Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
Os trabalhadores da UFSC entram no quarto mês de greve. Uma vergonha para a educação. Não por conta dos trabalhadores, que, afinal, só têm os seus corpos para fazer a luta. Mas por conta de um governo que se aproveita e estende a greve, tanto para desgastar os trabalhadores junto à sociedade, quando para economizar, dando as costas para o processo educacional.
E na UFSC, a reitora Roselane Neckel ajuda a aprofundar o fosso entre as pessoas, criando animosidades e preconceitos. Decidiu abrir o Restaurante Universitário, sem trabalhadores concursados, contratando terceirizados. O passo que faltava para a consolidação do processo de privatização do restaurante.
A cena na fila do RU foi paradigmática. Num ato do Comando Unificado – TAEs, professores e estudantes – houve a abertura das catracas. Almoço de graça para todos enquanto se tentava um diálogo com os trabalhadores e os estudantes. Um panfleto explicava a situação, contava da luta e chamava os estudantes para a batalha conjunta na defesa da universidade pública.
Muitas foram as reações. Alguns vibravam de alegria por poderem economizar um passe. Outros apoiavam a luta dos trabalhadores e muitos, muitos mesmo, faziam cara de brabos, xingando os manifestantes e pedindo a privatização do RU. “Tem que privatizar mesmo, não dá pra ficar refém dessa gente”, dizia uma garota da Odonto, tendo a aprovação das colegas. “Bando de vagabundos”, bradavam garotinhos com moletons escrito USA no peito. “Esses caras nunca estão satisfeitos” , diziam outros. E a maioria desses que lançava olhares de ódio sequer percebia que os que estavam ali, na porta, eram os mesmos que lhes servem a comida, em todos os demais dias quando não tem greve.
Na história da UFSC o RU tem uma longa tradição de luta. Ali, naquele lugar, foram realizadas as imensas assembleias dos anos 80, quando os trabalhadores começaram a se mobilizar contra a ditadura, pelo direito à sindicalização. Ali também foi palco das grandes greves dos anos 90, que tantas conquistas garantiram aos trabalhadores. Direito a ter um sindicato, isonomia, retomada da federação da mão da direita, incorporação de gratificação. Parar o RU e tomá-lo como centro da batalha era sempre o ponto de honra. E os trabalhadores do restaurante também historicamente foram fundamentais para a construção desse processo.
Com a lenta privatização iniciada durante o governo FHC, muitas coisas começaram a mudar e o próprio RU também assumiu nova cara. As grandes mesas coletivas foram substituídas pelo estilo xópin de ser. Menos possibilidade de encontro e articulação, mais pressa. E a mudança foi tanta que já nem servia mais como lugar de assembleia, pois as mesas eram desconfortáveis e imóveis. A luta foi se retirando dali. Não bastasse isso também os trabalhadores foram sendo terceirizados. O resultado é o que se vê hoje. Os concursados param, mas o RU pode seguir.
Fazer uma greve não é coisa fácil. Ela é a subversão da ordem. Então, quando ela se faz, é lógico que precisa incomodar. Por isso os serviços param. Incomodando força-se o reitor ou a reitora a atuar em consequência, exigindo do governo que as negociações se façam e a universidade possa retomar sua vida. Mas, o que tem se visto nesse ano é que os reitores não estão preocupados com a greve, nem com a educação. O negócio é fazer a coisa funcionar precariamente, para dar uma ideia de que tudo está bem. Não importa que para isso seja necessário abrir uma disputa intra-classe. É até bom. Ao jogar trabalhador contra trabalhador, fica mais fácil dominar. E os estudantes, na maioria, incapazes de compreender o pano de fundo da trama, preferem seguir, como ovelhas, a gritar: privatiza, privatiza.
Sim, muitos Restaurantes Universitários já foram privatizados em várias universidades do Brasil. E isso significa a lógica do estudante-cliente. Quem tem grana para pagar o almoço privado, come. Quem não tem que vá “mendigar” políticas públicas. É a lógica mercantilista da educação que tenta fazer crer que os que podem pagar pagam e os que não podem ganham de graça. Como se a coisa fosse assim tão simples.
A universidade é um direito, não é empresa nem fábrica. É direito à educação superior e todos devem usufruir dele. Não há que mercantilizar nem criar nichos privados para a divisão de classe. A comida é parte fundamental da permanência e o acesso à ela precisa ser como sempre foi. Caso venha a ser privatizado o RU, como querem alguns que pretendem se ver livres “dessa gente” (no caso, os trabalhadores), ninguém poderá garantir preço baixo nem qualidade.
A greve dos trabalhadores – técnicos e docentes – é por salário, por data-base, e isso é legítimo. Porque como pessoas que vendem sua força de trabalho, eles só têm os corpos para barganhar. Mas a greve também é para defender a universidade dos ataques da privatização, desejo do Banco Mundial e desejo dos governantes. Cada vez mais eles vão se desfazendo do que é direito das gentes, transformando-os em mercadoria.
Os trabalhadores sabem que essa é uma batalha dura, que sempre haverá a incompreensão por parte da sociedade – alimentada pelo preconceito contra os servidores públicos – mas esperam que os estudantes possam compreender a gravidade do que andam dizendo e fazendo. Hoje, o DCE da UFSC tem, inclusive, ajudado a fomentar esse preconceito, insuflando contra os trabalhadores nas redes sociais. Que não venham a sofrer mais tarde a chicotada da privatização.
No que depender dos trabalhadores, mesmo sendo agredidos e xingados, seguirão na defesa da universidade pública. Afinal, ele segue pública muito por conta dessa luta histórica. Os garotos e garotas bem nascidos passam, mas a instituição e os trabalhadores continuam.
Universidade pública e popular. Um dia virá…