O dia 20 de novembro marca o dia da Consciência negra no Brasil. Instituído oficialmente desde 2003, essa data já é secular para as organizações e movimentos negros, pois faz homenagem à Zumbi dos Palmares, negro escravizado que lutou juntamente com sua companheira Dandara pela liberdade do povo negro no Brasil e que foi assassinado em 1695.
O debate em torno da defesa dos direitos humanos não pode se abster da transversalidade da questão racial, já que muitas das violações de direitos têm como pano de fundo o imaginário da superioridade (e inferioridade) de determinados grupos raciais.
O genocídio da juventude negra é uma das faces mais dramáticas e perversas das violações de direitos humanos no Brasil. Somente em 2015, chacinas em bairros negros ocorreram de forma livre e incentivada pelo Estado brasileiro, como nos casos de Cabula, em Salvador/Bahia, nas favelas de Belém/PA, na região metropolitana de São Paulo e a mais recente em Fortaleza/CE. Apenas para elencar casos emblemáticos. O padrão de execução é o mesmo em todas as chacinas: jovens, negros, de periferia.
O feminicídio e a alta mortalidade materna das mulheres negras mostram outra faceta do racismo muito arraigada na cultura de direitos no Brasil. A interseccionalidade de gênero e raça expõe mulheres negras às mais diversas formas de violação, desde a liberdade de consentimento até o acesso a direitos básicos.
O racismo patriarcal treina os olhos de uma sociedade que permite (ainda que por denegação) a violência contra as mulheres negras. O racismo e o sexismo, como questões socialmente valoradas, estão imbricados no direito e, consequentemente, no próprio sistema de justiça brasileiro. A efetivação de direitos humanos está relacionada à própria maneira pela qual direito e sistema de justiça percebem os sujeitos inseridos nesta sociedade.
A afirmação de que o sistema jurídico-judiciário brasileiro está marcado pelos valores do racismo e do patriarcado pode ser observada na seletividade do sistema de justiça, onde o sistema carcerário é majoritariamente negro e crimes raciais rarissíssimas vezes chegam a ser punidos.
No plano das Declarações de Direitos Humanos, o Brasil ratifica a Declaração de Beijing (IV Conferência Mundial sobre a Mulher) e a Declaração de Durban (III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação racial, Xenofobia e Intolerância Correletas). Estes documentos poderiam ser percebidos como instrumentos internacionais que comprometem o Estado brasileiro a garantir os direitos humanos da população negra. A Declaração e Programa de Ação de Viena, que foi feito durante a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em 25 de Junho de 1993, em Viena, também é outro documento para efetivação desses direitos. Mesmo assim isso não representou (nem representa) a garantia de melhores condições sociais para esta população.
Neste sentido, 320 anos após a morte de Zumbi do Palmares, o dia da Consciência Negra permanece como uma pauta central na luta e defesa dos direitos humanos no Brasil. Sem esse olhar, o discurso em torno da defesa dos direitos humanos torna-se retórico e esvaziado de sentido.
* Por Luana Basílio, Assessora de Direitos Humanos da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil