A afirmação acima é do coordenador da Anced/Seção DCI – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, Vinicius Valentin Raduan Miguel, que representa a instituição no Conselho Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT).
Durante a última reunião ordinária do ano do CNPCT, realizada nos dias 8 e 9 de dezembro, em Brasília, o Coordenador avaliou a atuação do órgão e a grave situação de tortura fecunda no país. Na reunião do CNPCT estão como pauta os seguintes pontos: situação do sistema socioeducativo do Ceará; as estratégias para fomentar a criação de Comitê e Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura; extermínio da juventude; recomendação ao CNJ sobre o tema do afastamento extrajudicial de funcionários do Sistema Socioeducativo acusados de tortura e que acabam reintegrados por ordem judicial e recomendação do papel fiscalizatório das Defensorias e entidades de direitos humanos em unidades socioeducativas.
Confira a entrevista.
Como tem sido a atuação do CNPCT diante de casos que chegam até ele?
Vinicius: A atuação tem sido instar os órgãos locais com atribuição imediata de fazer cessar ou interromper a prática, além de, sendo o caso, solicitar a atuação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura ou Local para apurar casos estratégicos. Vários casos, que atendem requisitos elencados pela Mesa Diretora, resultam em acompanhamento, com requisição de informações, reuniões técnicas com atores locais envolvidos, atuação de incidência com governos e legislativos.
Diante destes casos, qual tem sido a avaliação do CNPCT sobre o cenário nacional relacionado às denúncias de tortura, especialmente, em casos que envolvem crianças e adolescentes?
A tortura existe. Tratamentos cruéis e degradantes existem. Isso é uma constatação, embora as subunidades federativas insistam em negar. Uma constatação é que uma das razões que favorecem a sua ocorrência é a ausência de visitações periódicas de entidades de direitos humanos, Conselhos de Direitos e, em alguns casos, uma não tão ativa intervenção de Defensorias e MPs. Sem um adentramento de ideias de prevenção, com corregedorias e ouvidorias, sem a capilaridade de organismos proativos como os mecanismos estaduais e a intensa atuação da Sociedade Civil, será muito difícil um órgão único, de dimensão nacional, possuir capacidade de articulação e de fiscalização.
Qual é a definição de tortura?
A Convenção Contra a Tortura da ONU define a prática “tortura”, designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Por óbvio, temos uma questão bastante grave que é, em casos concretos, reconhecer e, pior, comprovar judicialmente a prática, muitas vezes desqualificada para crimes mais brandos, como abuso de autoridade ou lesão corporal.
Quais são os resquícios da prática da tortura no país?
A tortura é parte da nossa tradição sádico-autoritária. Lembremos a escravidão, em que corpos eram sujeitados e submetidos aos mais horríveis suplícios, sempre de modo público, para que servisse como algo exemplar. Esse castigo, de natureza privada, administrada pela arcaica elite política e econômica, não comportava um mínimo de direito de defesa ou de reconhecimento da dignidade humana. Isso persistiu nas Américas até o século XIX, sendo seguido por golpes militares e abortos bruscos de outras experiências democráticas. Assim, a tortura, com outras formas de violência de Estado, como os desaparecimentos forçados (eufemismo para as execuções extrajudiciais) e prisões arbitrárias, espalhou-se atingindo um patamar de cultura estatal na estrutura latino-americana. Esses aspectos histórico-sociológicos estão arraigados, sendo ausente uma vivência democrática e de respeito aos direitos humanos.
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