A comunidade quilombola do Cafundó, localizada no município de Salto de Pirapora (SP), comemorou mais uma conquista rumo à titulação definitiva de seu território na última quinta-feira (26), ao som de tambores e com plantio de mudas de baobá. A cerimônia festiva ocorreu para marcar o recebimento do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), entregue em mãos a integrantes da comunidade pela presidenta Dilma Rousseff no último dia 19, em Brasília (DF). Representantes do Incra, da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), da Fundação Cultural Palmares, da Fundação Instituto de Terras de São Paulo, além de órgãos do poder público local participaram da atividade.
O presidente da Associação Remanescente do Quilombo Kimbundu do Cafundó, Marcos Norberto de Almeida, e outros moradores da comunidade, como Jovenil Rosa e Regina Aparecida Pereira, reforçaram a marca da resistência ao longo da história do Cafundó. “Devemos muito aos nossos ancestrais, como dona Ifigênia, e tantos outros que nos legaram exemplos de luta e companheirismo. Apesar das muitas dificuldades, das decepções, estamos cada vez mais próximos de conquistar nossa terra. Vamos nos manter unidos para a luta que ainda continua”, afirmou Regina.
Na oportunidade, ela agradeceu a presença de pesquisadores e outros apoiadores que com suas teses e documentários vêm difundindo o legado da comunidade, conhecida como um pedaço do passado no coração de São Paulo. “Foi bom não termos desistido, muitos não acreditavam que conseguiríamos”, comentou Marcos Norberto de Almeida, ao citar a necessidade de programar ações para o desenvolvimento do Cafundó.
O superintendente regional do Incra em São Paulo, Wellington Diniz Monteiro, esclareceu que o CCDRU é um documento emitido pelo Incra que garante à comunidade a posse do imóvel até a homologação da decisão judicial para a titulação definitiva do território. “É um instrumento importante para que as comunidades quilombolas possam acessar suas terras e usá-las com segurança para moradia, atividades produtivas e de lazer”, informou.
No caso do Cafundó, a concessão refere-se a duas glebas do Quilombo Cafundó – a Gleba A, com área de 19,4 hectares (onde moram os quilombolas) e a Gleba C, com área de 32,2 hectares. A maior gleba, a ‘D’, com área de 122 hectares, foi desapropriada pelo Incra em 2012 e também já está em posse da comunidade. A área total do território, reconhecido por portaria de 2006, é de 218 hectares.
“Graças ao empenho do Incra, especialmente da equipe do setor de regularização de territórios quilombolas, toda a área está desinstrusada, ou seja, não há mais moradores não-quilombolas no Cafundó”, lembrou o superintendente. Segundo ele, a regularização dessas terras vem trazendo segurança jurídica e a perspectiva de desenvolvimento para a comunidade, após décadas de lutas, conforme determina a Constituição de 1988, que garantiu o direito das comunidades quilombolas à titulação de suas terras.
O plantio de três mudas de baobá em cada uma das glebas que já se encontram sob a posse da comunidade marcou a reconquista das terras. “Que esses baobás tragam a força da nossa ancestralidade e da nossa conexão com a terra. Em muitas aldeias africanas diziam que os colonizadores podiam tirar as pessoas da terra, mas não os baobás. É um símbolo da importância das nossas raízes e da luta pelos nossos territórios”, afirmou o professor T.C. Silva, da Rede Mocambos, que presenteou a Associação Kimbundu com as mudas e um livro sobre os baobás.
Histórico
A pequena comunidade quilombola do Cafundó ficou famosa por ter sobrevivido como um pedaço do passado no coração de São Paulo. Localizado a apenas 125 quilômetros da capital do estado, o Cafundó ainda possui falantes de uma língua própria, a cupópia, variante linguística do bantu. As terras originárias da comunidade foram sendo cercadas, ameaçadas pela especulação imobiliária, tomadas por pastagens e até mesmo por um porto de extração de areia. As atuais 28 famílias da comunidade só conseguiram permanecer em suas terras por conta de uma ação de usucapião, movida por uma antiga liderança, Otávio Caetano, em 1972.
Impedidos de exercer seus modos tradicionais de produção, os cafundoenses se viram relegados a precárias condições de vida e sujeitos à violência dos novos posseiros, situação que foi sendo revertida com as ações de regularização fundiária que vão permitir à comunidade assegurar seu território. O processo foi iniciado com o relatório técnico/antropológico produzido pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo (Itesp) em 1999 e teve continuidade com a edição do Decreto nº 4.887/2003 que delegou ao Incra a atribuição de promover a regularização dos territórios quilombolas.