Sergio Saenz – Rio On Watch
Na semana passada, centenas de pessoas no Complexo do Alemão, marcharam para pedir o fim da violência na comunidade. A marcha aconteceu depois de 24 horas durante as quais pelo menos cinco pessoas foram mortas, incluindo Eduardo de Jesus Ferreira de 10 anos de idade, atingido na porta de sua casa por um policial.
O estado da violência urbana no Brasil é alarmante. De acordo com o Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Criminal, um grupo de defesa baseado na Cidade do México, 19 das 50 cidades mais violentas do mundo estão localizadas no Brasil. Esta lista inclui as cidade de Porto Alegre, Recife, Salvador e Fortaleza, onde as taxas de homicídio per capita são de 79,4 por 100.000 habitantes. O que ainda é mais preocupante é que a violência no Brasil não é apenas realizada por cidadãos; como pode ser visto com acontecimentos recentes, muitas vezes a violência é praticada pelas forças policiais.
Em 2012, 1.890 pessoas morreram durante operações policiais no Brasil, uma média de 5 mortes por dia. Só no estado do Rio de Janeiro, 362 pessoas morreram nas mãos da polícia, ou uma média de uma morte por dia. Em 2013, cerca de 424 pessoas foram mortas pela polícia no estado do Rio de Janeiro. Nos primeiros seis meses de 2014, 285 pessoas foram mortas pela polícia no estado. Neste ritmo, o ano de 2014 teria terminado com cerca de 570 mortes pela polícia. Enquanto esperamos por números finais, está claro que os homicídios no Rio estão aumentando. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que, entre 2012 e 2013, houve um aumento de 15,1% no número de homicídios em geral, de 4,081 para 4,745, em todo o país. Comparando estes dois dados, as mortes cometidas pela polícia representam 10 à 12% dos homicídios no Rio de Janeiro nestes dois anos. Já das mortes de crianças nas mãos da polícia na última década, 60% delas aconteceram somente no estado do Rio.
Em comparação com outros países, incluindo os Estados Unidos, a taxa de mortes cometidas pela polícia é muito mais alta no Brasil. Entre 2003 e 2009, só nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a polícia matou mais de 11.000 pessoas durante detenções. Em contraste, nos Estados Unidos durante o mesmo período, foram relatadas cerca de 4,800 mortes durante detenções. A violência fatal, em geral, é maior no Brasil também. Em 2012, 56.337 pessoas foram assassinadas no Brasil, ao passo que nos Estados Unidos, um país com uma população 60% maior, menos de 15.000 pessoas morreram de forma violenta. E enquanto nos Estados Unidos uma pessoa é morta pela polícia a cada 37.000 prisões, no Brasil a polícia mata uma pessoa a cada 23 prisões.
Com a morte nas mãos da polícia vem a tortura. Relatórios recentes de ambos Human Rights Watch e Anistia Internacional revelam a tortura como um problema crônico no Brasil. Na década de 1980 o Brasil assinou e ratificou a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Tratamentos Degradantes ou Punições, um princípio de direito internacional consuetudinário, que se espera ser respeitado por cada país, mas acontecimentos recentes revelam que o país está longe de erradicar a tortura. Um dos casos mais divulgados de tortura cometida pela polícia foi o caso de Amarildo Dias de Souza, que foi levado por policiais da (UPP) na Rocinha, em julho de 2013 e foi torturado até a morte com choques elétricos e asfixia.
Outra questão policial séria tem sido o uso de força excessiva para reprimir protestos públicos. Essas ações têm atraído a atenção internacional durante megaeventos como a Copa do Mundo de 2014 e a preparação para os Jogos Olímpicos, em 2016. Essas tentativas de suprimir a liberdade de expressão e liberdade de imprensa são violações dos direitos humanos. A polícia tentou impedir jornalistas e cidadãos de fotografar ou gravar protestos em diversas ocasiões, já que fotos e vídeos serviriam como evidências de abusos, quando os mesmos ocorressem. Apesar da atenção internacional sobre estas questões, a polícia continua a oprimir esses direitos em favelas além da cidade como um todo.
Os megaeventos fornecem uma desculpa que, atualmente, está sendo usada pela polícia para se tornar mais militarizada e abusiva, especialmente no que diz respeito a favelas. Recentemente, a Coalizão Nacional de Comitês Populares contra a Copa (ANCOP) divulgou seu dossiê sobre Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil em 2014, com dados revelando como as forças da Polícia Militar agem em favelas, utilizando o pretexto destes eventos. Por exemplo, em 24 de julho de 2013, durante a Copa das Confederações, as forças da Polícia Militar entraram no Complexo da Maré e executaram dez pessoas em dois dias. Menos de um ano depois, em abril de 2014, as Forças Armadas começaram uma ocupação a longo prazo da Maré, onde 16 pessoas morreram e 162 foram presas em um período de 15 dias. O Estado está usando a segurança de megaeventos como um pretexto para ocupar, reprimir, prender e matar membros da comunidade.
Uma maior exploração dos fatos e estatísticas de violações dos direitos humanos no Brasil revela que o racismo muitas vezes molda estes abusos. Nos últimos meses, um artigo do The New York Times ilustrou como o racismo institucional está presente no Brasil, muito tempo após o período brutal e prolongado de escravidão ter terminado, enquanto um artigo da NPR destacou que nos últimos anos os homicídios entre os brancos no Brasil diminuíram em 24%, enquanto os homicídios entre a população negra aumentou em 40%. Outro estudo revela que os jovens negros têm 2,96 vezes mais chances de serem vítimas de violência fatal do que os brancos.
No ombro de um oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro vem estampado o logotipo de sua fundação em 1809: a coroa, cana de açúcar e café. A coroa representa a constituição da polícia do Estado para proteger a monarquia, um ano após o exército de Napoleão ter enviado a coroa portuguesa para o Rio de Janeiro, de onde eles governaram seus territórios até que fosse seguro voltar para casa. A cana de açúcar e o café representam a propriedade privada que os policiais foram encarregados de proteger, e os escravos que foram designados a capturar quando tentavam fugir.
Saltando para 2015–com nenhuma grande tentativa de reforma–a Polícia Militar do Rio de Janeiro continua comprometida com a mesma missão, no seu equivalente moderno: proteger a elite, proteger a propriedade privada, e criminalizar os afro-brasileiros. Pelo menos 60% dos moradores de favela no Rio são afro-brasileiros. Não é por acaso que estas comunidades são o lugar onde as forças da Polícia Militar são mais abusivas. De acordo com o [ex-] Defensor Público Geral do Estado do Rio, Nilson de Bruno Filho, o único [sic] defensor público afro-brasileiro no país: “Há um ditado que diz que a carne negra é mais barata. As pessoas não ficam chocadas ao ver uma pessoa negra morta porque em suas mentes esta pessoa pode estar ligada ao crime. E no Brasil, se uma pessoa está ligada a um crime, ela pode ser morta”. O estado atual da brutalidade policial no Brasil tem raízes no racismo socialmente condicionado e no racismo institucional, onde os jovens afro-brasileiros de baixa renda estão mais em risco, e as crianças podem ser mortas simplesmente por estar brincando em sua porta de casa.