Idosa é condenada a quatro anos por insultos racistas na avenida Paulista

Por Maria Martín, em El País

Um dos casos de racismo mais polêmicos dos últimos anos – e não foram poucos– foi encerrado na passada quarta-feira sem possibilidade de recurso. A sentença do Tribunal de Justiça de São Paulo condena a idosa Davina Aparecida Castelli, de 75 anos, a quatro anos de pena em regime aberto por ter insultado aos berros três pessoas negras que se encontravam em um shopping da avenida Paulista, a artéria financeira da capital paulista. Castelli os chamou de “macacos”, “negros imundos” e “favelados” diante uma multidão atônita. A condenação inicial em primeira instância, ditada em fevereiro de 2014, era mais severa e sentenciava a ré a quatro anos de prisão em regime semiaberto além de lhe exigir uma indenização de 28.960 reais a cada uma das vítimas, mas a Defensoria Pública, responsável pela defesa da idosa, recorreu e conseguiu um castigo um pouco mais leve. A condenada, que não se apresentou em nenhuma das vistas judiciais do processo, não pode recorrer.

O caso aconteceu em novembro de 2012 na farmácia de um shopping na Paulista. A corretora de imóveis Karina Chiaretti procurava um esmalte de unhas ao lado da filha de nove anos quando Castelli começou a berrar uma variedade de insultos racistas: “macaca, eu não gosto de negro”, “negro é imundo”, “negros são favelados”, “negros deveriam estar proibidos de frequentar shopping center”… Ao perceber a gritaria os outros dois denunciantes, Suelen Mariano e Alex Marques, também negros, se aproximaram e foram recebidos pela idosa, segundo a sentença, com os mesmos insultos e mais: “eu sou superior a vocês, porque sou descendentes de alemães”. A polícia foi chamada e, enquanto a senhora se esquivava e se refugiava em casa com a desculpa de procurar um remédio, as vítimas abriam um boletim de ocorrência e tentavam dar um basta às atitiudes da mulher já conhecida na região, e também em Curitiba, e na Justiça, por todo tipo de insultos impronunciáveis.

No Youtube é possível assistir a vários vídeos de Castelli, com um andador, chamando de lixo um mendigo paraplégico, insultando de idiotas aos polícias que tentaram prendê-la ou criando um tumulto em uma livraria de Curitiba, em fevereiro deste ano, após descarregar todo tipo de preconceitos contra uma estudante de origem asiática.

A decisão judicial, rara pela sua severidade, segundo o advogado de Karina, Francisco Queiroz, abre um precedente importante e junto com outros casos, como o de Robson de Jesus Guerra Silva que ganhou um processo contra a rede varejista Walmart, depois de ser acusado por duas funcionárias de roubar uma caixa de leite ao ser confundido com “outro neguinho ladrão”, fortalece a luta contra o racismo no país.

“Não foi exatamente a pena que a gente esperava, mas foi um ganho para toda a comunidade negra. Para todos é um vitória porque esta causa não é única. É pela minha filha, pelas nossas crianças. As pessoas não podem ficar quietas diante destes casos, pois quanto mais se calarem mais vai se repetir o preconceito”, conta Karina Chiaretti, que é sobrinha de Hélio Santos, grande líder da comunidade negra. “Tem que ir na delegacia, apesar deles te atenderem muito mal, e não desistir, não só por você, mas por toda a comunidade negra. Os negros continuam não tendo valor nenhum, vale o mesmo que valia na época da colonização. Que Brasil é esse?”.

A denunciante Karina Chiaretti
A denunciante Karina Chiaretti

Carmen Dora, ex-presidenta da Comissão Racial da Ordem de Advogados do Brasil em São Paulo, embora satisfeita, mostra-se mais crítica com o alívio alcançado na condenação da ré, após recurso da Defensoria Pública. “Recentemente essa senhora reproduziu esse comportamento em um shopping de Curitiba, o que demonstra que ela acha que pode continuar assim. Ela desrespeitou o poder Judiciário [ao não se apresentar diante a juíza], deveria ter sido mantida a sentença de primeira instância”, lamenta a letrada. “Nossa Justiça ainda está muito atrasada em relação a essas questões, mas a realidade é que as pessoas estão denunciando mais e pedindo respeito”.

No ano passado, os casos de racismo explícito se multiplicaram no Brasil. Em setembro, a imagem da jovem Patrícia Moreira chamando aos gritos de “macaco” o goleiro Aranha, do Santos, chegou a todos os lares do país. Ela se desculpou, mas sofreu a fúria dos justiceiros virtuais e não tão virtuais ao perder seu emprego e ter que sair de casa por causa das ameaças: “Aquela palavra macaco não foi racismo de minha parte, foi no calor do jogo, o Grêmio estava perdendo”. O advogado alegou ante a imprensa que “macaco, no contexto dentro do jogo, não se tornou racista”, mas Aranha registrou boletim de ocorrência  e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu, por unanimidade, exclur o Grêmio da Copa do Brasil.

Também no campo, onde historicamente estes insultos eram aceitos, o árbitro Mario Chagas da Silva denunciou em março que encontrou a lataria do seu carro amassada e coberta de bananas quando foi buscá-lo no estacionamento, após apitar durante a partida entre Esportivo e Veranópolis, times do Rio do Grande do Sul. Era a segunda vez que o xingavam em um jogo por ser negro e, por segunda vez, tornou o assunto público. “Tenho que mostrar a meu filho a importância que eu, como pai, tive ao denunciar uma prática que acontece seguidamente no Brasil”.

Karina Chiaretti segue a mesma linha. “Aprendi desde pequena que racismo é crime e eu passo para os meus filhos a mesma coisa. Por muito que eles tenham a pela mais clara que a minha, eles são chamados de “negão” na escola”, diz ela, que faz questão de ensinar para eles que devem ter orgulho da sua raça, e dos seus antepassados.

Destaque: A ré abordada por policiais em Curitiba, após insultos xenófobos. / REPRODUÇÃO

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