Por Frederico Füllgraf, em ADUSP/Jornal GGN*
Nestes primeiros meses de 2015, no Chile, aguarda-se com ansiedade o ato de coragem de um magistrado. Quarenta anos após o fuzilamento pelas costas e enterro em uma vala comum, clandestina, de 19 simpatizantes da Unidade Popular – operários, ferroviários e estudantes-, em decisão inédita desde o fim da ditadura Pinochet, o juiz Carlos Aldana – ministro especial para causas de Direitos Humanos, da Corte de Apelações de Concepción – deverá formalizar a acusação de importante grupo de civis envolvidos com a violação de Direitos Humanos no Chile.
A acusação atingirá em cheio a CMPC, maior conglomerado de papel e celulose da América Latina, pertencente ao Grupo Matte que, em 18 de setembro de 1973, entregou uma “lista negra” com os nomes dos fuzilados à polícia militar chilena. Terceiro maior patrimônio empresarial e familiar do Chile, estimado em 17,5 bilhões de dólares, em 2013, o Grupo Matte teve aprovado pelo BNDES um crédito de 1,2 bilhão de um total de 2,1 bilhões de dólares para a quadruplicação, em Guaíba, da antiga fábrica Borregaard, hoje conhecida como CMPC – Celulose Riograndense.
Com a pretensão de consolidar-se como um dos maiores fornecedores mundiais de celulose branqueada, o investimento foi celebrado pelo então governador Tarso Genro devido à geração de mais de 7.000 postos de trabalho durante as obras, e os 2.500 empregos diretos prometidos pela unidade, que deverá iniciar suas operações no segundo semestre de 2015. É muito improvável que o governador petista e a diretoria do BNDES tivessem conhecimento da participação ativa da CMPC no golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende, e das graves acusações que a apontam como protagonista do “Massacre de Laja”, como o crime hediondo é conhecido no Chile, que agora transborda para o Brasil.
“Realmente não tinha essa informação e acho que pode ser verdadeira. As grandes empresas no Brasil, no Chile, na Argentina, tiveram envolvimentos, diretos ou indiretos, nos golpes que ocorreram nas décadas de 1960 e 1970, na América Latina”, declarou Tarso Genro à Revista Adusp. “Dizem que até uma grande empresa jornalística, aqui no Brasil, emprestava veículos para a Operação Bandeirante. Não me surpreende, também, se isso for verdadeiro, já que foram golpes para proteger os interesses do capital.”
O terror no Biobio
Em minhas andanças pelas paisagens do Biobio, belamente imortalizadas nos idos de 1840 pelo pintor-viajante Maurício Rugendas, volta e meia esbarro com memoriais e epitáfios – como o da ponte Quilaco, sobre o Rio Biobio, ou o Memorial de Laja-San Rosendo – cujas narrativas congelam o tempo e por momentos encharcam de sangue o pitoresco.
Uma dessas narrativas é o “Massacre de Laja”, ou “Caso Laja-Yumbel”, como está protocolado na Corte de Apelações de Concepción. Eu prefiro chamá-lo de “Os 19 de Laja”, um título épico, pois é de 19 homens que se trata, arrancados de seus locais de trabalho e do seio de suas famílias, espancados e presos numa cela imunda de uma delegacia de polícia do Chile profundo, de onde desapareceram em 18 de setembro de 1973.
Um deles foi o maquinista Luis Alberto Araneda Reyes, pai de Mauricio Araneda Medina.
Esta é sua crônica.
Advogado, 52 anos de idade, Mauricio Araneda divide seu calvário com seus irmãos, Luis Emilio e Jorge Eduardo, e dezenas de outras famílias das localidades de Laja e San Rosendo, na província de Biobío, que há mais de 40 anos cobram justiça pelo brutal assassinato de seus entes queridos.
Uma das mais sinistras histórias de terror da longa noite das ditaduras latino-americanas, “Os 19 de Laja” protagonizam o primeiro script das operações de extermínio da ditadura Pinochet – entre os quais figuram a famigerada “Caravana da Morte” no deserto de Atacama, os fornos de Leuquén e o lançamento de prisioneiros no mar e em crateras de vulcões – cujo modus operandi recorda os comandos de aniquilamento de Wehrmacht, Gestapo e do SD, durante a Segunda Guerra na União Soviética.
