Por Raquel Rolnik, no Blog Habitat do Portal Yahoo!.
Desde a semana passada, estudantes da rede pública estadual de ensino têm ocupado escolas como forma de protestar contra o fechamento de unidades e o remanejamento de alunos, medidas anunciadas pelo governo do estado sob a justificativa de reorganizar a rede estadual. A mobilização começou em poucas escolas e logo se espalhou. Já são mais de 30, em diversas cidades do Estado, e este número não para de crescer (veja mapa colaborativo).
A reação do governo estadual tem sido a de desqualificar o movimento dos estudantes, lançando a suspeição de que se trata de movimento de “agentes infiltrados” de oposição e entrando com pedidos de reintegração de posse das escolas ocupadas. Ainda na semana passada, porém, o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi suspendeu a reintegração de posse das escolas, afirmando que “as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas – revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar.”
Além disso, a imprensa vem mostrando cada vez mais a presença ativa desses meninos e meninas, estudantes de ensino médio em sua maioria, na condução deste processo, bem como reportando sua organização e ação pacífica. E o movimento continua crescendo, trazendo à tona, para todos nós, o debate em torno das escolas públicas a partir de um ponto de vista diferente do que tem predominado até aqui.
O discurso hegemônico hoje sobre as escolas públicas é o da má qualidade associada à degradação do espaço e à falta de condições de aprendizagem. Isso em parte explicaria, inclusive, o desinteresse dos alunos pela escola, muitas vezes traduzido em violência e depredação.
Esses protestos, porém, parecem mostrar que a história não é bem assim… O que temos visto neste movimento dos estudantes é um profundo sentimento de pertencimento à escola. Esses jovens estão ocupando um espaço que já é deles para dizer justamente isso: que a escola é deles, que eles a defendem, e que não aceitam a imposição de políticas que foram definidas sem que eles, seus professores e os funcionários tenham sido ouvidos, muito menos debatido a proposta.
As ocupações mostram, portanto, que o vínculo dos estudantes com suas escolas é forte e que naquele lugar – desqualificado incansavelmente pelo discurso dominante – processos de ensino-aprendizagem se desenvolvem, reflexões são elaboradas e ações surgem cotidianamente.
É verdade que a universalização do acesso à educação iniciada nos anos 1970 foi acompanhada do sucateamento do sistema público e expansão do privado, para onde migraram as classes média e alta. Até aquela época, a educação pública, de qualidade, era privilégio de poucos, portanto, inacessível à maior parte da população.
Assim, de fato é mais que urgente a luta por ensino público de qualidade. Professores bem pagos e apoiados em seus projetos de crescimento profissional, escolas equipadas e bem mantidas, processos pedagógicos que se renovem e atualizem constantemente são elementos essenciais da luta por melhores escolas.
Mas é preciso tomar cuidado para que junto com a crítica à situação atual da escola pública não se reproduzam preconceitos que só encobrem seu valor e importância. O mero discurso da desqualificação acaba por discriminar alunos e professores das escolas públicas e não reconhecer o valor do que se passa ali.
Mesmo com todas as suas deficiências, a escola pública hoje recebe crianças e adolescentes de todas as classes e origens, sem distinção. Cada vez mais, também, esses alunos ingressam no ensino superior, inclusive o público. Não há dúvida de que ali estão presentes talentos individuais (que o discurso hegemônico às vezes aponta), mas também projetos coletivos.
Hoje, boa parte desses jovens no estado de São Paulo está mobilizada para defender suas escolas, para exigir diálogo sobre seu futuro. Ninguém gasta energia, nem se mobiliza para defender algo que não ama, que não preza, que não valoriza. Para mim, esta é uma das grandes mensagens trazidas por este movimento.
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Foto: Laura Viana.