Comunidade Quilombola Paiol de Telha: Resistir é preciso!

Por Isabela da Cruz*

Após todo o processo de Regularização do Território da Comunidade que culminou com a assinatura da Certidão de Reconhecimento por parte do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgão do Governo Federal, em uma cerimônia ‘pomposa’ com a presença e flashes voltados para o ato público no Ginásio de Esportes da cidade, com a participação da ministra, até então, Luiza Bairros (Igualdade Racial), ministro Laudemir Muller (Desenvolvimento Agrário), e do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes, no dia 21/10/2014(1), a comunidade volta a enfrentar as severas disputas no Tribunal. “Na Justiça”!

Segundo o Incra, são minimamente 7 passos para a Regularização e Titulação definitiva dos Territórios quilombolas. A comunidade Paiol de Telha está na Etapa 5. Restando apenas o Decreto Presidencial e por fim a desapropriação e devolução do território à comunidade.

E é nesta disputa por reconhecimento de direitos territoriais, identidade étnica e justiça social, que se encontra a Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada na região de Guarapuava, Paraná, por um território deixado legalmente em testamento por Balbina de Siqueira Cortes para 11 trabalhadores escravizados. A história e a luta são centenárias, e alvo de inúmeras contestações e apropriações indevidas desde 1868.

Na “Cerimônia Pomposa” em questão, acontecimento histórico na pequena cidade de Reserva do Iguaçu, (nunca antes na história da cidade, dois ministros tinham pisado naquelas terras). Nunca na história do Paraná, a população quilombola recebeu tal reconhecimento Étnico Racial. A Primeira Comunidade a receber o reconhecimento de sua Territorialidade nas “Terras dos Campos Gerais”.

Todavia a Cooperativa Agrária – Entre Rios, que hoje está com a posse das terras tradicionais quilombolas, continuou movendo o Processo Judicial junto ao TRF 4° Região – Rio Grande do Sul, após o acordo já firmado entre a Cooperativa e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Como dizem os mais antigos e sábios da comunidade quilombola: “No meu tempo o acordo valia no fio do bigode. As pessoas tinham ‘palavra’!” Se referindo ao valor moral do contrato firmado entre duas partes. Um acordo que não precisa ser transcrito para o papel. Tal honestidade valeria também para os acordos de paz. No ato de “apertarem as mãos e proferir a paz”, em tempos de guerra. Hombridade que nem todos valorizam ou reconhecem o real significado.

Assim sendo, a Ação Ajuizada pela Cooperativa Agrária – Entre Rios segue seu curso no Tribunal Regional Federal da 4° Região, que julga, no próximo dia 22 de Abril de 2015, mais uma etapa que interfere diretamente no processo de titulação do território da comunidade quilombola Paiol de Telha, de outras comunidades do Paraná e por fim, todas as comunidades quilombolas do Brasil.

No julgamento, realizado em Porto Alegre, dia 22/04, será avaliado o trabalho realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no procedimento administrativo instaurado para titular o território do Paiol de Telha, e pode abrir Jurisprudência (ou seja, precedentes em decisões jurídicas) que podem influenciar nas próximas decisões a respeito dos territórios quilombolas.

E, com o intuito de garantir o direito à permanência e a posse legal de suas terras, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores, que a comunidade está mobilizada. Acampada em barracos de lona, na beira da estrada que fica dentro do território, localizado em Reserva do Iguaçu, organizados em núcleos urbanos, rurais e núcleos familiares, a comunidade não desiste de afirmar sua identidade, requerer o pagamento por serviços prestados por seus antepassados, que tanto trabalharam para o desenvolvimento da região, e nunca receberam por seus serviços, seja por parte do estado, ou reconhecimento da sociedade, sua herança.

Campanha Estamos em Luta! #SomosQuilomboPaioldeTelha

Uma campanha foi lançada, em Março de 2015, para apoiar o acampamento do Barranco, onde atualmente vivem aproximadamente 50 famílias (A comunidade possui ao todo 200 famílias organizadas em 4 Núcleos- Barranco, Assentamento, Pinhão e Guarapuava). Impossibilitados de plantar, os moradores do Barranco cultivam pequenas hortas, próximos aos barracos de lona e a estrada, e criam animais de pequeno porte.

A comunidade enfrenta muitas dificuldades no dia-a-dia, além da forte poeira, dos carros que transitam em alta velocidade, e a falta de água potável encanada e energia elétrica, ameaçados constantemente por anônimos que passam atirando em torno dos barracos, assustando mulheres, crianças, adolescentes e idosos, visto que o acampamento encontra-se se isolado a aproximadamente 15 km do município mais próximo. Por tal situação, os Estudantes do DCE da UFPR – Gestão: Quem tá passando é o Bonde, em apoio à Comunidade, lançaram uma Campanha de arrecadação de mantimentos básicos, como alimentos, fraldas, roupas de inverno, leite em pó, lonas, entre outros, a fim de fortalecer a luta do Acampamento Barranco e mostrar à Comunidade Quilombola Paiol de Telha que ela não está sozinha.

Direitos pra quem?

Foi acreditando na Constituição de 1988, na Lei 10.639/2003 e 11.645/2008, no Decreto 4887/2003, no Decreto 6040/2007, na Convenção 169 da OIT, na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e no Programa Brasil Quilombola, que a comunidade vem desde 2005 buscando, através de ferramentas legais, garantir o princípio básico, ainda hoje negado pelo Estado Brasileiro:

“Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição da República Federativa do Brasil Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

O que dói é constatar que ainda hoje lhe é negado o direito: à vida – Digna e com qualidade; à liberdade – plena de si e seu meio de produção; à igualdade – de reconhecimento social pela contribuição à nação brasileira e sua riqueza cultural e econômica; à segurança – visto que são constantemente ameaçadas por anônimos ao redor da comunidade; e por fim, o Direito à Propriedade, direito esse garantido a outros desde a Roma Antiga.

Pelo exposto e constatado historicamente no Brasil, a Comunidade e População Negra ainda não foram reconhecidas pelo Estado, enquanto cidadãs. Portadoras de Direitos. Assim como para as Comunidades Quilombolas é negado o direito ao Território (Rural), a outros grupos é negado o acesso à moradia (Comunidades Urbanas Periféricas de população negra), aos espaços públicos urbanos (aos Jovens Negros), à cultura de rua (Capoeira, Rap, Hip Hop, ‘Rolezinho’), ao próprio corpo (às Jovens Negras, vistas como objetos sexuais comercializados nos meios de comunicação), dentre outras.

É seu Domingos, D. Anália, seu Geninho, Seu Joaquim, Carlinhos e numerosos outros descendentes da Comunidade Paiol de Telha, que viveram e morreram lutando por algo que sempre foi seu, apontando e afirmando, no delírio do leito de morte, estarem nas “Terras do Fundão”… agora é com ‘Ela’.. no TRF 4° Região.

Justiça seja feita! E que os ancestrais estejam conosco!

*Quilombola da Comunidade Paiol de Telha
Historiadora e Estudante de Direito – UFPR
Ativista da Rede Mulheres Negras – PR
Assessora do GASC- Onu Mulheres no Brasil

(1) Ver Comunidade Quilombola Paiol de Telha recebe portaria de reconhecimento e Novo julgamento põe em risco titulação da comunidade quilombola Paiol de Telha.

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