Berço do já então poderoso setor madeireiro e de produção de celulose, em 11 de setembro de 1973, no Biobio era declarada aberta a temporada de caça aos simpatizantes da Unidade Popular, na qual bandos de civis armados – geralmente fazendeiros e conspiradores do movimento fascista “Patria y Libertad” – se juntaram à polícia militar e ao exército.
Método empregado no famigerado “Massacre de Ránquil”, de 1934 – no qual foram metralhados 300 garimperios, camponeses e índios Mapuche – entre setembro e outubro de 1973, nas comunidades rurais de Laja, Quilaco e Mulchén repetem-se fuzilamentos em massa, cujos mandantes e perpetradores desfrutaram a impunidade durante 40 anos, e só agora – senis ou doentes terminais, supostamente arrependidos – começam a ser condenados.
Os autos do ministro Aldana
De posse do número do celular de Mauricio Araneda, informado por um colega de Concepción, liguei-lhe e marcamos nosso primeiro encontro em Santa Bárbara, um arraial pré-cordilheirano erguido em 1756 como fortaleza contra os malones – arrastões para a captura de mulheres, dos índios montados, Pehuenche – que hoje não conta mais de 14 mil almas.
De Concepción por Los Ángeles até a pré-cordilheira, correm 160 quilômetros de estradas através de monoculturas de eucaliptos e pinus a perder de vista, salpicadas, aquí e acolá, por raríssimas manchas de floresta nativa remanescente. Estima-se que 45% do território do Biobio, com pouco mais de 30 mil km2, estão tomados pelo “deserto verde”, cuja simétrica monotonia machuca os olhos.
Vestindo impecáveis terno e gravata e irradiando a formalidade dos bacharéis, aprendida nos bancos da faculdade de Direito, ninguém suspeitaria da ascendência proletária de Araneda, cujo paí era maquinista e lider sindical
Confortavelmente abancados no escritório de seu pequeno tabelionato, instalado há apenas um ano, nossa primeira conversa é atabalhoada, com saltos temporais entre setembro de 1973 e o final de 2014 – eu, curioso pelas circunstâncias da prisão de seu pai, ele, ansioso por saber dos negócios da empresa CMPC no Brasil.
Em 2011 e 2014, o advogado e seus irmãos foram testemunhas e depoentes em duas reconstituições do Massacre de Laja, ordenadas pelo juiz especial para causas de Direitos Humanos na Corte de Apelações de Concepción, Carlos Aldana. “Mas, há minudências”, ajunta Araneda, “filigranas que só um detetive ou advogado, obsessivos, têm a pachorra de investigar”, apontando-me uma pilha de pastas na prateleira às suas costas.
A pilha mede meio metro. São fotocópias dos autos completos do processo, aberto em 1979, logo arquivado durante a ditadura Pinochet e reaberto em 2010, graças à obstinação da Associação de Familiares de Presos Políticos Executados de Laja e San Rosendo – autos copiosamente conferidos e repletos de destaques com marca-texto nos depoimentos de policiais, familiares e testemunhas, aos quais caberia fazer ainda algumas perguntas.
Por isso, depois de 30 anos de tramitação e revezes, após seu expediente, o advogado dublê de tabelião desembesta Biobio afora, com suas próprias investigações. Seu objetivo é subsidiar com novos testemunhos a acusação que o ministro Aldana prepara contra ex-diretores de “La papelera”, como a CMPC dos Matte é conhecida na região.
Convidado por Araneda, entre o final de 2014 e o início de 2015, tive o privilégio de participar de algumas das expedições noturnas, a primeira delas a Laja, diante de cujo Memorial aos fuzilados nos aguardavam seus irmãos Luis Emilio e Jorge Eduardo, vindos especialmente de Concepción para entrevistar Magallanes Acuña, um velho socialista e ex-operário aposentado da CMPC que, noite alta e 41 anos após o golpe militar, na sala de sua casa mobiliza sua lembrança e pelo túnel do tempo nos conduz de volta ao momento de sua prisão – assim, “contra a parede e mãos na cabeça!”, como lhe berrou o tenente dos carabineiros, Alberto Fernández Mitchell.
E eis que Magallanes Acuña confirma o que vários outros sobreviventes do terror reiteraram diante dos ouvidos moucos de policiais e juizes: que as prisões na CMPC foram realizadas dentro e não fora da fábrica; prova de flagrante cumplicidade da empresa com a repressão pinochetista.
