Reclamar de “racismo contra brancos” é o fundo do poço, por Leonardo Sakamoto

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O que leva alguém a defender publicamente um Dia da Consciência Branca na mesma data em que se celebra o Dia da Consciência Negra?

Alguns vão dizer que a pessoa está apenas exercendo o seu direito à liberdade de expressão. Concordo. Da mesma forma que ao sair gritando nu, com o corpo pintado de dourado, segurando um cabrito imolado, dizendo que sou Nabucodonosor, apogeu e glória do povo assírio, também estarei sendo livre.

Certamente muitos pais e mães apontariam para mim e pediriam a seus rebentos para não seguirem por esse caminho.

Mas será que a mesma quantidade de progenitores ficariam preocupados em explicar que alguém que defende com veemência que brancos marchem em nome de seus direitos em um país onde eles são cidadãos plenos está num barco pior que o japonês que corre pelado? Pelo menos as consequências dos meus atos não seriam negativos para ninguém – exceto para o cabrito, claro.

Considero um insulto alguém dizer que brancos são vítimas de preconceito estrutural e se comparar a negros e indígenas.

O que muitos chamam de “racismo contra brancos” por aqui nada mais é do que a reação de alguns inconformados diante dos ainda tímidos e minúsculos resultados de políticas públicas, adotadas por pressão da sociedade civil, para diminuir o preconceito estrutural.

Há um pessoal que não se indigna diante do fato da mulher negra ganhar, em média, muito menos que o homem branco para uma mesma função. Indigna-se com quem diz que racismo existe no Brasil.

Não ficam revoltados diante do genocídio de jovens pobres e negros na periferia da grandes cidades. Revoltam-se com a filha negra da empregada se sentar no mesmo banco de faculdade que eles.

Não acham preconceito dar porrada no sujeito que foi acusado de roubar o próprio carro no estacionamento do supermercado por ser negro. Para eles, preconceito são as cotas.

Seria cômico se não fosse trágico o perigo representado por uma maioria (com direitos assegurados) que se manifesta de forma organizada – e, por vezes, violenta – diante da luta de uma minoria por sua dignidade. Lembrando, é claro, que “maioria” e “minoria” não são uma questão numérica, mas sim de quanto um grupo consegue efetivar sua cidadania.

Uma maioria que vai perdendo a vergonha de reivindicar a manutenção de privilégios, garantindo, dessa forma, o espaço que já é seu (conquistado por violência, a ferro e fogo). Mesmo que a obtenção de direitos pela minoria não signifique redução de direitos dessa maioria mas, apenas, necessidade de tolerância por parte desta.

A importância de datas como o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta (20), não está apenas na possibilidade de grupos historicamente oprimidos discutirem com a sociedade as narrativas da exploração, da violência e do preconceito que os mantém como cidadãos de segunda classe. Essas datas também são ótimas para identificarmos esses comediantes sociais.

Um sentimento de vergonha alheia, muito maior do que sair pelado e dourado na rua com um cabrito imolado nas mãos, toma conta de mim quando vejo esse povo branco, hétero e homem dizer que se sente oprimido por negros, gays, lésbicas, transexuais e mulheres.

Nessas horas, só posso citar a sabedoria presente na mitologia cristã, uma das melhores passagens de toda a bíblia, em minha humilde opinião.

Evangelho de Lucas, capítulo 23: Pai, perdoai. Eles não sabem o que fazem.

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