de segurança, de limpeza, de atendimento à imprensa, de alimentação, de alojamento) e passaram a deliberar as ações do grupo por meio de assembleias. No lugar das aulas, eles desenvolveram uma rotina própria nos prédios ocupados, organizando aulas públicas e cursos.
O projeto da Secretaria da Educação do Estado previa o fechamento de 94 escolas e a transferência de cerca de 311 mil estudantes para instituições de ensino na região onde moram. O objetivo da reorganização, segundo a secretaria, era segmentar as unidades em três grupos, conforme a idade e o ano escolar. De acordo com o órgão, a segmentação melhora o rendimento dos alunos.
Os estudantes ressaltam que a comunidade escolar não foi ouvida pelo governo sobre as mudanças. Eles argumentam que as alterações e transferências, se colocadas em prática, causariam a ruptura, entre outras questões, da relação que os alunos desenvolveram com colegas e prejudicariam a logística dos pais, que muitas vezes se utilizam dos filhos mais velhos para levar os irmãos mais novos para a escola.
Novas reivindicações
Após conseguir a revogação da medida, os estudantes agora passaram a pressionar o governo por mais participação na gestão escolar, melhoria da infraestrutura das escolas e valorização dos professores.
“A nossa reivindicação agora, além da garantia de que os que participaram do movimento não serão retaliados, é pela melhoria da educação nas escolas e o aumento da participação na administração. A eleição do diretor pela comunidade é uma das propostas”, destaca Fabrício Ramos, que cursa o terceiro ano do ensino médio na Escola Caetano de Campos, região central da capital.
A presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, acredita que o momento é de fazer um debate profundo sobre a qualidade do ensino público.
“Essas ocupações provocaram os alunos de tal forma que eles vão dizer: eu não quero mais sentar em frente à lousa. Eu vou querer sentar no chão, vou querer outro tipo de aula, e isso vai requerer nova dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar. Estamos falando da necessidade de ter biblioteca, de ter laboratório, para que os alunos sintam que são convidados a ir e a ficar na escola”.
Na última sexta-feira (4), horas antes do anúncio da revogação da proposta e da queda do secretário de Educação, a Apeosp contabilizava 205 escolas ocupadas e duas diretorias de ensino, a de Sorocaba e a de Santo André. Pela conta da secretaria, eram 196 escolas ocupadas.
Hoje, o número é menor. Gradativamente, desde a revogação do decreto, os alunos passaram a desocupar as unidades. A Diretoria de Ensino de Sorocaba já foi liberada pelos estudantes. Segundo a secretaria, 145 estavam ocupadas na noite de ontem (8); de acordo com o sindicato, eram 149.
Em meados de novembro, quando o movimento de ocupação começou a tomar corpo, o governo do estado, por meio de ações na Justiça, tentou retirar os estudantes das escolas. Recorrentes pedidos de reintegração de posse foram feitos. No entanto, na maioria das vezes, os juízes e desembargadores se posicionaram contrariamente ao pedido do governo estadual. Na capital paulista, o colégio de desembargadores do Tribunal de Justiça, que jugava a ação, decidiu por unanimidade contra a reintegração.
Manifestações na rua
A revogação pelo governo da reorganização escolar ocorreu uma semana depois que os estudantes, principalmente a partir do dia 30 de novembro, passaram a fazer manifestações nas ruas, com o fechamento de cruzamentos importantes da capital, assim como das marginais e de estradas. Em reação a essa movimentação, a polícia começou a reprimir os alunos que participavam dos atos. Foram registradas agressões com cassetetes, gás de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. Alunos foram detidos e apoiadores, presos. A ação da polícia vai gerar uma denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA), segundo o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
“Temos uma ação já em curso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA que trata da criminalização da juventude no Brasil. E agora apresentaremos, na próxima semana, um informe sobre a criminalização e a violência contra os jovens que estão legitimamente se manifestando aqui em São Paulo”, destacou.
O Ministério Público (MP) estadual também passou a recolher dados e informações sobre a violência policial contra os alunos. O órgão ingressou com uma ação civil pública contra a reorganização proposta pela secretaria, pedindo a criação de uma agenda de debates sobre o tema em 2016. De acordo com o MP, o governo do estado não respeitou os princípios da legalidade e da publicidade na administração pública ao tentar implantar a reorganização.
“O governo não pode agir de forma a surpreender o governado. Repentinamente, vem uma decisão ao final do ano de que aqueles alunos vão para outro lugar, para outra escola, em outra organização, isso traz surpresa, não houve transparência”, disse o promotor Eduardo Dias Ferreira, um dos autores da ação. “Para fazer um paralelo, já imaginaram o que iria ocorrer se 311 mil alunos do ensino privado de São Paulo tivessem que deixar as escolas onde têm identidade e amigos há anos, para ser transferidos a outra escola?”.
A estudante Isabela Ramos da Silva, de 19 anos, aluna da Escola José Leandro de Barros Pimentel, em Barueri, disse que foi informada sobre o fechamento do curso noturno no fim do ano e que não recebeu nenhuma justificativa.
“Não recebemos nenhuma justificativa para o fato de o período noturno da minha escola ser fechado. Só ficamos sabendo: vai fechar o período noturno e não vai ter mais, e foi bem no final [do ano]. Fomos uns dos últimos a saber. E aí ficamos surpresos. A gente até pôde fazer rematrículas para as escolas mais próximas, mas elas já estão superlotadas. Então, como vai receber mais gente?”, questionou.
Em nota, a Secretaria de Educação do estado disse que tem atuado para entregar escolas melhores, com ambientes mais preparados para cada faixa etária e com profissionais capacitados para atender aos estudantes: “As manifestações, embora legítimas, não podem desinformar e alimentar em pais e alunos falsos temores. Também não podem sobrepor o direito dos estudantes paulistas por uma educação de mais qualidade”.
Segundo a secretaria, manter juntos os alunos da mesma idade é prática comum de alguns dos melhores colégios do país e de países-referência em educação. “As informações, ainda não oficiais, propagadas por um sindicato com claras pretensões políticas, tenta, mais uma vez, inviabilizar melhores condições aos alunos e também aos profissionais da rede estadual. A secretaria lamenta e garante que permanecerá atuando por meio do diálogo com os educadores e o compromisso com o ensino”, acrescenta a nota.
De acordo com a Secretaria de Educação, a intenção era que as unidades tivessem ciclos únicos, porque há estudos indicando que o aluno tem rendimento 10% maior nesse modelo. Além disso, a secretaria informou que, desde 1998, as escolas estaduais deixaram de receber 2 milhões de matrículas. Por isso, há necessidade de readequação.
O governador Geraldo Alckmin, que suspendeu a reorganização escolar, disse que fará debates em 2016 para ouvir a sociedade. “Decidimos adiar a reorganização e rediscuti-la escola por escola, com a comunidade, com os estudantes e, em especial, com os pais dos alunos. Acreditamos nos benefícios da reorganização, 2016 será um ano de aprofundarmos o diálogo”, afirmou Alckmin.