Durante a segunda reconstituição do massacre, Eduardo Cuevas – antigo mecânico de manutenção da CMPC e ativista do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária) – demonstrou ao juiz Aldana onde e como foi caçado dentro das instalações da fábrica, debaixo de coronhadas de fuzil e conduzido ao Regimento de Infantaria de Los Angeles. Preso político durante um ano, ali sofreu toda sorte de vexações e torturas sistemáticas, do pau-de-arara ao choque elétrico, que marcaram com sequelas sua saúde. Libertado em 1974, foi ameaçado pela DINA com sequestro assassinato e desaparecimento. Salvo por um padre belga, com sua esposa foi colocado em um avião, partindo para um exílio de 35 anos em Basileia, na Suíça.
Outro operário da CMPC que escapou do massacre, entrevistado por Araneda, conta uma aventura com lances cinematográficos, mas de filme de terror: acoitado dentro da fábrica, aguardou a noite cair, esgueirou-se até a margem do Rio Biobio, agarrou-se a uma tora de madeira, nadou até a margem oposta, viajou 100 quilômetros, apresentou-se à polícia do porto de Talcahuano, mas que, liberado, temeu por sua vida, em seguida marchando vários dias pelas matas, até a Cordilheira ainda nevada, que cruzou para a Argentina, onde se manteve exilado até o fim da ditadura.
No deserto verde
De volta da viagem no tempo, folheio a edição nº 84 (2011) da Revista Chilena de Historia Natural, e um ensaio me explica que “a região do Chile central (entre os 29° e os 40° S) tem sido catalogada como um dos hotspots de biodiversidade em nível mundial, com 3.429 espécies vegetais e 335 espécies de vertebrados. Contudo (…) os bosques (…) nas regiões VI, VII y VIII (Biobio) se encontram praticamente extintos e seus solos cobertos por monocultivos de Pinus radiata, Eucalyptus globulus e E. nitens”.
Entre 1870 e 1900, imperou a lei do machado, com a derrubada em grande escala da floresta nativa, em cujo solo expandiram o breve cultivo de trigo e, depois dele, os campos de pastagens. Em 1964, Francesco di Castri, naturalista italiano radicado no Chile, advertia que a erosão ameaçava a maior parte do território nacional, passível de se tornar enorme deserto.
Cinquenta anos depois do desastre anunciado, eis o cenário catastrófico: em sentido norte-sul, as areias do Atacama avançam 0,5 km ao ano, devendo alcançar Santiago por volta de 2040. Do Valle Central ao Biobio, a desertificação antrópica atinge 2/3 dos 184 de um total de 290 municípios afetados por erosão, de moderada a grave.
O setor florestal de berço pinochetista
No centro desse cataclismo, visceja a indústria de papel e celulose, cujas plantações com extensões obscenas são apontadas por agrônomos e geólogos como principais causas do ressecamento dos solos e da erosão.
Em 1970, o recém-eleito presidente Salvador Allende, em “visita de cortesia” a seu adversário conservador, Jorge Alessandri – candidato à reeleição derrotado por Allende com apenas 1,7% dos votos, e diretor-executivo da CMPC – advertiu que expropiaria “La Papelera”, cujo peso estratégico considerava de interesse do Estado.
A CMPC monopolizava o então mercado de papel e era fornecedora exclusiva de papel-jornal, fabricado por sua filial Inforsa, em Nacimiento, vantagem que beneficiava principalmente “El Mercurio” em sua feroz campanha midiática contra o governo Allende, financiada pela CIA (leia também: Especial: El Mercurio no banco dos réus).
A estatização não se concretizou, mas seu enquadramento ferira de morte a CMPC que, durante um ano inteiro, teve seus escritórios devassados por auditores do SEII-Servicio de Impuestos Internos, vistoriando suas contas e aplicando pesadas multas. Em 11 de setembro de 1973, a CMPC foi salva pelo gongo.
Um ano mais tarde, a ditadura Pinochet baixou o decreto-lei 701, de fomento à atividade de “reflorestamento”, que subsidia de 75% a 100% dos custos das plantações (espalhadas em 2,1 milhões de hectares cultivados no Chile), com mão-de-obra sazonal e barata, manejo e administração,, além de eliminar a tributação.
Duas empresas, a CMPC-Mininco, do Grupo Matte (dono de 1.136.574 há), e a Arauco do Grupo Angelini, controlam o mercado. Em 2013, o setor vendeu 5,7 bilhões de dólares (7,5% das exportações chilenas) ao mercado mundial de madeira, papel e celulose. Seu principal problema é a falta de solos para manter o ritmo da expansão, motivo pelo qual deseja prorrogar por mais 20 anos o Decreto Ley 701, simultaneamente avançando sobre terras alheias, como ilustram os 100 mil ha da CMPC comprados no Río Grande do Sul.
