‘Mundo está de olho na Floresta Amazônica’, alerta Davi Kopenawa

Em entrevista exclusiva ao Portal Amazônia, Davi Kopenawa relata como iniciou a defesa aos indígenas e sobre as ameaças sofridas

Portal Amazônia

BOA VISTA – O primeiro contato com o ‘homem branco’ ocorreu aos quatro anos de idade. Ainda na adolescência, Davi Kopenawa Yanomami, escritor e líder indígena de Roraima, começou a lutar pelos direitos indígenas. Devido à batalha diária dos costumes que já dura 40 anos, Davi Kopenawa Yanomami é reconhecido mundialmente, inclusive pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), com o Prêmio Global. Em entrevista exclusiva ao Portal Amazônia, Kopenawa relata sobre o começo da luta pelos povos indígenas. Confira o depoimento.

Depoimento

Defendo os direitos do povo da Amazônia, não só do índio, mas o do branco também. Comecei a ver os problemas do meu povo quando garimpeiros chegaram a nossa terra em 1986. A construção da estrada que corta a casa Yanomami, em Caracaraí, me encorajou a defender pai, mãe, irmão e a floresta.

Saí da minha comunidade, Tototoobi, e fui para outra que se chama Ajuricaba por causa do meu povo. Para defender eles comecei a aprender a falar português. Em 1988, fui levar a luta do meu povo para outros países. Falei das doenças, da Malária, do sofrimento do meu povo Yanomami e os outros lugares me conheceram através da minha briga.

Depois de 40 anos de luta, continuo falando para o povo da cidade. É muito difícil achar um homem da cidade que seja nosso amigo. São poucas pessoas que dão valor para a minha luta. O branco não conhece o Yanomami, não conhece a nossa realidade, o nosso sofrimento. As autoridades de outros países reconheceram, muito antes do Brasil.

Homologação e Demarcação de terras indígenas

Quem ensinou a demarcar foi o homem branco. A demarcação, divisão de terra, traçar fronteira é costume de branco, não do índio. Brasileiro ensinou a demarcar terra indígena, então a gente passamos a lutar por isso. Nosso Brasil é tão grande e a nossa terra é pequena. Nós, povos indígenas, somos moradores daqui antes dos portugueses chegarem.

Lutei pela terra Yanomami para que o meu povo viva onde eles nasceram e cresceram, mas o registro de demarcação da terra Yanomami não está comigo, está nas mãos do Governo. Mesmo diante das dificuldades, o tamanho da nossa terra é suficiente para nós, desde que seja mesmo somente para nós e não precisamos dividir com os garimpeiros e ruralistas.

A terra única para os Yanomamis foi a principal vitória dos últimos anos. A saída dos fazendeiros e ruralistas da terra também é coisa boa. A nossa saúde ainda precisa melhorar, mas conseguimos mudar algumas coisas. Eu sou indígena que briga pelos nossos direitos, preservamos a natureza para que homem branco não acabe com tudo.

Desmatamento e garimpo ilegal

É muito difícil deixar de existir o desmatamento, pois é um problema de sempre. O Governo quer construir estradas, fazer grandes plantações e criar animais. Com o passar dos anos tudo está piorando cada vez mais. Aqui em Roraima, o povo Macuxi tem como principal dificuldade os fazendeiros. Eles querem sempre mais terras.

A gente luta para proibir a mineração nas terras, pois é muito perigoso. Falo de perigo para todo mundo que mora aqui. Antigamente a gente vivia em paz, claro que tínhamos problemas, mas era por causa de coisas da comunidade e não por terras. Agora estamos preocupados porque o mundo está de olho naFloresta Amazônica e querem tirar a riqueza daqui.

Nós Yanomami e Macuxi continuamos com a luta, só assim sabemos que podemos viver, pois sem brigar morremos. Ninguém vai brigar por nós. Para que a gente volte a viver em paz falta o respeito. Homem da cidade precisa respeitar o povo da floresta. A Constituição Federal fala dos nossos direitos, mas o branco não respeita a própria lei.

Na minha comunidade, a chegada dos garimpeiros não é boa para o meu povo. Eles destroem tudo na natureza, destroem os igarapés. Eles são muitos e usam máquinas para cavar buracos, usam mercúrio e o meu povo adoece. Não quero que eles fiquem próximo das minhas comunidades. Queremos ficar em paz na floresta.

A única coisa que mudou na floresta desde os anos de 1980 é que agora os garimpeiros são invasores, pois a terra é nossa. Naquela década o meu povo morreu doente. Homens poderosos ‘derramaram’ os garimpeiros nas nossas terras e eles não querem mais sair, o que é ruim para os índios. Nos últimos anos a gente perdeu muito, mas garimpeiros e ruralistas foi o que mais maltratou.

