Marco: UFPA tem primeiro indígena doutor

UFPA

A tarde deste 20 de novembro de 2015 foi um marco para a inclusão da população indígena na Universidade Federal do Pará (UFPA). Após a defesa de sua tese, Almires Martins Machado, da etnia Guarani, é o primeiro indígena a receber o título de doutor na Institruição, com o trabalho intitulado De Sonhos ao Oguatá Guassú em busca da(s) Terra(s) Isenta(s) de Mal. A apresentação aconteceu em uma Sala, lotada, da Congregação no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), com a presença de docentes, discentes e outros indígenas, além da imprensa televisiva local.

O trabalho de Almires, orientado pela professora Jane Beltrão, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA), do IFCH, versou sobre a história de seu povo. “Quando disse na minha aldeia que iria fazer uma tese, me disseram ‘Agora vais escrever a nossa história, de um jeito que os brancos entendam’”, disse o agora doutor.

Tese – Partindo desse propósito, o autor contou sobre a migração dos Guarani, que saíram de Missiones, na Argentina, até chegar ao Pará, em busca do que chamam de “terra sem mal”. Para explicitar as motivações do seu povo, Almires discorreu sobre a visão de mundo dos Guarani e o significado dessas mudanças de locais de morada, em que a terra habitada, de local estranho, se torna ressignificada, humanizada, “guaranizada”, numa caminhada em busca do bem viver. Ao comentar a cultura de seu povo, ele também refutou compreensões da etnologia feita por não-indígenas acerca dos indígenas. “É preciso repensar o que já foi dito e escrito sobre nós”, frisou.

Coletividade – Assim como o tema de sua tese foi decidido pela comunidade, a escrita também foi, de certa forma, coletiva, com a participação de todos nos relatos da história do povo. “A redação desse trabalho é minha, mas as ideias apresentadas foram todas discutidas com a comunidade. Até a versão final da tese passou por uma revisão da aldeia”, destacou.

Da mesma forma, o próprio ingresso de Almires no ensino superior foi decidido pela comunidade. “Eu fui escolhido pelo conselho de velhos, que definiram que eu seria a pessoa da nossa aldeia que deveria entrar na universidade para conhecer o pensamento do branco. Agora, como professor universitário, a expectativa deles é que, estando aqui dentro, eu ajude a dar cada vez mais condições de trazer mais indígenas para cá.”

Políticas afirmativas – Toda a trajetória acadêmica de Almires esteve relacionada com as políticas afirmativas para indígenas, desde sua graduação em Direito, no Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran), no Mato Grosso do Sul, até o mestrado em Direitos Humanos e Doutorado em Antropologia, na UFPA. A Federal do Pará foi pioneira em reservar vagas para indígenas e negros nos seus Programas de Pós-Graduação.

Almires considera seu doutoramento uma resposta à sociedade. “Isso mostra a nossa capacidade de chegar a qualquer patamar. Precisamos apenas de políticas públicas, oportunidades”, opinou.

Banca – Compuseram a banca examinadora da defesa, além da orientadora, professora doutora Jane Beltrão, os professores doutores Eremites de Oliveira, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), e Mauro Cezar Coelho, Márcio Couto Henrique e Cristina Donza Cancela, da UFPA. Os avaliadores ressaltaram a qualidade do trabalho e sua relevância para qualquer interessado na temática indígena.

Para a orientadora, a tese é muito importante porque apresenta a história do ponto de vista dos Guarani, e não do ponto de vista de não-indígenas. “Existe uma literatura muito farta sobre os Guarani, mas não feita por eles próprios”, lembrou. Para ela, Almires é apenas o primeiro de muitos indígenas que ainda receberão o título de doutor na UFPA. “O trajeto percorrido por ele é a demonstração de que, apesar de todos os percalços que os povos indígenas passam para chegar à universidade, eles se diplomam por sua própria capacidade e experiência que possuem. As políticas de reserva de vagas dão certo, precisamos apostar nelas cada vez mais”, comemorou.

Texto: Ádria Azevedo – Assessoria de Comunicação do IFCH/UFPA
Foto: Adolfo Lemos

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Elen Pessôa.

 

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