O maquinista Araneda Reyes e a lista negra da CMPC
Um ano antes de conhecer Araneda, Juan Macaya, funcionário da secretaria de Agricultura, convidara-me a um passeio aos morros de Yumbel, onde cria abelhas em uma das poucas chácaras que sobreviveram ao cerco das “forestales”.
A meio caminho, enveredamos pelas localidades de Laja e San Rosendo, separadas por uma belíssima ponte ferroviária.
Como os Araneda, Macaya fora criado em San Rosendo, vilarejo ao qual aderem a ferrugem e o pó, mas também o glamour, pois foi popularizado na década de 1960 pelo musical “La Pérgola de las Flores”, de Isadora Aguirre e Francisco Flores del Campo, cuja personagem-título, Carmela, abandona San Rosendo para ganhar sua vida como florista na distante Santiago. O que fez a bordo de um dos 15 trens que partiam diariamente de San Rosendo, grande entroncamento dos outrora gloriosos Ferrocarriles del Estado, privatizados por Pinochet e depois esquartejada pelos concessionários particulares.
Amante de ferrovias, desde a tenra infância, contemplei as ruínas da velha estação, já bosquejando um roteiro sobre a morte dos trens, mas incapaz de imaginar que meu storyline nostálgico logo seria ensombrecido por um enredo de terror.
Ao retornar do passeio, estranhamente, o nome Yumbel insistia em martelar minha lembrança. Então caiu a ficha: claro, a revista “Nos”, na qual tinha topado a primeira vez com a estória de Araneda! E refolheando-a, gelei!
Na manhã de 15 de setembro de 1973, quatro dias após o golpe militar, o maquinista Luis Araneda Reyes, de 43 años de idade, saiu de casa, caminhando até a estação de San Rosendo. Lá chegando, examinou a planilha das escalas de serviço, mas seu nome não constava na lista. Coçou a cabeça e voltou para casa, o jeito era esperar um novo turno.
Dirigente sindical da Federação Santiago Watt de Ferrovias do Estado, Araneda Reyes era filiado ao Partido Socialista do presidente Allende. No dia do golpe, obedecera à ordem de apresentar-se na delegacia de carabineros de San Rosendo, depois do que foi liberado. Apesar de tantas vezes prenunciado, o golpe o surpreendera e não havia plano de resistência e o desespero recomendava prudência.
Contudo, no dia 15 de setembro, por volta das 16h, um pelotão de 13 carabineiros cercou sua casa, na Quinta Ferroviária. Com armas apontadas à porta, o tenente Alberto Fernández Mitchel ordenou que Araneda Reyes saísse com as mãos em cima da cabeça. O maquinista obedeceu piamente e recebeu ordem de prisão. As mãos já atadas às costa, pediu à esposa e aos filhos, em prantos, que retirassem e guardassem o pouco dinheiro e o relógio que guardava no bolso da calça.
Mauricio Araneda Medina tinha 10 anos quando, garoto indignado, saiu caminhando atrás da patrulha que conduzia seu pai à subdelegacia de Laja. Diz que em sua mente infantil alimentou o plano de resgatar o pai e voltar abraçado com ele para casa, em San Rosendo.
O maquinista foi o último dos 19 simpatizantes da Unidade Popular presos naquele sábado e enjaulados em uma cela imunda da delegacia de Laja.
Mas se em San Rosendo havia uma subdelegacia, por que Araneda Reyes fora preso pelos carabineiros de Laja, do outro lado do rio?
“Seu nome estava na lista da CMPC!”, responde, seco, Mauricio Araneda.
Informação que circulou durante 35 anos na região, insistentemente reverberada pelos familiares dos presos, com sua primeira reconstituição da cena do crime e o retratamento dos policiais sobreviventes, em agosto de 2011, o ministro Aldana obteve a confirmação: os nomes dos “19 de Laja” compunham uma “lista negra de ativistas”, preparada e entregue à polícia por Carlos Ferrer e Humberto Garrido, respectivamente superintendente e chefe da sessão de pessoal da fábrica de papel e celulose CMPC, em Laja. Mais: apenas metade dos nomes da lista era de operários da empresa: a ordem era perseguir a liderança allendista nos dois municípios.