Ameaças de morte 

Estava aqui na cidade, na Hutukara Associação Yanomami, no mês de julho de 2014, e dois inimigos entraram para me atacar. Muitos garimpeiros e fazendeiros que tem muito dinheiro querem acabar com as lideranças que lutam pelos povos indígenas. Depois disso pedi ajuda da Polícia Federal e eles ficam de olho.

O homem que tem dinheiro paga os criminosos para matar as lideranças com arma de fogo. Hoje estou um pouco protegido, mas não confio em ninguém da cidade. Continuo lutando e falando pela coragem, pois é um direito meu e do meu povo. Eu atrapalho o trabalho deles, e é por isso que não gostam. Aqui em Boa Vista chegam muitas pessoas estranhas que fizeram maldades com índios do Brasil.

Depois das ameaças fiquei dois meses na minha casa, na floresta. Eu não tenho medo da morte natural, mas tenho medo de morrer de arma de fogo.Estou aqui para ajudar homem branco também, mas os criminosos não querem que eu denuncie o que eles fazem com os índios.

Mesmo quando eu recebi as ameaças nunca pensei em desistir da luta. Se eu parar o meu povo vai sofrer mais, por isso eu continuo brigando até o final. O meu povo fica preocupado comigo, depois das ameaças. Eu sou a única liderança que defende eles. Querem que eu saia da cidade e volte para a comunidade, na floresta, mas não vou sair por medo dos inimigos e continuo a enfrentar o homem da cidade.

Preconceito e homem branco

O povo da cidade está aumentando e o preconceito com o índio está crescendo junto. Não é só aqui em Roraima, não é só no Brasil, no mundo inteiro tem preconceito. Assim como o homem branco tem discriminação, a gente também criou discriminação com o homem da cidade. O preconceito tem uma raiz funda e nunca vai acabar aqui na cidade e nem na comunidade indígena.

Já sofri preconceito porque sou índio, tanto que eu fui caçado. Inimigo foi atrás de mim, me procurou. O futuro do índio não vai melhorar, gostaria que mudasse, mas só vai piorar. Além de preconceito, muitas coisas ruins também já chegaram às comunidades, como bebida de branco, festas, dinheiro, computador e televisão. Somos manipulados pelo mundo dos brancos.

O homem branco precisa ensinar o índio a falar. Precisa ensinar os indígenas a defender os nossos direitos. O branco precisa se aproximar mais de nós. Necessitam conhecer a nossa realidade de indígena do Brasil, a nossa comunidade. Cidade não conhece o mato, caça, peixe e a natureza. O que falta é fazer aliança e ser amigo para poder respeitar quem somos. Precisam ser nossos irmãos.

Religião

A minha religião é diferente. Não conheço muito bem a religião que homem branco vem trazendo há muitos anos. Quando eu era criança, missionários chegaram à minha comunidade e me ensinou a escrever em própria língua Yanomami. O primeiro pastor que morou na minha comunidade falava muitas coisas boas e também muitas coisas ruins.

Depois descobri que a religião do branco não é boa para o meu povo. Os missionários querem acabar com os nossos costumes, com os nossos pajés. Falam que o pajé é diabo e não presta, depois disso voltei a acreditar em Omami. O nome do meu rei é Omami. Ele é o primeiro homem da floresta, ele criou tudo, ele deu a nossa sabedoria e cura as pessoas.

É muito difícil para quem sai da cidade e diz que vai ensinar religião para a gente. Nossa comunidade é diferente. No final, se índio aprender o que missionários ensinam os indígenas vão querer seguir e ir para a cidade. Os missionários podem trazer um grande perigo para o índio.

Hutukara Associação Yanomami

Na nossa língua Yanomami, Hutukara significa mundo. A associação é a arma de defesa do povo Yanomami e Ye’ kuana aqui na cidade. Sou o presidente dessa casa e trabalho para fazer planejamento de como o meu povo deve agir. Essa casa representa o meu povo e funciona como uma ‘embaixada’ dos Yanomamis, pois fala com homem branco.

O meu povo Yanomami são brasileiros legítimos, nasceram e cresceram aqui. Mas os portugueses invadiram, desmataram e poluíram as nossas florestas e rios. Homem branco trouxe violência para Yanomami. Os invasores e as leis de algumas autoridades incomodam o meu povo. Leis que são criadas para destruir a natureza incomodam a gente, incomoda meu povo Yanomami.

Papel da mídia

Jornalista pode divulgar os nossos de anos de luta. Pode fazer homem branco respeitar indígena. Jornalista pode falar com autoridades e tem facilidade para falar com deputado, senador, governador para mostrar a nossa realidade e dificuldade, pois a gente precisa de ajuda. Quem não conhece Yanomami, Macuxi, Igaricó e Wapixana, jornalista pode mostrar o nosso mundo. Não podem virar as costas, tem que ser nossos amigos e amigo da natureza.

Líder indígena é conhecido no mundo inteiro. Foto: Jaqueline Pontes/Portal Amazônia

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