Primeiramente perguntemo-nos: será que se realmente tivéssemos uma legislação ambiental assim tão avançada o panorama ambiental crítico mais uma vez desnudado, agora no caso Samarco, seria este que estamos presenciando? Será que uma coisa tem a ver com a outra?
Quando se trabalha diretamente na área ambiental você consegue observar a infinidade de buracos e a fragilidade que a nossa legislação tem. Precisamos melhorar muito, MUITO! Eu não posso chamar de avançada uma legislação que prevê uma pena de reclusão de até oito anos para quem causar poluição em níveis que resultem em danos à saúde humana, se tem uma outra lei que ao mesmo tempo prevê a possibilidade de imputação de uma transação penal onde a pessoa, física ou jurídica, presta um serviço qualquer como plantio de mudas e tudo fica bem.
Eu não posso entender a legislação ambiental do Brasil como avançada se ela prevê a incidência de penalidades da lei de crimes ambientais ao diretor, administrador, auditor, gerente de empresa e ao mesmo tempo, eu, com meus seis anos de trabalho no Ibama, não me recorde de nenhum responsável por uma empresa que tenha sido preso pela prática de qualquer crime ambiental.
É triste, mas é uma realidade. Enquanto o Brasil for o país do jeitinho, principalmente nos tribunais afora, seremos obrigados a ver resultar em um simples Termo de Ajustamento de Conduta situações como a da Chevron que, segundo o relatório da ANP, se tivesse conduzido suas operações em plena aderência à regulamentação e ao seu próprio manual de procedimentos, teria evitado o vazamento de 3,7 mil barris de petróleo que afetou uma área de 11,8 km² na costa fluminense no ano de 2011.
Mas voltando ao caso da mineração, basta olharmos a experiência de outros países e veremos como a nossa legislação pode e precisa melhorar. Em muitos países desenvolvidos as empresas só podem instalar seus empreendimentos com o depósito de uma garantia financeira no valor equivalente ao previsto para recuperação de áreas degradadas. Não há atividade de mineração sem degradação e justamente por isso estes países não permitem que se instale uma mineradora sem essa garantia. Ainda não conseguimos chegar nesse nível no Brasil.
Há, na verdade, um enorme passivo de minas que foram literalmente largadas após serem exauridas ao longo de toda a nossa história. E chega a ser vergonhoso que o Brasil, sendo o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo, ainda não tenha criado instrumentos legais de garantia financeira para recuperação de danos ambientais da indústria mineral. E nós já sabemos de onde essa mudança deve partir. Sim, do congresso nacional, por iniciativa do executivo ou iniciativa popular.
Iria além. Nós deveríamos não só instituir os mecanismos de garantia financeira, como também melhorá-los, prevendo a sua utilização para a adoção das medidas mitigatórias de contenção e recuperação de danos causados em situações como essa de Mariana. O valor da garantia financeira poderia ser estabelecido previamente considerando a capacidade financeira do empreendedor, o porte do empreendimento e categoria de risco e do dano potencial associado às suas barragens. Isso forçaria as empresas a irem, paulatinamente, mudando a sua categoria de risco para uma cada vez menor para conseguirem reaver parte do valor depositado. E no caso de alguma falha na operação, o país já teria um fundo onde recorrer para adotar as medidas mitigatórias, sem a necessidade de abrir um burocrático processo de bloqueio de bens do empreendedor para isso.
Mas aí algum desavisado diria: Eu sou contra. Isso aumentaria o custo-brasil, diminuiria o interesse de empresas em investir no país! Bom… Como havia dito, o Brasil é o SEGUNDO maior produtor de minério de ferro do mundo. O PRIMEIRO é a Austrália e ela tem instrumentos de garantia financeira implantados na sua política ambiental há 21 anos. Lá, dependendo do tipo de degradação, onde ela se encontra, o tipo de rejeito produzido, e entre outras variáreis, é previsto um depósito do equivalente a até 150 mil reais para cada hectare degradado.
A legislação ambiental brasileira prevê a responsabilização administrativa, civil e criminal das pessoas jurídicas, incluindo pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. Mas cá pra nós, caso os laudos técnicos e periciais apontem de forma categórica negligência na operação da barragem pela Samarco, você acredita que alguém irá preso? Se a sua resposta é “não”, você entendeu que não adianta termos uma legislação ambiental “avançadíssima” se ela não é efetivamente aplicada pelo judiciário. E se o judiciário não leva a sério a aplicação das sanções penais da lei de crimes ambientais, você acha que aquele que deveria vai se preocupar em cumpri-la? Se a sua resposta novamente é “não”, você entendeu que uma coisa tem sim a ver com a outra.
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Wallace Lopes é analista ambiental no Ibama.
Álvaro. De fato, infelizmente esses “buracos” não são privilégio apenas da legislação ambiental. Obrigado pelo comentário.
Helen. Realmente o termo de compromisso, que era pra ser uma exceção, agora virou regra. Em muitos órgãos ele tem substituído a licença ambiental, principalmente nos casos como da pessoa que instala o empreendimento, mas não procurou o órgão ambiental previamente para adquirir a licença. Aí, para não fechar a empresa até que a licença saia, ele assinam um termo de compromisso para revestir de legalidade o funcionamento do empreendimento. É o fim da licença prévia e da licença de instalação.
Colocou bem “o dedo na ferida”, mostrando como as instituições do pais, deixam na legislação”espaços de fuga” para q a elite empresarial, nunca seja realmente penalizada,pelos crimes q comete. Isso vale para toda nossa legislação, não só a ambiental. Parabéns.
Olá, achei de extrema importância seu comentário, trabalho em um órgão ambiental estadual há quase três anos e cada vez mais vejo situações em que Termos de Compromisso são firmados e prolongados por anos deixando empreendimentos funcionarem na ausência de projeto ambiental, outorga de água e outros… Quero ainda encontrar uma forma de evitar a degradação ambiental de forma contundente, pois ainda não consigo cumprir a minha parte graças ao “jeitinho brasileiro”.