O massacre
Naquela reconstituição com traços macabros, 10 carabineiros envolvidos confessaram que na madrugada do dia 18 de setembro, Dia da Pátria, os presos foram colocados em um micro-ônibus que deveria levá-los ao quartel do Regimento de Infantaria de Los Ángeles, seguido por jipes lotados de policiais. Porém, logo à saída de Laja, a caravana deteve-se na fazenda San Juan, onde foi recebida pelo agricultor Peter Wilkens – de descendência alemã e anti-comunista feroz – que serviu de batedor até uma clareira de um bosque de pinus. Ali, os presos foram baixados do ônibus e colocados de joelhos às bordas de uma cova com metro e meio de profundidade.
Entre os carabineiros, que haviam bebido Pisco, desata-se uma violenta discussão, que o tenente Fernández Mitchell interrompe aos berros e a ordem de “fuego!”.
Todos os 10 carabineiros atiraram.
Ato contínuo, cobriram com terra os corpos ensanguentados e empilhados, disfarçaram a cova com galhos e ramagens, retornaram a Laja e atravessaram o resto da noite bebendo.
Os carabineiros de Laja não possuíam viatura própria, nem dinheiro para comprar cachaça. A arguardente, o micro-ônibus, seu chofer e os jipes – tudo fora gentilmente oferecido por “La Papelera”, a CMPC de Laja.
Quarenta anos depois, em sua reconstituição do crime nas instalações da CMPC, o ministro Aldana se convence de que os executivos de “La Papelera” alentaram e proporcionaram meios para a consumação do desígnio criminoso dos carabineiros.
“Foi mais!”, adverte Mauricio Araneda: “Aqueles diretores da fábrica sabiam do desenlace das detenções, entre outros, porque a chacina e o enterro das vítimas foram realizados em uma fazenda com plantações exploradas pela empresa”.
Em outubro de 1973, os cães de um peão de fazenda vizinha, que passava inadvertido pela clareira, fizeram um surpreendente achado. Afugentando-os do que mordiscavam, constatou, horrorizado, tratar-se de um braço que pendia para fora de uma cova improvisada. Não pensou duas vezes e alarmou a polícia de Yumbel. Na madrugada daquele dia, os carabineiros assassinos transladaram os cadáveres em decomposição dos 19 de Laja para uma cova clandestina do cemitério de Yumbel, onde só foram descobertos em 1979 – estava elucidado o desaparecimento dos 19 de Laja, que jamais tinham alcançado o Regimento de Infantaria de Los Ángeles, que foram identificados e sepultados por seus familiares.
Então caiu minha ficha, por que, depois daquele passeio às colmeias de Juan Macaya, o nome Yumbel insistia em martelar minha cabeça.
Janeiro de 2015.
Mauricio Araneda retorna abatido de uma inesperada entrevista com um antigo peão da fazenda San Juan, que resolvera falar pela primeira vez depois de 41 anos de silêncio e medo: “Me disse que, dias após o massacre, encontrou paus e varas ensaguentadas, espalhados pelas capoeiras…”.
Isso queria dizer que, apesar de metralhados pelas costas, nem todos os 19 de Laja estavam mortos, Feridos de bala , foi necessário espancá-los até a morte.
Nos olhamos nos olhos. Araneda desvia o olhar. Pela primeira vez, em meses, percebo um esgar em suas pálpebras, com o prenúncio de lágrimas, rapidamente represadas.
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*Publicado originalmente por revista ADUSP, edição Nº. 57 (março 2015), gentilmente cedido por Pedro Pomar, Editor
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.
Para os moradores da Cidade de Guaíba, inclusive aqueles que moram nas proximidades da Empresa (ampliada e em pleno funcionamento), é importante que se conheça essa parte da história da CMPC, uma história vergonhosa, diga-se de passagem. Essa curiosidade pelo passado recente da Empresa tem origem em problemas pelos quais as famílias residentes nas proximidades da CMPC vêm sofrendo: odor excessivo, poluição sonora, emissões de gases, vapor ou fumaça em uma quantidade inacreditável, além de se tornar uma espécie de cordão de isolamento, dividindo a Cidade em uma representação espacial, do que vem a ser sua divisão social, com uma parte da cidade (a menos privilegiada) tendo uma ÚNICA VIA DE ACESSO para o restante do Município, para o Centro e para acesso à capital. Em uma situação de sinistro em grandes proporções essa parte aquartelada de Guaíba ficaria à merce da própria sorte.