Jilwesley Almeida – Especial para Adital
A Artemis, organização social voltada para a defesa dos direitos das mulheres brasileiras, entrou com uma medida cautelar na Organização de Estados Americanos (OEA), órgão internacional de direitos humanos, contra a aprovação do Projeto de Lei nº 5.069/2013. A proposta é de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro] juntamente com mais 12 deputados.
O PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, em outubro último. A proposta dificulta o aborto legal nos casos de gravidez decorrente de estupro. Caso entre em vigor, as vitimas de violência sexual só poderão abortar legalmente se comunicarem o fato às autoridades policiais e realizarem exame de corpo de delito, para comprovarem que realmente foram estupradas.
Para a diretora jurídica da Artemis, advogada Ana Lucia Keunecke, o Projeto representa um retrocesso aos direitos humanos das mulheres e fere a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção De Belém Do Pará [1994].
O Projeto de Lei de Cunha só considera como violência sexual práticas que resultam em danos físicos e psicológicos, ignorando os casos em que a vitima é estuprada, sem que haja nenhuma marca da violência.
De acordo com a redação do referido PL, aquele que induzir, instigar ou auxiliar em práticas abortivas deve ser condenado a uma pena de quatro a oito anos de prisão: “Art. 127-A. Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto, induzir ou instigar gestante a usar substância ou objeto abortivo, instruir ou orientar gestante sobre como praticar aborto, ou prestar-lhe qualquer auxílio para que o pratique, ainda que sob o pretexto de redução de danos: Pena – detenção de quatro a oito anos”.
A Lei atual, que está em vigor no Brasil desde 1940, estabelece, em seu artigo 128, que não se pune o aborto praticado por médico. Já a proposta de Eduardo Cunha também estipula uma pena de cinco a 10 anos de prisão para quem auxiliar no aborto, em caso de que seja funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de Medicina. Prevê ainda o agravamento das penas, nos casos em que a gestante for menor de idade.
Veja o texto do projeto de lei de Eduardo Cunha e outros deputados.
Segundo a advogada da Artemis, o PL joga por terra todos os avanços que os movimentos feministas, sociedade civil e o governo brasileiro conquistaram, em anos de lutas. Com a denúncia da Artemis enviada a OEA, se espera que os envolvidos no Projeto de Lei sejam convocados para uma audiência, no intuito de prestarem esclarecimentos sobre as mudanças aprovadas pela CCJ.
A diretora jurídica da Artemis diz que recorrer ao órgão internacional foi a saída emergencial encontrada para tentar barrar, o mais rápido possível, o PL de Cunha. Na medida cautelar enviada a OEA, a organização diz que poderia recorrer ao Poder Executivo brasileiro para vetar a proposta, mas que seria um risco para as mulheres brasileiras esperarem todos os trâmites para pedirem o socorro legal.
A Artemis afirma ainda que até mesmo o veto da presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT] não pode garantir que a Lei não entre em vigor, porque passaria, depois, por um processo de apreciação do veto na Casa Legislativa, podendo ser derrubado. “Aguardar é correr o risco de perpetuar danos irreparáveis às mulheres brasileiras”, assegura a organização.
O aborto ilegal é outro fator preocupante e que pode ser agravado pelo PL. “As mulheres no Brasil estão morrendo em decorrência do abortamento inseguro. Na maior parte das vezes, vítimas de violência, com vergonha do julgamento, não procuram os poucos serviços de saúde que podem auxiliar no aborto seguro e legal”, alega a Artemis, no texto da medida cautelar enviada à OEA.
Veja a medida cautelar da Artemis enviada a OEA
Além de fazer a denúncia à Organização de Estados Americanos, a Artemis também assina uma nota de repúdio elaborada pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, da Defensoria Pública de São Paulo, pelo Cladem – Comitê Latino-Americano para Defesa dos Direitos da Mulher, e pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).
A nota diz que as condições impostas pelo Projeto de Lei reduz a liberdade da mulher de buscar o sistema de segurança pública, garantida pelo Código Penal. E que o aborto, em casos de gravidez resultante de estupro, é uma questão de saúde pública e não de problema prioritariamente da Justiça Criminal.
“Além de inconstitucional, [a proposta] visa apenas a trazer medo e insegurança para as mulheres, principalmente as mais pobres e em condições de vulnerabilidade, que já possuem pouco conhecimento sobre seus direitos sexuais e reprodutivos”, aponta a declaração.
A Artemis também enviou a nota aos/às deputados/as federais, para que votem contra a proposta de lei de Eduardo Cunha.
Leia aqui a nota de repúdio completa
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Imagem: Um projeto sobre a magnitude do aborto no Brasil, realizado pela ONG Ipas Brasil, juntamente com o Instituto de Medicina Social, com o apoio do Ministério da Saúde, atesta que a criminalização aumenta os riscos do abortamento inseguro